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Questão social, políticas públicas e a questão da gestão

           

A quem cabe a gestão das políticas públicas? Quem deve se responsabilizar por propor, implementar, gerir e avaliar ações que visam substanciar direitos que todos nós consideramos essenciais, como o acesso a educação, a saúde, a moradia, ao trabalho, à seguridade e mesmo princípios fundamentais como o direito a uma vida digna?

           

Esta pergunta não tem uma resposta simples. Não apenas depende de quais pressupostos cada um parte para respondê-la, como da dinâmica de luta de projetos diversos a respeito de como deve ser organizada a sociedade, que envolve questões políticas e compreensões culturais diversas.

           

Uma das respostas, aquela que corresponde aos defensores e apologistas da forma atual de ordenamento social em que vivemos - a sociedade capitalista -, é que as diferentes demandas sociais devem ser garantidas pelo mesmo mecanismo que oferece bens e serviços aos indivíduos, isto é, o mercado. Segundo esta visão liberal, na livre concorrência os capitalistas oferecem bens e serviços como mercadorias em busca do lucro, mas ao fazer isso oferecem empregos e distribuem salários que permitem aos trabalhadores o acesso ás mercadorias e, desta forma, tudo ocorreria da melhor forma, no melhor dos mundos, como diria um personagem de Voltaire.

           

O mito liberal se desfez na crise do capital e na emergência da fase monopolista, mas, sobretudo pela entrada em cena das classes trabalhadores que apresentam suas demandas na forma de uma “questão social” que exige respostas. Neste ponto o Estado entra como principal protagonista das políticas públicas como parte integrante de seu papel de gerir as condições gerais da reprodução que garantissem a acumulação capitalista. Este modelo assumiu várias formas que vão desde o pacto social-democrata do chamado Estado do bem-estar social, o New deal norte americano de inspiração keynesiana e até mesmo as ditaduras militares latino-americanas que desenvolviam as políticas públicas de forma a neutralizar o chamado inimigo interno na lógica da guerra fria.

           

O fato é que este modelo acabou gerando um esgotamento do Estado, uma vez que a esperada diminuição da questão social pelo desenvolvimento do mercado (o mito liberal ainda sobrevive aqui) não se verificou, pelo contrário, o desenvolvimento capitalista aprofundou as desigualdades e a concentração da riqueza. A grande crise dos anos 80 e a reestruturação produtiva empreendida pelo capital no período, colocaram a “questão social” em um novo patamar explosivo que exigia soluções.

           

Em um primeiro momento prevalece um retorno aos preceitos liberais de que o Estado deveria se retirar e deixar que o mercado tomasse conta da questão, daí o chamado “neoliberalismo”. Mas nada volta ao que era, na fase atual o capitalismo monopolista não pode viver sem o Estado, daí que tem se apresentado uma síntese, tão sedutora quanto perversa. O Estado deveria atender às demandas sociais por meio de “parcerias” com a “sociedade”, envolvendo-as na implementação, gestão e avaliação das políticas públicas.

           

Parece sedutor, pois mobilizaria a sociedade e desenvolveria políticas mais adequadas às necessidades reais e particulares, evitando o centralismo burocrático e a gestão autoritária das políticas. No entanto, analisando mais profundamente, este caminha leva a uma armadilha.

           

Primeiro que particulariza as ações e quebra seu caráter universalizante, ou seja, todos tem direito e devem ter acesso às ações. Segundo que sob o manto de dar autonomia aos sujeitos (o tal de empowerment) delega o fazer, mas raramente partilha a decisão e as ações acabam sendo determinadas pela disponibilidade orçamentária, ou seja, “direitos temos, mas é preciso ver se há recursos”!

           

Por fim, mais uma vez, caímos na armadilha: o chamado “terceiro setor” desenvolve ações com verbas do Estado e este depende da arrecadação de impostos que dependem do bom andamento da economia capitalista. A base do consenso é que deveríamos todos nos unir para fazer a economia crescer, para depois buscar a satisfação de nossas necessidades. Eis que voltamos ao mito liberal e temos que, mais uma vez, esperar o bolo crescer.

* Mauro Luis Iasi é professor de Sociologia da UMESP, membro da Cátedra Gestão de Cidades, doutor em Sociologia pela USP.

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