Ferramentas Pessoais

Você está aqui: Página Inicial / Pós-Graduação em Ciências da Religião / Projetos / Ecos da Reforma: recepções e reelaborações do ideário protestante no imaginário colonial na América Latina

Ecos da Reforma: recepções e reelaborações do ideário protestante no imaginário colonial na América Latina

Professor coordenador: Dr. Lauri Emilio Wirth

1.Resumo do projeto:
A Reforma Protestante do século XVI é considerada por muitos historiadores e cientistas da religião um processo histórico de longo alcance que marca decisivamente o que se convencionou chamar de mundo moderno. Com a ideia do longo alcance se pretende indicar que a Reforma está na origem deste processo que posteriormente convencionou-se chamar de modernidade, sendo uma de suas causas, mas sofrendo também suas consequências. Em 2017, o ocidente celebra os 500 anos deste importante acontecimento.

Jubileus desta natureza costumam instigar a memória e aguçar a curiosidade, principalmente quando se trata de eventos de grande impacto, como é o caso. A proposta que segue, pretende contribuir com o debate sobre a Reforma Protestante a partir de um olhar latino-americano.

Na América Latina, o protestantismo só logrou presença regular a partir das primeiras décadas do século XIX. Contudo, a Reforma Protestante do século XVI e seus desdobramentos posteriores influenciaram decisivamente os rumos do cristianismo que aqui se instalou, desde os primeiros intentos de cristianização do continente no período colonial em, pelo menos, dois horizontes de sentido, que pautaram os imaginários, não só religiosos, das colônias ibéricas do continente. Por um lado, o assim chamado novo mundo se mostrava aos missionários como um espaço privilegiado para fundar um cristianismo moralmente superior à cristandade europeia em franco processo de esfacelamento; por outro, imaginava-se renovar a própria cristandade europeia a partir deste cristianismo colonial não “contaminado” pelas teses fundamentais da Reforma Protestante. Esta conjuntara transformou principalmente as teses centrais da teologia luterana numa ameaça, que requeria permanente vigilância por parte dos estrategistas da cristianização do continente.

Assim, o estado atual das pesquisas indica claramente que a Reforma Protestante é constantemente evocada na América Latina colonial como a grande ameaça para os rumos da igreja em geral e, principalmente, para o tipo de sociedade que se imaginava implantar nas colônias ibéricas. Parece haver, portanto, indícios suficientes que nos permitem formular a seguinte pergunta: Em que medida o catolicismo romano no período colonial latino-americano se gesta como reação à Reforma Protestante, pelo menos no campo retórico? O presente projeto, contudo, não pretende ressaltar as barreiras impostas ao protestantismo na América Latina, por mais de 300 anos. Ele interessa-se por possíveis transversalidades, temas que apontam para convergências e possíveis aproximações, mesmo que seus interlocutores se encontrassem em trincheiras opostas e, aparentemente, intransponíveis.

Um eixo de investigação pretende investigar transversalidades temáticas em dois autores de grande impacto naquele contexto histórico: Martinho Lutero e Bartolemeo de Las Casas. Tanto Lutero como Las Casas são críticos da modernidade emergente no século XVI. Ambos fundamentam sua crítica na hermenêutica de textos sagrados e na disputa pela interpretação da tradição, no intento de responder a questões específicas decorrentes de um contexto social em profundas transformações. Lutero ataca o sistema emergente a partir do interior do próprio sistema, pois tem os territórios de língua germânica como horizonte de ação. A crítica de Las Casas é formulada a partir da exterioridade sistêmica. Esta exterioridade não é apenas geográfica, mas cultural, em sentido religioso e antropológico. A suspeita é a de que tanto em Lutero como em Las Casas, a existência real e concreta de vítimas se transforma em critério de julgamento de todo o sistema emergente. Em ambos os horizontes de sentido, a vítima evidencia os limites do sistema, sua exterioridade, enquanto alteridade, em se tratando de outras culturas, ou como alteridade excluída e feito vítima, no caso do contexto germânico.

O segundo eixo de recepção do protestantismo na América Latina, no período colonial, tem seu foco nas iniciativas concretas de inserção do protestantismo no período colonial: a tentativa da colonização francesa no Rio de Janeiro, na segunda metade do século XVI, e a colonização holandesa do nordeste Brasileiro, na primeira metade do século XVII. O caráter mais ou menos episódico destes eventos não os torna menos relevantes em termos de memória histórica, principalmente como indicativo de sua recepção nos espaços da vida cotidiana, com indícios de reelaboração de alguns de seus enunciados centrais, no contexto de enfrentamento do colonialismo a partir das dinâmicas socioreligiosas  locais.

Documentos e fragmentos históricos deste período, pouco estudados pelos estudiosos da religião na América Latina representam os ecos mais remotos da reforma protestante em nosso continente. Há neles indícios de como temas relevantes da Reforma foram acolhidos e recriados a partir das dinâmicas locais, por lideranças locais legitimadas pelos povos que aqui viviam. Temos aqui um vasto horizonte de reflexão e de possibilidades, infelizmente interrompidas pelo caráter predatório da conquista europeia.

O projeto pretende priorizar a investigação de temas transversais no pensamento de Lutero e Las Casas, especificamente no que tange ao olhar destes autores para o que hoje chamados do Outro, no processo de consolidação do moderno sistema mundial emergente. No caso de Lutero, a prioridade está na investigação de seus textos econômicos e políticos, no caso de Las Casas, na sua apologia da causa indígena, na controvérsia com Juan Ginés de Sepúlveda. O estudo da recepção do cristianismo protestante no caso das cartas tupi tem como pressuposto importante indicar o lugar hermenêutico a partir do qual a pesquisa está sendo elaborada.

2. Objetivo(s):

Geral (is)
2.1. 1. Investigar a recepção e a elaboração da Reforma Protestante na América Latina, no período colonial, e identificar afinidades e convergências entre o pensamento católico latino-americano e os enunciados centrais do protestantismo, no que tange ao pensamento crítico em relação ao moderno sistema mundial então emergente

2.1.2. Investigar indícios de recepção e reelaboração de enunciados centrais da Reforma Protestante pelas culturas colonizadas, em consonância com as dinâmicas locais e em resistência ao processo colonizador.

Específico (s)
2.2.1. Investigar possíveis afinidades e convergências entre o pensamento de Martinho Lutero e Bartolomeo de Las Casas, especificamente no tocante a outras crenças e culturas.

2.2.2. Investigar comparativamente o pensamento de Lutero e Las Casas no que se refere aos enunciados críticos em relação às vítimas do moderno sistema mundial então emergente.

2.2.3. Investigar possíveis recepções e reelaborações da Reforma no contexto de duas iniciativas de inserção do protestantismo no período colonial, precisamente, no episódio da França Antártica e da ocupação do nordeste do Brasil pelos holandeses.

2.2.4. Contribuir para o debate crítico sobre os 500 anos da Reforma Protestante a partir da América Latina.

3. Justificativa:
a) Há evidentes pontos de contato entre Lutero e Las Casas. O dominicano Tomás de Vio, conhecido como o cardeal Cayetano (1469-1534), é um teólogo de grande influência na Cúria Romana. Como legado pontifício na Alemanha, foi responsável pelo interrogatório de Lutero, em Ausburgo, em outubro de 1518. Por outro lado, o cardeal Cayetano era também responsável pela licença para a viagem dos freis de Santo Domingo ao Novo Mundo, entre eles Las Casas;

b) O principal adversário intelectual de Las Casas, no que se refere às estratégias de colonização dos espanhóis na América, era Juan Gines de Sepulveda que, já em 1526, escreveu um livro contra Lutero: De fato et libero arbítrio adversus Lutherum. A obra de Sepúlveda que aqui mais nos interessa traz como título “Tratado sobre las justas causas de la guerra contra los índios”. O texto é apresentado na forma de diálogo entre Demócrates, através do qual Sepulveda expressa suas teses favoráveis às guerras de conquista, e Leopoldo, apresentado na obra como defensor das ideias de Lutero;

c) Há nítida convergência entre Lutero e Las Casas, por exemplo, quando ambos condenam o uso da violência como método para impor determinado credo religioso. Parece que em Lutero isto é demonstrável, por exemplo, em relação a povos não cristãos, que não devem ser agredidos por motivos religiosos (Guerra contra os turcos), o que não impede que Lutero destrua teologicamente o Islamismo, mesmo admitindo pouco saber sobre a religião que os turcos professam;

d) Las Casas fundamenta sua defesa da causa indígena no direito natural. Isto lhe permite, por exemplo, inverter os clássicos argumentos da guerra justa de tal maneira que só os povos ocupados pela tirania colonial têm, não só o direito à guerra justa, mas a obrigação de lutarem contra os invasores. Este fundamento anula qualquer noção de hierarquia na relação entre diferentes culturas, formas de governo e visões de mundo.

4. Relevância:
A Reforma Protestante do século XVI é considerada por muitos historiadores e cientistas da religião um processo histórico de longo alcance que marca decisivamente o que se convencionou chamar de mundo moderno. Com a ideia do longo alcance se pretende indicar que a Reforma está na origem deste processo que posteriormente convencionou-se chamar de modernidade, sendo uma de suas causas, mas sofrendo também suas consequências. Em 2017, o ocidente celebra os 500 anos deste importante acontecimento. Jubileus desta natureza costumam instigar a memória e aguçar a curiosidade, principalmente quando se trata de eventos de grande impacto, como é o caso. O presente projeto pretende contribuir com o debate sobre a Reforma Protestante a partir de um olhar latino-americano.

5. Metodologia (discriminar infra-estrutura / recursos utilizados disponibilizados ou não pela UMESP e método):
5.1. Levantamento de fontes e constituição de um acervo de referência.
5.2. Classificação das fontes e elaboração de um roteiro de leituras.
5.3. Encontros mensais com orientandos de mestrado e doutorado para aprofundamento teórico e orientação de pesquisas.
5.4. Encontros semestrais com a apresentação dos resultados parciais da pesquisa.
5.5. Socialização dos resultados em eventos específicos da área como a Semana de Estudos da Religião, o Congresso de Produção Científica da UMESP, Simpósios da Associação Brasileira de História da Religião - ABHR, Simpósio Nacional da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Teologia e Ciências da Religião – ANPTECRE.

6. Referências Bibliográficas (favor utilizar NBR6023: 2000, da ABNT):
ALTMANN, Walter. Lutero e libertação: releitura de Lutero em perspectiva latino-americana. São Leopoldo/São Paulo, Sinodal/Ática, 1994.
CERTEAU, Michel de.  El Lugar del Outro: historia religiosa y mística.  Bueno Aires: Katz, 2007.
BRUIT, Héctor Hernan. Bartolomé de Las Casas e a simulação dos vencidos. Campinas: Editora da UNICAMP, 1995.
CERTEAU, Michel de.  Etno-Grafia – a oralidade ou o espaço do outro: Léry. In: A Escrita da História.  2.ª ed.  Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 2011-242.
DAS, Veena. Sujetos del dolor, agentes de dignidad. (Francisco Ortega A. Editor). Bogotá: Universidade Javeriana – Instituto Pensar, 2008.
FEBVRE, Lucien. Martinho Lutero, um destino. São Paulo: Três Estrelas, 2012.
FRIEDE, Juan. Los Welser en la conquista de Venezuela. Caracas/Madrid: Ediciones Edime, 1961.
GUTIÉRREZ. Gustavo. Deus ou o ouro nas índias (século XVI). São Paulo: Edições Paulinas, 1993.
LAS CASAS, Bartolome. Apologética Histórica. Obras escogidas vl. III e IV. Biblioteca de Autores Espanholes, 1958.
LAS CASAS, Bartolome. Historia de las Índias. Obras escogidas vl. I e II. Biblioteca de Autores Espanholes, 1957.
LAS CASAS, Bartolome. Opusculos, cartas y memoriales. Obras escogidas vl. V. Biblioteca de Autores Espanholes, 1958.
LAS CASAS, Bartolomeu. Liberdade e justiça para os povos da América: oito tratados impressos em Sevilha em 1522. Obras Completas vl. 2. São Paulo: Paulus, 2010.
LÉRY, Jean de.  Viagem à Terra do Brasil.  Belo Horizonte/São Paulo: Itatitaia/EDUSP, 1980.
LESTRINGANT, Frank.  Le Huguenot et Le Sauvage: L’Amérique et la controverse colonial, en France, au temps des Guerres de Religion (1555-1589).  Genéve: Droz, 2004.
LESTRINGANT, Frank.  O Canibal: grandeza e decadência.  Brasília: UnB, 1997.
LESTRINGANT, Frank. 1492 e o conhecimento. Campinas: Cadernos de História Social, Campinas, n. 2, out. 1995.
LESTRINGANT, Frank. À Espera do Outro. In NOVAES, Adauto (org.). A Outra Margem do Ocidente.  São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
LESTRINGANT, Frank. A outra conquista: os huguenotes no Brasil. In NOVAES, Adauto (org.). A Descoberta do Homem e do Mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
LESTRINGANT, Frank. Jean de Léry ou l’invention du sauvage. Essai sur l’Histoire d’um voyage faict em la terre du Brésil. Paris: Honoré Champion Éditeur, 1999.
LESTRINGANT, Frank. Jean de Léry, homme des Lumières. In: Histoire d’um voyage fait en la terre du Brésil – 1557. Édition de 1580. Edition de Frank Lestringant. Languedoc: Max Chaleil Editeur, 1992.
LESTRINGANT, Frank. L’expérience huguenote au Nouveau Monde (XVIe siècle). Genève: Librairie Droz, 1996.
LESTRINGANT, Frank. O Brasil de Montaigne. Revista de Antropologia. São Paulo: USP, 2006, v. 49, n.º 2.
LESTRINGANT, Frank. O Conquistador e o Fim dos Tempos. In NOVAES, Adauto (org.). Tempo e História. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
LESTRINGANT, Frank. Préface: Léry ou le rire de l’indien in LÉRY, Jean de.  Histoire D'Un Voyage En Terre De Brésil.  2ª. ed.  Paris: Bliothéque Classique, 1994.
LUTERO, Martinho. Aos pastores para que preguem contra a usura. In: Obras selecionadas, vl. 5, São Leopoldo, Sinodal, 1995, p. 446 –493.
LUTERO, Martinho. Comércio e usura. In: Obras selecionadas, vl. 5, São Leopoldo, Sinodal, 1995, p. 367 – 428.
LUTERO, Martinho. Da guerra contra os turcos. In: Obras selecionadas, vl. 6, São Leopoldo, Sinodal, 1996, p. 403 –445.
LUTERO, Martinho. Exortação à oração contra os turcos. In: Obras selecionadas, vl. 6, São Leopoldo, Sinodal, 1996, p. 446 –465.
LUTERO, Martinho. Exortação à paz: resposta aos doze artigos dos camponeses da Suábia e adendo. In: Obras selecionadas, vl. 6, São Leopoldo, Sinodal, 1996, p. 304 –336.
MAYER, Alicia. Lutero en el paraíso: la nueva España en el espejo del reformador alemán. México: Fondo de Cultura Económica, 2008.
MIGNOLO, Walter. Histórias locais / Projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. (Tradução de Solange ribeiro de Oliveira). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.
MÍGUEZ, Nestor; RIEGER, Joerg; SUNG, Jung Mo. Para além do espírito do império: novas perspectivas em política e religião. São Paulo: Paulinas, 2012.
RIBEIRO, Darci; MOREIRA NETO, Carlos de Araújo (org.). A fundação do Brasil: testemunhos, 1500 -1700. Petrópolis, Vozes, 1992.
RIEGER, Joerg. Libertando o discurso sobre Deus: pós-colonialismo e o desafio das margens. In: Estudos de Religião, ano XXII, nº 34, 2008, p. 84-104.
SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (orgs.). Epistemologias do sul. Coimbra: Edições Almedina, 2009.
SCHALKWIJK, Frans Leonard. Igreja e Estado no Brasil holandês: 1630-1654. Recife: FUNDARPE, 1986.
SCHMIDT, Peter; MEDICK, Hans. Luther zwischen den Kulturen. Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 2004
SEPÚLVEDA, Juan Ginés. Tratado sobre las justas cuasas de la guerra contra los indios: México: Fondo de Cultura Ecunômica, 1986,
SUESS, Paulo. A conquista espiritual da América Espanhola. Petrópolis: Vozes, 1992.

7. Cronograma de atividades:
Julho de 2014: Elaboração do referencial teórico do projeto;
Agosto de 2014: Apresentação do referencial teórico em evento na Universidade de Halle, Alemanha, a realizar-se de 04 a 07 de agosto. Reelaboração dos referencias a partir dos impulsos daquele evento;
Setembro de 2014: Preparação de texto teórico para publicação;
Outubro de 2014: Preparação de conferência sobre a relação entre protestantismo e culturas locais, a ser apresentada no Congresso de Produção Científica da UMESP;
Novembro e dezembro: Complementação do acervo de fontes bibliográficas,
Agosto a dezembro de 2014: Encontros mensais com o Grupo de Pesquisa Religião e Vida Cotidiana, ao qual o projeto está vinculado.
Primeiro Semestre de 2015: Sistematização das fontes selecionadas, discussão dos resultados parciais, elaboração do relatório parcial do projeto;
Segundo Semestre de 2015: Sistematização das fontes selecionadas, discussão dos resultados parciais com especialistas da área, no Brasil e em outros países da América Latina. Tenho contatos iniciais com pesquisadores no México e Costa Rica.
Primeiro Semestre de 2016: Elaboração do relatório final do projeto e preparação de textos para publicação dos resultados.

Obs: O andamento do projeto será acompanhado por reuniões mensais do Grupo de Pesquisa Religião e Vida Cotidiana.

Comunicar erros

SOBRE O PROGRAMA
X