Histórias reais traduzem o que é participação social: Relatos bem sucedidos.
“O Estado desrespeita as leis”
Marco Antônio da Silva representou o Projeto Meninos e Meninas de Rua que funciona em São Bernardo. Ele falou um pouco sobre o projeto e também sobre desigualdade social, luta de classes, diferenças socioeconômicas e a necessidade de uma massa crítica e corajosa, capaz de fazer mudanças. O primeiro aspecto que deve ser pensado e discutido, segundo ele, é o desrespeito às leis que favorecem a integração e a ação comunitária. Para Marco, os maiores ‘desrespeitadores’ das leis são o Estado e seus representantes, que não as cumprem.
Além disso, ele disse que faltam interlocutores para organizar as comunidades nas periferias e para garantir que os direitos dessa população possam ser garantidos nas cidades. Isso confirma a necessidade da presença da universidade nas comunidades para ouvir, para aprender, para trocar, para ensinar. Marco afirmou que as entidades de ensino estão atrasadas no que diz respeito à aplicação de estudos para políticas integradas.
Pensar em políticas integradas é pensar na diversidade de culturas, é pensar na democracia participativa ou direta, é pensar na junção do Estado e sociedade civil, é pensar na necessidade da formação de massa crítica. Marco confirmou o que já é sabido pela maioria das pessoas: a população da periferia é vulnerável às ofertas. Isso acontece porque eles são carentes nas suas necessidades mais básicas. Por isso, em época de eleição, a população se vende por muito pouco e não há um fortalecimento da organização da comunidade. Para ele é preciso fazer as pessoas se sentirem cidadãs.
Citando um fato corriqueiro no cotidiano das periferias, Marco exemplificou. “O importante é que a ajuda venha. Isso é um grande problema porque o crime organizado também vem. Eu não chamo de organizado, eu acho que ele é primário, mas ele pode evoluir e ir para uma outra esfera. Uma vez, um dos líderes dessas organizações disse que os lemas da organização eram paz, que representa a paz na cadeia, liberdade, que é o que todo preso quer e o último, que mais me chamou atenção: justiça, que representa para eles como justiça social, que é entrar na ‘brecha’ onde o Estado não está”. Depois, Marco completa: “É por isso que nós ouvimos falar ‘Ah, o cara morreu e eles ajudam no caixão’ ou ‘Ah, o marido bate na mulher’, e eles vão lá e dão uma chacoalhada no marido, ‘Ah, o pessoal está com fome, pode ir até o comércio que agente paga’. Então, é uma coisa primária. Isso pode evoluir para outras coisas”, finalizou.
Na conclusão de seu discurso Marco disse que é importante que a comunidade venha até a universidade, mas é importante que a universidade vá até a comunidade.
“Engajamento é bom, mas sem entendimento ele não serve por muito tempo”
Djalma dos Santos representou a ONG Beija-Flor que atende crianças e jovens de cinco a vinte e um anos de idade. Nas horas do dia em que estão na entidade elas têm contato com um mundo muito diferente do que elas vivem em seu cotidiano, como explicou Djalma: “Ela sai do Beija-Flor, sai daquele mundo colorido e vai para o barraco, para casa ou ainda para as escolas de Diadema que são totalmente ‘estouradas’, bastante pichadas com o material e equipamento escolar deficitário”.
As mesmas crianças que estudam nessas escolas freqüentam o espaço Beija-Flor. Porém, na instituição os jovens e crianças participam diretamente da conservação do local e é daí que vem a inspiração para trazer as mudanças. “A gente sustenta o Beija-Flor com a ajuda dos participantes. Eles não picham, eles não quebram, eles ajudam nos mutirões, eles fazem o que for necessário para manter o espaço limpo. Djalma completou dizendo que os participantes precisam entender o seu papel e entender o impacto de suas ações.
Para ele só há participação comunitária quando a comunidade entende o motivo da sua participação, quando a população entende o que está fazendo. A formação do cidadão que trabalha nesses movimentos sociais é importante. Ele conclui. “O papel da universidade é fortalecer a formação desses jovens para fortalecer a formação dessas comunidades. A universidade tem que entrar nas comunidades, apoiar os projetos, e, como o meu diretor [Gregory John Smith] costuma dizer: ‘A gente tem 80% de experiência de vida, por ver, por passar por aquilo. A academia oferece os outros 20%’, a gente precisa disso para desenvolver um trabalho respeitado e que tenha continuidade”, completou.
O Beija-Flor é um projeto totalmente independente de qualquer órgão público. Os recursos da ONG são captados fora do Brasil e isso, segundo Djalma, dá ao movimento a liberdade de desenvolver e aplicar metodologias.
No final de sua exposição, Djalma mostra a que veio: “Eu decidi fazer o que estou fazendo hoje. Isso é o que eu falo em todos os lugares onde que vou: você decide o que quer fazer, se dará certo ou errado, é com você, mas depende do que você quer. Acredito que o Beija-Flor foi tudo para mim. É o meu trabalho hoje, é onde tiro meu sustento e faço tudo. Deu certo para mim. Faz só quatro anos que eu estou imerso nessa maré social, nessa questão do Protagonismo Juvenil que eu sempre ouvi falar, mas nunca vi protagonismo nenhum...” e completou: “Engajamento é bom, mas sem entendimento ele não serve por muito tempo”, disse
A Aplicabilidade das Políticas Públicas Integradas
Depois dos relatos dos dois líderes de ONGs, Renato Alves, representante do NEV (Núcleo de Estudos da Violência da USP), conceituou a idéia de política pública e falou sobre a relação academia/comunidades no compartilhamento de informações para tornar o conhecimento plural.
Renato provocou os ouvintes com a seguinte pergunta: “Políticas públicas integradas são de fato integradas?” E a resposta, veio do próprio interlocutor, “As políticas públicas são muito pouco articuladas entre si, porque elas são muito mais motivo de barganha política do que de interesse populacional. Quando se iniciam dessa maneira, as chances de serem integradas diminuem, porque se tornam moeda de troca e de barganha política. Elas passam a disputar espaços e recursos entre si”, esclareceu. Para Renato, as políticas públicas não atendem à população como um todo, e sim, a determinados setores da sociedade. Elas não são formuladas para atender à sociedade e são muito pouco efetivas naquilo que deveriam fazer para transformar a realidade marcada pela desigualdade como a comunidade brasileira”.
“Nós precisamos nos comunicar, dialogar e aprender juntos, porque nós somos diferentes. É nessa diferença que nós aprendemos e crescemos”, explica Renato ao falar sobre o papel das universidades. Para ele, levar a universidade para a comunidade requer pensar qual é o papel dessa universidade e elencar quais tipos de conhecimento ela pode trazer. “Temos que usar o conhecimento para gerar libertação, transformação e confrontar conhecimentos locais com acadêmicos”, afirmou.
Concluindo o seu discurso, Renato afirmou que a construção com participação comunitária democrática passa pelo aprendizado de ser comunidade, democrático, de ser cívico e que as políticas públicas integradas e em diálogo com a sociedade incentivam a formação da massa crítica e do diálogo. Lembrou também que é primordial que se leve em conta as diferenças de cada público nas construções de políticas: “Não podemos construir uma política participativa em Brasília e querer que ela funcione com sucesso em Manaus”, diz.
Plano Diretor: participação é tudo
Silvia Gattai, representante da cátedra, falou sobre Plano Diretor participativo em Joanópolis, cidade do interior de São Paulo, um projeto patrocinado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, e pelo Ministério das Cidades. O CNPq esperava como resultado desse trabalho, a criação de uma metodologia democrática de implantação de políticas públicas que depois pudesse ser utilizada em outras cidades de pequeno porte do Brasil.
O projeto durou um ano e foi coordenado pelo professor Dalmo de Oliveira Sousa e Silva. Silvia Gattai participou como pesquisadora. Ao longo do trabalho foram discutidos os princípios jurídicos que diziam respeito ao estatuto das cidades. Esse estatuto afirma que toda a cidade brasileira com mais de vinte mil habitantes deve ter o plano diretor participativo. Ele estabelece ainda que é obrigatória a participação da população para que ele seja construído.
A pesquisadora explicou que embora exista uma lei que estimule a participação da população, mas as pessoas não estão preparadas para utilizar esse recurso jurídico em seu próprio benefício.
O outro passo foi a análise do princípio de ‘governança’ local, que é composto pelo poder civil, político e econômico. Sob o ponto de vista de Celso Daniel, o patrono da Cátedra, esse três poderes devem atuar de forma paritária para que seja criada uma política pública justa, integrada e benéfica à toda população. Outro conceito trabalhado foi o de fortalecimento do poder social por meio da educação e cultura, principalmente nas comunidades populares
A Universidade Metodista, por meio da Cátedra Gestão de Cidades, atuou em algumas fases da construção do Plano Diretor como no Núcleo Gestor. E o grupo responsável por conduzir a construção do plano e divulgar e explicação do plano à população.
Segundo Silvia, a experiência não foi fácil. “Encontramos uma série de problemas. Joanópolis é uma cidade com o poder político altamente centralizador, personalista que se mantém no poder há meio século e que, obviamente, não facilita a participação da população nos planos de políticas públicas”, afirmou. Mas, a experiência foi produtiva “Nós aprendemos, por exemplo, que o Plano Diretor é uma lei que deve ser cumprida. Mas, nem sempre isso é feito de forma correta. Existe um jogo de interesses, uma barganha política, principalmente entre poder econômico e poder político”, completou.
Silvia pontuou a sua concepção de participação da universidade em alguns tópicos: o primeiro diz que a universidade tem que ‘clarear’ o estilo do poder político local. Se ele é democrático, o processo terá uma característica muito diferente da que ele terá se o estilo for autoritário, conservador, clientelista. Outra questão é a construção da metodologia a fim de reconhecer as culturas locais. Não há como trabalhar como se a população fosse igual. Valores diferentes requerem necessidades diferentes. Outro tópico é auxiliar a população na construção da idéia do que significa participar e no entendimento do processo da transmissão de informações. E, por último, a criação de métodos e processos construídos sob medida para aquela comunidade. Criar recursos de comunicação e de discussão que falem direto à realidade daquelas pessoas.
Para finalizar, Silvia disse que é importante esclarecer a comunidade sobre o seu próprio papel para fortalecê-la.