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Protestantismo no Brasil colônia: Repercussões da Reforma Protestante do século XVI e suas ressignificações pelas culturas locais

Lauri Emilio Wirth

Este projeto se insere nos estudos da Reforma Protestante instigados pelo jubileu de 2017. Desde 2012, participo de um grupo de pesquisa internacional. Sediado na Alemanha, que congrega 40 pesquisadores e pesquisadoras dos cinco continentes. O projeto, Radicalizando a Reforma, se propõe uma leitura crítica dos 500 anos da Reforma Protestante. Como resultado desta iniciativa foram publicados até o momento seis volumes, em alemão e inglês. Mais dois volumes estão em preparação, sendo um em espanhol e outro em português.

Participei das atividades do projeto Radicalizando a Reforma em duas conferências internacionais, uma realizada em Nürnberg, Alemanha, em 2012, e outra em Halle, também na Alemanha, em 2014. A próxima conferência que dará continuidade ao projeto está marcada para os dias 07 a 10 de janeiro, de 2017, na universidade de Wittenberg, onde foi desencadeado a Reforma Protestante, em 1517. Quatro integrantes do meu grupo de pesquisa Religião e Vida Cotidiana, sendo três alunos do Programa e um egresso, também participarão deste evento.

A investigação aqui proposta dá continuidade às pesquisas que desenvolvi no âmbito do projeto acima descrito. Ali perguntei pelas repercussões e recepção do ideário protestante na América Latina colonial. Ao contrário das pesquisas que situam o protestantismo na América Latina como um fenômeno só verificável a partir do século XIX, procurei demonstrar que a Reforma Protestante do século XVI, e seus desdobramentos posteriores, influenciou decisivamente os rumos do cristianismo que se instalou na América Latina, desde os primeiros intentos de cristianização do continente no período colonial. Por um lado, o assim chamado novo mundo se mostrava aos missionários católico-romanos como um espaço privilegiado para fundar um cristianismo moralmente superior à cristandade europeia em franco processo de esfacelamento; por outro, imaginava-se renovar a própria cristandade europeia a partir deste cristianismo colonial não “contaminado” pelas teses fundamentais da Reforma Protestante. Esta conjuntara transformou principalmente as teses centrais da teologia luterana numa ameaça que requeria permanente vigilância por parte dos estrategistas da colonização e cristianização do continente. Neste sentido, tentei demonstrar que o cristianismo de perfil católico-romano que aqui foi implantado é, em boa medida, uma reação à Reforma Protestante do século XVI e seus desdobramentos posteriores.

A partir deste pressuposto, procurei identificar possíveis convergências e afinidades entre este catolicismo, principalmente aquele mais identificado com a catequização das culturas locais e menos preocupado com os dogmas normativos de instituição, e o protestantismo. O ponto de partida subjacente a este exercício hermenêutico foram as consequências da cristianização que se impôs na América Latina no contexto da expansão colonial europeia. Perguntei como a existência das vítimas da conquista impactou os discursos religiosos formulados a partir da América Latina e como estes discursos se relacionam com a Reforma Protestante. Além disso, tentei descobrir indícios de assimilação do cristianismo pelas vítimas do processo colonizador, respectivamente sua adaptação e reelaboração a partir das dinâmicas locais de resistência e luta pela sobrevivência das culturas locais. Os resultados desta pesquisa estão publicados em um capítulo do primeiro volume da obra acima citada , além de outros textos publicados no Brasil.

O presente projeto dá continuidade a este eixo de investigação, agora com um foco restrito ao contexto Brasileiro. A suspeita é a de que há um deslocamento significativo em relação à recepção e repercussão do ideário protestante no Brasil colônia. A ocupação da América espanhola, a partir de 1492, já estava em processo de consolidação em 1517, quando irrompeu a Reforma Protestante na Europa. Em 1510 já se registram controvérsias significativas entre colonizadores e missionários neste contexto, motivados fundamentalmente pela prática da escravidão das populações locais pelos colonizadores. Ou seja, o contexto da ocupação espanhola da América já se encontra em uma conjuntura complexa, com a ocupação violenta em pleno desenvolvimento, com as primeiras vozes críticas a esta forma de ocupação e com a eclosão da Reforma recebida como uma ameaça ao corpus cristianum que se pretendia estender ao assim chama do novo mundo.

Os inícios da cristianização do Brasil se dão numa conjuntura razoavelmente diferente em relação ao contexto espanhol. Embora a chegada dos portugueses seja datada no ano de 1500, a efetiva ocupação do Brasil colônia só se dará a partir de 1549, com o envio do primeiro governador geral, que se fez acompanhar dos primeiros missionários jesuítas, responsáveis por implantarem aqui o mais duradouro projeto de cristianização de todo o período colonial. Ou seja, quando os portugueses de fato tomaram posse do território brasileiro, a Reforma protestante na Europa já era um fato consumado, com implicações importantes, inclusive, nas relações diplomáticas entre os países europeus. Isto sugere que os estrategistas da cristianização no Brasil colonial tinham a divisão da cristandade, em consequência da Reforma Protestante, como um pressuposto irreversível. Esta suspeita, no caso da colônia brasileira, é ainda reforçada quando se considera que, a partir do início do século XVIII, a economia de Portugal passa a depender decisivamente da Inglaterra (tratados de Methuen, 1703), com repercussões, inclusive, nos primeiros enunciados legais relativos à tolerância religiosa no Brasil do século XIX.

Com a delimitação acima proposta, o projeto se propõe investigar as repercussões da Reforma Protestante em dois períodos decisivos, que marcam época na história religiosa do Brasil colônia:
a) Repercussões da Reforma Protestante nos inícios da cristianização do Brasil. Aqui a investigação estará focada na tentativa da ocupação francesa da Bahia da Guanabara. Duas obras são fundamentais neste contexto: De gestis Mendi Saa, do jesuíta José de Anchieta (1563), que narra a recuperação do território aos franceses e seus aliados pelas tropas portuguesas; e Viagem à terra do Brasil, escrito por Jean de Léry, testemunha ocular da ocupação francesa.
b) O segundo foco de investigação envolve a ocupação holandesa do nordeste brasileiro. Este episódio ocorre em uma conjuntura de profundas mudanças na Europa, assolada pela Guerra dos Trinta Anos, cujo tratado de paz, em 1648, consolidava a divisão da Europa em uma comunidade de estados autônomos, com considerável perda de poder político do papado. A política portuguesa, neste período, encontrava-se em profunda crise em consequência da União Ibérica (1580-1640), um dos motivadores da ocupação holandesa do nordeste Brasileiro. Além da consolidação da Reforma Protestante na Europa, este período marca um importante deslocamento nas estratégias coloniais portuguesas, qual seja, a instalação de certa tensão entre os rumos da ocupação econômica do território brasileiro, por um lado, e as estratégias de cristianização, por outro, o que irá constituir um dos fatores que redundaram na expulsão da ordem dos jesuítas do Brasil.

Fonte para averiguar as repercussões do ideário protestante no mundo católico deste período, são os textos do padre Antônio Vieira, principalmente seus sermões contra as armas de Holanda e seu relatório a respeito da missão Ibiapaba, destinada a recuperar os indígenas que haviam aderido ao calvinismo holandês para o catolicismo.

Este eixo irá contemplar ainda dois outros temas relevantes neste contexto. Um deles é a influência das estratégias de cristianização dos jesuítas no projeto missionário protestante holandês. Ou seja, há bons indícios que nos levam a suspeitar que os holandeses se valeram da experiência dos jesuítas para implantar o projeto missionário reformado junto aos povos indígenas do nordeste.

O outro tema relevante se refere à assimilação do protestantismo pelas culturas locais. A principal fonte para esta investigação são as Cartas Tupi. Trata-se de uma série de cartas trocadas entre os líderes indígenas Pedro Poti e Antonio Paraupeba, por um lado, com o também índio potiguara Antonio Filipe Camarão, por outro. Poti era calvinista e, após viver por cinco anos na Holanda, retornou ao Brasil para, juntamente com Antonio Paraupeba, tornar-se um importante líder da ocupação holandesa. O capitão Antonio Filipe Camarão era católico romano e primo de Poti, e lutava ao lado dos portugueses.

1 WIRTH. Lauri Emilio. Martin Luther, Bartolomeo de Las Casas and the Faith of the Other. In: DUCHROW, Ulrich; JOCHUM-BORTFELD, Carsten (Eds.). Liberation toward Justice. Münster: LIT Verlag, 2015, p. 214-238.

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