Laços religiosos e compromisso com a cidade
Os laços entre religião e cidade antecedem o hábito humano de se viver em cidade. Isto porque a religião data dos tempos pré-históricos, quando os seres humanos ainda andavam em pequenos bandos, caçando ou coletando alimentos. Com o passar dos milênios esses laços foram se solidificando, enquanto os seres humanos, cultuando os seus deuses buscavam nas forças invisíveis algum tipo de conforto para as suas aflições.
Nos últimos oito milênios surgiram as primeiras cidades, geralmente às margens dos rios; construídas ao redor dos templos-santuários, onde residiam os sacerdotes; ao redor dos depósitos de alimentos, manipulados pelos mercadores; ao lado dos quartéis, onde viviam os policiais encarregados da manutenção da ordem social. Nesse contexto, a religião ganhou o status de “cimento social”, legitimando em nome dos deuses, a ordenação da vida na cidade.
Mas, essa visão foi questionada durante algum tempo, mais após a Segunda Guerra Mundial, quando um grupo de pessoas achava que a vida urbana, por ser dependente da ciência e da técnica, se distanciava cada vez mais do controle das instituições religiosas, processo que recebeu o nome de “secularização”. Para eles, as relações futuras entre os habitantes das cidades, bem como a gestão urbana, aconteceriam longe dos valores ditados pela religião.
Foi assim que, naquele clima de secularismo ou de laicismo, desenvolveu-se a imaginação de que na administração das cidades os valores simbólicos, herdados de religiões milenares estariam em processo de descarte. Logo, quanto menos religiosos fossem os administradores e políticos, mais a gestão da cidade estaria salva da “influência negativa” da religião.
É claro que uma certa religiosidade de tipo seita cooperou para a existência de preconceitos contra os laços religiosos. Pois, para muitos desses movimentos religiosos, as pessoas ao aderirem a uma religião deveriam abandonar a vida social considerada “mundana”. A cidade era vista por eles, como na metáfora da “Babilônia” bíblica, o lugar da destruição prevista pelas profecias de São João, cujo lema era: “saia do meio dela povo meu!”.
Por isso é fácil imaginarmos porque essa mensagem de negação da cidade fazia sentido para um grupo de cristãos perseguido nas cidades do Império Romano, há dois mil anos atrás. Pois, os primeiros cristãos se sentiam imigrantes, forasteiros, excluídos da vida urbana, no máximo tolerados, desde que não impedissem o funcionamento das cidades romanas.
No entanto, os cristãos evoluíram para a idéia de que a cidade é o lugar onde eles devem viver a sua religião e que cooperar com a sua administração é o mínimo que deles se pode esperar. Essa nova postura explica em parte a redescoberta da atividade política, principalmente, por parte de carismáticos e pentecostais, que até há pouco tempo fugiam dos compromissos com a “pátria terrena”, em nome de uma “pátria celestial”.
Felizmente hoje, cada vez mais os cristãos e fiéis de outras religiões, procuram construir laços religiosos que passam pela cidadania e compromisso com a vida urbana. A maior parte deles procura viver e contribuir para o progresso da cidade, embora não tenham deixado de existir na cidade grupos religiosos, que fazem de sua negação e da expectativa de sua destruição, o carro chefe de suas esperanças doentias
Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos