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Israel - Hazor

Marcos Paulo Bailão

1 - Identificação

Hazor foi identificada por Josias Leslie Porter em 1850 com o Tel el-Qedah - Tell Waqqas, um tel muito grande no Vale do Jordão . A mesma identificação foi também proposta em 1926 por J. Garstang. Foi reconfirmada posteriormente pela descoberta de uma tabuinha escrita em cuneiforme da Babilônia antiga (acádico), referindo-se ao um litígio envolvendo o estado real de Hazor (Uru Ha-su-ra). Esta tabuinha foi achada acidentalmente por um turista em Hazor em 1962 e publicada em 1974 .

2 - Escavações

Sondagens teste foram dirigidas por J.Garstang em 1928. Em 1955-58 e posteriormente em 1968 a Universidade de Jerusalém empreendeu as escavações que foram conduzidas por Y.Yadin.

3 - Localização

Hazor está situada no Vale do Jordão, 14 km ao norte do Mar da Galiléia e 8 km a oeste do Lago Huleh.

A importância histórica de Hazor está ligada à sua posição geográfica, ou seja, estar situada junto a duas grandes rotas comerciais. Uma é a estrada tronco entre Egito e Mesopotâmia, e a outra é a estrada que sai do porto de Aco passa pela Síria e vai até a região do Tigre e Eufrates. Por estas estradas passavam as caravanas de asnos que faziam a ligação comercial entre Egito, Creta e Mesopotâmia.

Por isso a riqueza e o poder de Hazor sempre estiveram ligados à atividade comercial. A cidade floresceu em tempos em que esta atividade estava em crescimento, e entrou em decadência nos tempos de recessão.

4 - Topografia

O sítio compreende duas áreas distintas: o tell alto (cerca de 10 hectares) que fica sobre um vasto plateau, cuja escavação provou ser a baixa cidade de Hazor (cerca de 80 hectares). O tell alto foi ocupado desde o 27° século a.C., com intervalos, até o 3° ou 2° século a.C. O plateau baixo, entretanto, foi ocupado extensivamente somente no Bronze Médio e Bronze Recente, período no qual a cidade alcançou grande prosperidade. O tell alto tem defesas naturais. Para a cidade baixa foi construído um grande e profundo fosso no lado oeste.

5 - História

A primeira referência histórica aparece nos textos de execração do século XIX a.C. A cidade é mencionada também e muitas vezes em textos de Mari do final do reinado de Zimri-lim (cerca de 1765-1760 a.C.) que a tratam com especial proeminência.

Hazor é citada em textos de Mari , é mencionada em textos egípcios de execração , e em textos que listam as cidades da Palestina . Em algumas cartas de Amarna, o rei de Hazor é acusado pelo rei cananita Ayyb de Astarot de desvio com os hapiru . Segundo estes documentos o rei de Hazor teria aproveitado uma oportunidade favorável para capturar três outras cidades cananitas e colocá-las sob seus domínios. Entretanto o rei de Hazor, Abdi-Tirshi, em resposta proclama sua fidelidade ao Egito.

Estes documentos evidenciam o crescimento do poder de Hazor sobre a região e, ao menos, seu domínio que permanecerá até o começo do período israelita.

A primeira menção de Hazor que aparece na Bíblia está relacionada com as batalhas de Josué (Josue 11,1-14). Ela é mencionada como “cabeça de todos estes reinos” (cidades no norte de Canaã). Josué incendiou a cidade e matou todos os seres vivos que lá viviam (‘et-kol-hanepex), segundo o texto bíblico. As pesquisas arqueológicas encontraram evidências de destruição entre 1300 e 1200 A.C., embora seja discutida uma datação mais precisa. Dentre os restos da cidade antes da destruição encontrou-se cerâmica micênica. Não há nenhuma evidência de quem a tenha destruído entre 1300 e 1200 a.C.

Depois desta destruição a Cidade Baixa nunca mais voltou a ser habitada. Após um intervalo de tempo que não pode ser precisado, a Cidade Alta voltou a ser ocupada por semi-nômades ou passantes que deixaram apenas algumas fundações toscas para tendas, instalações para cozinha e buracos para armazenagem de produtos.

Entre a época tribal judaíta-israelita e a monarquia há uma interrupção na vida em Hazor. Por algum motivo ainda não bem determinado a sociedade urbana desaparece, sobrevivendo apenas os grupos dispersos pelos campos.

Hazor também é mencionada de passagem na versão em prosa do episódio de Débora (Jz 4,17). Mas este texto pertence à História Deuteronomística, cuja elaboração não pode ser anterior à 622 a.C.

Em 1Rs 9,15-19 é relatado que Hazor, juntamente com Megido, Gazer, Bet-Horon Inferior, Baalat, Tamar, o Milo, o muro de Jerusalém, o Templo e o Palácio foram construídos (ou reconstruídos) pela corvéia a mando de Salomão.

Hazor e outras cidades, como Gazer e Megido, foram reconstruídas para serem um armazém com carros e cavalos. A ordem em que estas cidades aparecem em 1Re 9,15 e 17 segue uma linha junto às principais rotas no sentido norte-sul. A escolha por estas três cidades não é aleatória, mas pensada, já que elas ocupavam pontos que historicamente eram estratégicos nas estradas e agora recuperavam sua importância com a revitalização das rotas comerciais em direção à Mesopotâmia. A sua reconstrução era parte do plano comercial de Salomão junto tanto ao Egito quanto aos pequenos estados do norte da Palestina e da Mesopotâmia.

Em termos de tamanho, a Hazor “salomônica” ocupava apenas a metade oeste da antiga Cidade Alta. É possível ver diferentes camadas de pedras, em que a inferior é composta de pedras maiores e cortadas em blocos retangulares. A cidade do Período do Ferro foi construída utilizando como base parte - ou pelo menos parte do muro - da cidade do Período do Bronze.

Foram achados muitos potes para a época do reino dividido, o que sugere que a cidade continuou sendo usada como armazém.

Finalmente, em 732, Hazor foi conquistada com outras cidades da Galiléia por Tiglath-Pileser III, segundo 2Rs 15,29.

Hazor se insere geográfica e historicamente como um importante ponto em três das principais rotas comerciais que passavam pela Palestina: a rota que seguia o divisor de águas na cordilheira central, na Via Maris e na rota que iniciava nos portos de Haifa e Acre e ia para a Mesopotâmia. Ela floreceu junto a essas rotas, prosperou enquanto elas eram economicamente relevantes; foi destruída e assim permaneceu enquanto tais estradas permaneceram abandonadas e foi reconstruída com a volta do trânsito comercial. Desse modo a reconstrução de Hazor é uma marca significativa da política de comércio exterior levada adiante por Salomão e outros reis de Israel.

6 - Arqueologia

Hazor é um dos tellim bem trabalhados pela arqueologia. Muitos achados já foram classificados e publicados. A parte alta é muito melhor estudada que a baixa, embora esta também tenha sido pesquisada. Podemos classificar os achados da seguinte forma: muros, portas, suprimento de água, templos, escritos e porcelana. Passemos a verificar o que se encontrou em cada uma destas categorias.

6.1 - Muros

Houve um muro cercando todo o tell alto no Período Bronze Médio. Era um muro de pedras com torres e cercado por um fosso profundo e estreito. A parte baixa era cercada por muros de arrimo e uma ladeira suave. A terra retirada do fosso foi usada para a construção de uma trincheira nos lados norte e oeste.

Os muros do Bronze Médio continuaram a ser usados no Bronze Recente, com a diferença de que o muro da parte baixa foi acrescido de um portão do tipo casamata, bem conhecido na Palestina.

Na reconstrução da cidade por Salomão a casamata no muro foi uma vez mais empregada. O muro com casamata era uma marca do sistema defensivo de Salomão, e é tipicamente achado em associação com o “portão de Salomão” . A este muro foi acrescentado um segundo, ligado ao primeiro por paredes cruzadas.

Nos tempos de Acab, as casamatas eram enfileiradas a fim de fortalecê-las e foram incorporadas em um novo conjunto de muros.

6.2 - Portas

Há uma série de portas no lado nordeste da cidade baixa datando do Bronze Médio e Bronze Recente. O “portão de Salomão”, inserido no muro com casamatas na cidade alta, consiste em duas torres quadradas e três pares de contrafortes que estreitam a passagem e formam seis câmaras que provavelmente serviam como casa da guarda. O portão de Hazor é praticamente idêntico ao que é encontrado em Gezer e Megido.

6.3 - Suprimento de água

Um enorme canal subterrâneo, com duas vezes o tamanho do canal de Megido, foi descoberto e escavado em Hazor, em 1968. Construído provavelmente no reinado de Acab, tinha a finalidade de assegurar o abundante suprimento de água para a cidade. Porém, surpreendentemente diferente da construção de Megido, não se levou o canal para alguma fonte fora dos muros da cidade, mas alcançou-se o baixo nível do lençol de água dentro dos muros de Hazor, o que garantia maior segurança.

6.4 - Templos

Muitos templos foram descobertos em Hazor, todos eles datando da época pré-israelita.

Na Cidade Alta foi encontrado um único templo que consiste de uma sala retangular aparentemente construído em associação com um complexo de construções provavelmente ocupado pelo rei. Este templo pertence ao período Bronze Médio II B e é quase certo ter sido o templo real.

No Bronze Médio, entre 2.000 e 1550 a.C., aparecem em Hazor, e também em muitos outros lugares de Canaã e da Síria como Siquém, Megido, Ebla e Alalakh, os templos chamados de migdol “fortaleza”. São assim chamados porque seus muros eram extremamente grossos e altos, o que leva à suposição de serem construídos em dois andares. Esta suposição é reforçada pela presença de escadas do lado externo do templo. Estes templos eram retangulares com uma entrada em um dos lados mais estreitos. Esta porta era ladeada por duas torres, uma de cada lado. Internamente o templo era dividido em uma ante-sala e uma câmara principal. Tinha colunas que sustentavam o teto.

Na Cidade Baixa foram achados seis templos do Bronze Recente, numa área apenas parcialmente escavada e é possível que haja outros. As plantas desses templos têm poucas características comuns e não há nenhuma evidência decisiva que algum tipo de planta particular esteja ligada a algum tipo de divindade. Os templos têm duas partes: o pátio onde a comunidade era participante do culto; e o templo mesmo, a casa da divindade, sempre relativamente pequena, no qual apenas os sacerdotes entravam para rituais específicos. Símbolos divinos (como uma estela ou uma estátua) eram encontrados no interior do templo.

Desses seis, dois templos são particularmente interessantes. O Templo da Estela é importante por causa de sua mobília diferente. Uma fileira de dez estelas de basalto em pé e uma deitada descobertas perto do muro dos fundos do templo. A estela central tem o desenho em relevo de duas mãos estendidas em direção a um círculo com um disco em volta. Detalhe: são duas mãos esquerdas. Lá também foi descoberta uma estatueta que traz em seu tórax um pendente com uma lua crescente invertida. Ali perto achou-se também um outro objeto de culto, chapeado de prata, decorado com a lua crescente, serpentes e a figura da divindade. Com estas evidências deduz-se que o templo era dedicado à uma divindade lunar. A oeste deste templo há um complexo de fábricas de cerâmica, lojas e casas. Entre os achados uma máscara de cerâmica branca de 14 cm com buracos para os olhos, boca e nas beiradas para atar à cabeça.

Outro templo também achado na Cidade Baixa (no seu extremo norte) é chamado de ”Templo dos Ortostatos”. É uma continuação do templo migdol. A sua versão final foi destruída no século XIII A.C. É assim chamado por causa do expressivo número de pedras basálticas grandes e chatas (ortostatos) bem ajustadas usado em sua construção. Esse tipo de construção era bem conhecida dos hititas na Turquia. Relevos de leões guardavam cada lado da entrada. Seu caráter excepcional está no fato de sua divisão em três salas, tornando-se o mais antigo protótipo do templo de Salomão em Jerusalém. No “santo dos santos” foram encontrados diversos objetos sacrificiais, a maioria de pedra. Era dedicado ao deus-sol Hadad.

6.5 - Escritos

O mais antigo texto escrito em acádico foi encontrado em Hazor por um turista. Era a notícia de uma decisão legal. Hazor tem provido alguns exemplos de escritos acádicos, especialmente de correspondências trocadas com o Egito.

6.6 - Porcelana

Em Hazor, como também em Megido e Beth Shan, foram encontrados uma quantidade muito grande de cerâmica síria. Peças oriundas de Creta também foram encontradas. A presença de tais objetos confirma a vocação comercial de Hazor.

7 - Para quem visita Hazor hoje

Quem visita o local atualmente pode facilmente perceber tanto o tell baixo quanto o tell alto que se destacam na paisagem da região. As visitas ao atual Parque Nacional de Tel Hazor incluem somente a parte alta, sendo proibida a visita à parte baixa. Uma rodovia atravessa o tell baixo na sua parte sudeste. No tell alto destacam-se hoje o portão de Salomão com o muro de casamatas, o sistema de abastecimento de água, um palácio canaanita (14° ou 13° século), um templo canaanita sob o portão de Salomão (15° ou 14° século) e restos da cidadela israelita construída no 9° século por Acabe.

Os mais importantes achados que podiam ser transportados, como as estelas e estatuetas, foram levados para o Museu de Jerusalém. Os leões de pedra encontram-se à porta do Museu do Kibutz Hazor. Em Tell Hazor só ficou o que não podia ser transportado sem ser destruído.

Bibliografia

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Marcos Paulo Bailão
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