Projetos auxiliam no combate ao trabalho infantil
23/09/2009 13h57 - última modificação 23/09/2009 13h58
No ABC 1.173 crianças vítimas de exploração de trabalho são contempladas pelo Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) do governo federal. O projeto possui várias frentes de combate, que vão desde a concessão de bolsa auxilio, no valor de R$40 por cada criança ou adolescente da família que estiver nesta condição, até ações sócio-educativas com as famílias e fiscalização de locais empregadores.
Para a conselheira tutelar de São Bernardo, Vera Gallo, a globalização mundial tem agravado a questão do trabalho infantil. “Em um mundo neoliberal onde o Estado se desresponsabiliza cada vez mais da proteção social a seus cidadãos, os excluídos dos meios de produção vão se tornando cada vez mais vulneráveis e dependendo cada vez mais da venda da força de trabalho de cada um dos membros da família, sejam eles crianças, adolescentes, adultos ou idosos”.
Para Vera o desafio é garantir justiça social. “Uma vez melhorada a distribuição de renda em um país capitalista, as famílias poderão se organizar de forma a garantir que suas crianças cumpram seu papel social: estudar e brincar”.
O trabalho infantil é caracterizado como a exploração da mão de obra de pessoas abaixo da idade mínima legal permitida para o trabalho, conforme a legislação do país. No Brasil, desde 1998 a Constituição proíbe qualquer tipo de trabalho à criança e ao adolescente menor do que 16 anos, exceto na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos.
Os meninos e meninas que vivem em situação de rua são os que mais sofrem com as violações dos Direitos. “A maioria delas passa o dia e volta para as suas casas e outros, em número menor, efetivamente moram nas ruas. Essas crianças estão expostas às mais cruéis formas de trabalho infantil: tráfico de drogas, exploração sexual; ato infracional. Essa é uma realidade do ABC que temos que enfrentar com políticas integradas”, afirmou Ariel de Castro Alves, presidente da Fundação Criança de São Bernardo.
A Fundação Criança é uma instituição que visa a garantia dos direitos da infância e da juventude. Ela atende diariamente cerca de 3000 crianças e adolescentes em situação de risco ou vulnerabilidade social e suas famílias. “Entre esses atendimentos, no ano de 2009, fizemos mais de 100 abordagens de crianças e adolescentes em situação de rua em São Bernardo. Nesses casos elas foram encaminhadas à Casa de Acolhimento Inicial, em seguida algumas ficaram em abrigos da própria Fundação ou retomaram aos vínculos familiares e comunitários”, explicou Alves.
A instituição promove algumas iniciativas que têm o propósito de ajudar no combate ao trabalho infantil como ações para fortalecer a abordagem de crianças e adolescentes 24 horas, medição do grau de acesso dessas crianças à bens e serviços e desenvolvimento de propostas para inserção no mercado de trabalho.
A Fundação também participa constantemente de ações e discussões, inclusive no âmbito regional, como no Projeto ABC Integrado e no GT Criança Prioridade 1 do Consórcio Intermunicipal, sobre as diversas temáticas que envolvem a garantia de direito das crianças e adolescentes, entre elas o trabalho infantil e a situação de rua.
Outra organização que promove a cidadania de crianças e adolescentes em situação de exclusão é o PMMR (Projeto Meninos e Meninas de Rua). As atividades do Projeto baseiam-se e desenvolvem-se a partir de duas áreas fundamentais: o atendimento às crianças e adolescentes em situação de rua e a organização e intervenção nas políticas públicas para a infância e juventude.
Para a coordenadora do PMMR da sede de São Bernardo, Néia Bueno Marianno essa forma de organização tem proporcionado ao Projeto bastante êxito na busca de seus objetivos: “A médio e longo prazo, é possível que meninos e meninas assumam projetos de vida e de auto-suficiência que possibilitem a mudança de suas ‘condições de rua’ e os estimulem a lutar pela conquista de seus direitos de cidadãos”.
O PMMR também se organiza junto ao movimento sindical para a realização da Jornada Cidadã, evento realizado uma vez ao ano com o intuito de sensibilizar a sociedade em relação à temática da infância e da adolescência. “Participando da Jornada, as crianças e adolescentes têm oportunidade de obter informações, trocar experiências e perceber as possibilidades do cidadão em participar nas instituições e organizações governamentais, verificando o bom andamento das decisões tomadas em seu nome”, conta Néia.
Denúncias ajudam a enfrentar o problema
A participação da população pode contribuir para identificar o trabalho infantil na cidade. “O combate e a erradicação do trabalho infantil, pela sua complexidade, requer a mobilização de diferentes atores sociais, sejam eles governamentais e não-governamentais, que devem agregar esforços pelo reconhecimento da criança e do adolescente como cidadãos de direito”, afirmou Rosemary Ferreira de Souza Pereira, assistente social e consultora na área de infância, adolescência e políticas sociais.
Para a assistente social, o mais visível é o trabalho informal urbano classificado como uma das piores formas de trabalho infantil. “É comum o trabalho realizado nas ruas da cidade por crianças e adolescentes em atividades como flanelinhas, malabares, vendedores de balas, flores, coletores de lixo reciclável, limpadores de pára-brisa e cuidadores de carro”.
Os canais de denúncia para a população são os conselhos tutelares, o Ministério Público do Trabalho, além, das Delegacias Regionais do Trabalho. Esses órgãos após ouvirem a família aplicarão uma medida de proteção, que poderá inclusive ser a inclusão no Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil). Os responsáveis pela fiscalização e aplicação de medidas são as diretorias regionais do Ministério do Trabalho.
As punições para quem explora o trabalho de crianças e adolescentes estão previstas no Código Penal e podem variar de multas, fechamento provisório ou definitivo do local, ou até a condenação do empregador.
Outro instrumento importante no combate ao trabalho infantil é o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) que neste ano completou 19 anos. Para Dagmar Silva Pinto de Castro, psicóloga e coordenadora do curso de Gestão de Políticas Públicas Integradas para a Infância e Adolescência da Universidade Metodista, o marco legal instituiu novo parâmetro no trato infanto-juvenil. “Da situação irregular as crianças e adolescentes passaram a ser sujeitos de direito. Isso muda radicalmente a concepção do que é infância e adolescência, o que irá desdobrar-se na construção de uma nova cultura cidadã”, disse.
Há muito ainda por fazer, mas avanços significativos já foram obtidos. “O ECA dá visibilidade as situações de violação dos direitos das crianças e adolescentes. Assim, hoje há instrumentos legais que podem ser acionados na violação dos direitos das crianças e adolescentes”, ressaltou Dagmar.
Oris de Oliveira, professor de Direito do Trabalho da USP (Universidade de São Paulo) e da UNESP (Universidade Estadual Paulista), destaca que há ações que os municípios devem adotar para o combate do trabalho infantil. “É preciso reservar verbas do orçamento público para os programas de erradicação e utilizar os recursos criados pelo ECA para a criação de conselhos de direitos e conselhos tutelares. Outra iniciativa é o município se credenciar no programa “Prefeito Amigo da Criança” promovido pela Fundação ABRINQ pelos Direitos da Criança e do Adolescente”.
A assistente social Rosemary Pereira afirma que ações sócio-educativas também são importantes para garantir os direitos da criança e adolescente. “A ampliação do acesso à educação infantil, uma adequada jornada escolar, o apoio a iniciativas que reduzam as distâncias entre a escola e a residência e a implementação de serviços culturais com o objetivo de proteger, socializar e fortalecer os vínculos familiares e comunitários são algumas medidas que contribuem para a solução do problema”.
É importante destacar ainda que o trabalho precoce afeta a formação e o desenvolvimento físico e mental. “O lugar da criança é na família, na escola e na comunidade. Esse período da vida requer o aconchego da casa como lugar seguro para se habitar. São necessários espaços para que a criança se desenvolva em todos os aspectos. A situação da exploração do trabalho infantil tira da o direito de ser criança”, completa Dagmar.