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Jordânia - Petra e os nabateus

Mercedes Lopes e Dallmer Palmeira Rodrigues de Assis

1ª parte: Os nabateus

1 – História

1.1 – Busca de uma relação entre os nabateus e os edomitas

Sabemos que os Nabateus são semitas. Segundo o Prof. Milton Schwantes, “os Nabateus são edomitas reciclados”. Para entender esta afirmação bem humorada, é preciso lembrar que os edomitas eram nômades ou semi-nômades semitas, que se estabeleceram no sul do território do rio Zered, na margem sudeste do Mar Morto. Seu território erguia-se sobre uma longa elevação de mais de cinco mil pés de altura, onde a altitude lhe garantia a chuva necessária para praticar a agricultura ao longo da crista do planalto[1].

Gn 36,1. 8. 19 e 43 liga os edomitas com o caçador Esaú, afirmando:

“Assim Esaú estabeleceu-se na montanha de Seir. Esaú é Edom” (Gn 36,8).

Em Am 1,11, Edom é rejeitado porque perseguiu seu irmão de Israel:

“Assim falou Yahweh: pelos três crimes de Edom, pelos quatro não o revogarei! Porque perseguiu à espada o seu irmão...”

Talvez aqui se encontre uma referência a Gn 25,21-24, onde Esaú e Jacó lutavam dentro de Rebeca, antes mesmo de nascer. Em Ml 1,2-4 encontra-se também esta referência à luta entre Esaú e Jacó, sendo Jacó o amado de Yahweh e Esaú o rejeitado:

“Não era por acaso Esaú irmão de Jacó? – oráculo de Yahweh. Contudo, eu amei Jacó e odiei a Esaú. Eu fiz de suas montanhas um deserto, e de sua herança, pastagens da estepe. Se Edom disser: ‘Fomos destruídos, mas reconstruiremos as ruínas’, assim diz Yahweh dos exércitos: ‘Eles construirão e eu demolirei!’Chamá-los-ão: ‘Território da impiedade’ E o povo contra quem Yahweh está irado para sempre” (Ml 1,2-4).

Em Dt 2,12-22 e Gn 14,6 e 36,21s encontramos a afirmação de que os edomitas expulsaram aos horitas de seu território. Ora, este território, ocupado pelos edomitas, se estendia ao sul do Mar Morto pelos dois lados, desde ،ãrābā até o golfo de el-،aqaba.

Historicamente, houve choques entre os israelitas e os edomitas, já que o grande caminho comercial e as minas de metal importantes se encontravam em território edomita (cf. Nm 20,17; 21,22). Nos escritos reais assírios, os edomitas aparecem com o nome de udumu, no tempo de Adadnirani III (séc. VIII a.C.), porém nos escritos babilônicos não há menção dos edomitas. No entanto, os textos de Jr 27,3; 49,7-12 e Ez 32,29 dão a entender que os edomitas foram submetidos por Nabucodonosor.

1.2 – Desaparecem os Edomitas e surgem os Nabateus

Os edomitas desapareceram no pós-exílio. Depois do V ou IV século, sua região foi ocupada pelos comerciantes Nabateus: um grupo que vivia no deserto sem uma identidade muito definida. Na tradição bíblica, os Nabateus são identificados com os Nebayot, tribo árabe que segundo Gn 25,13; 28,9 e 36,3 descendia do filho primogênito de Ismael. Gn 36,3 traz ainda uma relação entre Esaú e Nebayot, quando informa que Esaú se casou com “Basemat, filha de Ismael e irmã de Nebayot” (Gn 36,3). Talvez aqui se encontre a mais antiga relação entre edomitas e Nabateus.

Outra referência bíblica aos nebayot encontra-se em Is 60,7, onde eles estão relacionados com Cedar. O texto de Is 60,7 mostra uma abertura em relação a estes povos no período pós-exílico: poderão subir ao altar e oferecer sacrifício agradável a Yahweh: “Todas as ovelhas de Cedar se reunirão em ti os carneiros de Nebaiot estarão ao teu serviço, subirão ao meu altar em sacrifico agradável e cubrirei de esplendor a minha casa” (Is 60,7).

Mas, a relação com o povo de Cedar não foi sempre amistosa. O autor do Sl 120 toma “Mosoc” e “Cedar” como sinônimos de “bárbaros”[2]: “Ai de mim, peregrino em Mosoc, acampado nas tendas de Cedar” (Sl 120,5).

1.3 – O reino nabateu

Os Nabateus aparecem pela primeira vez na história ao redor de Petra, onde foram combatidos pelo rei sírio Antígono, que em 312 a.C. sucedeu a Alexandro Magno. Ainda que suas origens não estejam ainda suficientemente esclarecidas, sabemos que os Nabateus eram nômades e condutores de caravanas, tornando-se o povo de comerciantes mais importante do norte da Arábia. Eles dominaram os caminhos de caravanas entre o Golfo Pérsico e o Mar Vermelho. Souberam tirar proveito da sua localização, cobrando impostos e oferecendo serviços de segurança e proteção contra os assaltantes. O curioso é que eles mesmos foram considerados uma tribo de salteadores que vivia do saque das caravanas que passavam pela região. Essa foi a opinião de Deodoro Sículo, que em 50 a.C. escreveu sobre os Nabateus pela primeira vez, em suas crônicas sobre o fim do império persa.

A compra de especiarias por parte do império romano, além de objetos de luxo como as sedas e os perfumes, levou a uma intensificação das rotas comerciais para a China e a Índia. A rota destas caravanas passava por Petra. Isto aumentou as rendas do reino nabateu, que tinha direito de cobrar impostos sobre todas as mercadorias que passavam pelo seu território. Talvez, com a finalidade de controlar estas rotas e de tirar ainda mais proveito de sua privilegiada localização, os Nabateus fundaram uma série de cidades-pousada no Negueb e ao norte do Sinai[3].

1.4 – Os Nabateus na historiografia Bíblica

Na história bíblica, os Nabateus desempenham um importante papel, desde 170 a.C. Judas Macabeu e Jônatas foram amigos dos Nabateus, no tempo do rei Aretas I (1 Mc 5,25; 1Mc 9,35). O sumo sacerdote Jasão buscou asilo junto a eles depois do massacre que havia realizado em Jerusalém. Segundo a tradição bíblica, Jasão teria sido denunciado e, por isso, foi rejeitado pelos Nabateus, tendo que vagar de povoado em povoado (2 Mc 5,8).

O ponto culminante do reino nabateu foi durante o reinado de Aretas III Fileleno, que reinou de 84-56 a.C., e que conquistou Damasco. Foi sob o domínio de Aretas IV (que reinou de 9 a.C até 40 d.C.) que Paulo teve que fugir de Damasco por cima do muro, através de cordas (2 Cor 11,32).

1.5 – O declínio do reino nabateu

Em 106 d.C., Trajano conquistou Petra e seu território, transformando o reino dos Nabateus na província romana da Arábia, tendo a cidade de Bosra como capital. Os Nabateus perderam seu poderio comercial devido à mudança das rotas comerciais, que passaram a atravessar o Mar Vermelho e chegar até o Egito, por volta do ano 25 a.C. A Cidade de Petra foi declinando gradualmente e o povo nabateu foi sendo absorvido pela população da redondeza, embora sua forma escrita tenha continuado em uso até o século IV d.C.

2ª parte – Cultura e religião

2.1 – Língua

A língua dos Nabateus era um dialeto aramaico, com forte influência árabe, conhecido através de numerosas inscrições. Moedas e inscrições aparecem escritas em aramaico, numa forma curiosamente elevada de escrita quadrada[4].

2.2 - Religião

Adoravam ao Deus Dušara e sua esposa Uzza, talvez identificados com a água, símbolo da fertilidade para os Nabateus. Os Nabateus geralmente simbolizavam a divindade através da pedra ereta, com olhos em seus vértices. Esta representação pode indicar que a religião de Dušara pertença ao mesmo ambiente religioso do qual surgiu a imagem de Yahweh como rocha, muitos textos bíblicos trazem a rocha como um dos símbolos que o javismo usava para representar a divindade.

“Ele é a Rocha e sua obra é perfeita, pois toda a sua conduta é o Direito” (Dt 32,4).[5]

2.3 – Culto aos mortos?

As inúmeras e grandiosas tumbas que se encontram nas escavações de Petra são lugares para o descanso de mortos, para o uso de familiares e também de visitantes. Elas indicam que houve cerimoniais para os mortos com comidas e outros rituais, entre os Nabateus. No entanto, como a história de Petra não começa com os Nabateus, não sabemos se este dado pode ser considerado como um fundamento para caracterizar mais um aspecto da religião do povo nabateu.

3ª parte: O Tell de Petra

3.1 – Identificação e Localização

Em 1812, o pesquisador suíço Johann Ludwig Burckhardt chegou a Petra pela primeira vez e imediatamente a reconheceu como a legendária capital dos Nabateus[6].

Petra está localizado ao sul do rio Zered, à margem sudeste do Mar Morto. A cidade foi construída em meio a enormes montanhas, que se erguem a mais de cinco mil pés de altura. Nesta altitude, além de obter a chuva necessária para praticar a agricultura ao longo da crista do planalto[7], os Nabateus ficavam protegidos naturalmente dos seus inimigos. Iniciadas no século 19, as explorações arqueológicas que até agora escavaram apenas 2% da área central.

3.2 – História da cidade

Por volta de 1200 a.C., a região onde se encontra a cidade de Petra foi ocupada pelos edomitas e chamada de Edom. Os Edomitas controlavam as rotas comerciais do sul da Arábia até o norte de Damasco. Embora pouco se saiba sobre os Edomitas, as marcas da avançada cultura que possuíam ficaram em tecidos, escrita, cerâmica e metais. A partir do século 7º quem deixou marcas históricas na cidade de Petra foram os Nabateus. Parece que eles se assentaram pacifica e vagarosamente com os Edomitas que, naquela época, estavam em processo de migração para o sul da Palestina. No final do século 4º os Nabateus já estavam definitivamente estabelecidos em Petra.

Petra era uma cidade famosa por algumas razões principais:

  1. O comércio de especiarias (incenso, pimenta, etc.) e de objetos de luxo, como as sedas e os perfumes, através de intensas rotas comerciais para a China e a Índia e eram Egito, Grécia, Roma e Síria.
  2. A engenharia hidráulica, com seus sistemas de conservação de águas e de diques para conter as enchentes e a velocidade das águas acumuladas na época da chuva.
  3. Petra era também um lugar importante para hospedagem de caravanas pela abundância de água, a segurança oferecida, a variedade de suprimentos e de objetos de todos os lugares que podiam ser comprados ali.

Tudo isso, e mais as várias taxas cobradas pela passagem das caravanas e para a sua proteção, levaram a cidade de Petra ao enriquecimento. Com a mudança das rotas comerciais e um devastador terremoto ocorrido em 551 d.C., Petra foi levada literalmente à ruína, depois de haver sido rival de Roma em esplendor e poder.

3.3 – Religião e arte ficaram marcadas na rocha

A rocha relativamente macia das montanhas que formam o Tell de Petra foi o material que facilitou o desenvolvimento da arte de esculpir dos Nabateus. Parece que seu lema era: construir escavando. Com este material, os Nabateus desenvolveram uma nova técnica construtora, trabalhando diretamente na rocha, isto é, na matéria de que dispunham, sem tirá-la do seu lugar de origem. Para avaliar a capacidade construtora dos Nabateus, observamos que depois de iniciada uma obra não havia mais possibilidade de alguma mudança. Portanto, todas as medidas, detalhes e cortes deveriam ser precisamente elaborados antes do início da construção. Além disso, há uma linguagem simbólica e religiosa gravada nestas esculturas, já que todos os monumentos e construções da cidade estão carregados de simbolismo.

No entanto, a entrada estreita foi escavada naturalmente pelo Wadi Mousa e também por um movimento tectônico, segundo Stefânia Belloni[8]. Nesta entrada foi colocado o “Arco do Triunfo”, levantado em honra do imperador Adriano (117-138) em sua visita à Província Árabe.

3.4 – Alguns exemplos desta surpreendente arte

Foto nº 1

Djin Bloks (Blocos dos Espíritos)

Neste local encontram-se muitos blocos de pedras talhadas nas rochas. Elas encontram-se próximas a um riacho e podem ser relacionadas ao dom divino da fertilidade. Segundo a tradição nabatéia, estes blocos de pedra abrigavam os espíritos que guardavam a cidade[9].

Foto nº 2 Al Khazneh Farum (O tesouro do Faraó)

Escavado completamente na rocha, este monumento pode pertencer à época do rei Areta (84-85 a.C.). O fato de estar em um lugar bastante protegido das inclemências do tempo mantém este monumento bastante conservado. Seu nome provém de uma lenda sobre um tesouro que estaria escondido neste local.

Foto nº 3 Attouff Ridge (lugares altos) Neste local há obeliscos que simbolizam dois importantes Deuses Nabateus: Dushara (senhor da vida, assimilado como o próprio sol) e All’Uzza (a poderosa). Um pouco ao norte encontra-se uma fortaleza que era oferecida aos que se aproximavam do local. No centro está situado o lugar dos sacrifícos, um dos locais mais conservados neste sítio. Na parte frontal do altar está uma pequena plataforma, levantada alguns centímetros do solo. Este seria, segundo uma lenda local, o Altar de Abraão. Esta era a pedra que deveria acolher o sacrifício de Isaac (Ex 24). Parece ser este um espaço preparado para receber grandes multidões.

Bibliografia

AUSEJO, R.P. Serafin de, Diccionario de la Biblia, Barcelona: Herder, 1964, p.1316-1317

BELLONI, Stefania, Petra – La ciudad rosa del desierto, Itália / Termi: Plurigraft, 1996, 95p

BROWNING, Iain, Petra, Londres: Chatto & Windus, 1994, 256p. (3ª edição)

DOUGLAS, J. D., O Novo Dicionário da Bíblia, São Paulo: Edições Vida Nova, 1995

GOTWALD, Norman, As Tribos de Yahweh, São Paulo: Paulinas, 1986,

GOTWALD, Norman K., Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica, São Paulo: Paulinas, 1988, 639p.

MONLOUBOU, L., BUIT, F. M. Du, Dicionário Bíblico Universal, Petrópolis: Vozes, 2003

TERRIER, Dominique, Arte e História – PETRA, Itália: Bonechi, 1989, 95p.

Mercedes Lopes
Dallmer Palmeira Rodrigues de Assis

Notas

[1] Norman K. Gottwald, Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica, São Paulo: Paulinas, 1988, p.58-59

[2] Bíblia de Jerusalém, São Paulo: Paulus, 2000, p.1091(9ª impressão).

[3] L. Monloubou, F. M. Du Buit, Dicionário Bíblico Universal, Petrópolis: Vozes, 2003, p.548

[4] J. D. Douglas, O Novo Dicionário da Bíblia, São Paulo: Edições Vida Nova, 1995 p.1085

[5] Veja também Dt 32,4. 15. 18. 30-31; 2 Sm 22,2. 32. 47; Sl 18,2.31; Is 17,10 e muitos outros textos.

[6] Stefania Belloni, Petra – La ciudad rosa Del Desierto, Itália / Termi: Plurigraft, 1996, p.4

[7] Norman K. Gottwald, Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica, São Paulo: Paulinas, 1988, p.58-59

[8] Stefania Belloni, Petra – La ciudad rosa Del Desierto, p.12.

[9] Stefania Belloni, Petra – La ciudad rosa Del Desierto, p.16.

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