Aula magna da Póscom aborda relações entre Estado, Religião, Mídia e Direitos Humanos
15/03/2017 12h05 - última modificação 15/03/2017 12h07
Diante de um momento histórico em que grupos religiosos ocupam um espaço cada vez maior no governo brasileiro, é necessário discutir os impactos que essas mudanças causam às políticas públicas. A aula magna do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo discutiu este tema e a importância da mídia no contexto atual.
Essa aula magna foi especial, pois seguiu o formato de painel, mediado pela professora Magali do Nascimento Cunha. Os convidados Fernando Altemeyer Junior, docente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Sheikh Jihad Hammadeh, representante da comunidade islâmica no Brasil e mestrando em Comunicação Social da Metodista, e Helmut Renders, coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Metodista, discutiram o tema sob o ponto de vista católico, islâmico e protestante, respectivamente.
Altemeyer Junior iniciou sua fala dizendo que, para analisar o governo, seguiu a abordagem de Antonio Gramsci de verificar o bloco histórico no qual a figura de governo e aparelhos de governo se manifestam. “No caso brasileiro, se olharmos como o Estado é controlado por essa elite financeira, o Estado mantém a hegemonia de dominação sobre o povo, isso é histórico. Na Colônia tínhamos: latifúndio, trabalho escravo, monocultura. Se falarmos de mídia, ainda temos monocultura e trabalho escravo, considerando que o jornalista é, de certa forma, escravo também porque só há uma opinião comum, só há aquilo que deve ser dito”, diz.
Para o professor, estamos diante de uma captura de um Estado não democrático e é preciso fazer um enfrentamento sistêmico. “A tentação do bem, do qual se referia o teórico Todorov é a imposição de um iluminado com a visão da elite, como Donald Trump ou da Rede Globo de Televisão. É a banalização da injustiça social ou a imposição de uma inverdade a partir de uma elite”, declara o professor, propondo a reflexão. “A mídia brasileira é incompetente, achamos que estamos conectados ao mundo, mas é uma falsa visão de mundo”, completa. O estudioso acredita que, como população, precisamos nos descolonizar politicamente, economicamente e culturalmente.
Renders completa a fala do professor da PUC dizendo que: “estamos vivendo em uma aceleração e não temos mais tempo de pensar, ser criativos e refletir”. Ele considera que uma religião que visa à liberdade é aquela que não segue lógicas sacrificiais, como nossa lógica de mercado, que considera que toda injustiça, desigualdade e discriminação sofridos por outros são sofridos por elas mesmas e que são religiões abertas às diferenças sem recorrer a formas de violência.
Portanto, a única maneira de combater e desfazer os ciclos de violência e ódio é a cultura de conviver com as diferenças. “A gente não consegue avançar como sociedade se não souber lidar com as diferenças. Hospitalidade é tratar de forma fraternal o diferente. É conviver com o outro diferente de forma que dê certo. Precisamos de uma cultura de hospitalidade”, declara Renders.
“A religião é um catalisador, e pode ser um catalisador do mal ou do bem, de construção ou desconstrução. Temos ótimos exemplos da construção da liberdade por meio de figuras religiosas como Mahatma Gandhi e Martin Luther King. Quero chamar a atenção para que todos esses líderes eram praticantes da religião. Não a viam apenas como algo, abstrato”, conclui.
O Sheikh Hammadeh iniciou sua dizendo que, apesar de muita informação, as pessoas têm pouco conhecimento, sobretudo sobre o islamismo: “quando falamos da religião islâmica, o governo islâmico é teocrático, essa frase é errada, ele não é teocrático. A religião islâmica se baseia em valores, dentro da mesquita, em seu trabalho, aplicando seus valores com sua coerência em qualquer cargo e posição da sociedade”.
“Se o indivíduo não segue seus valores, é passível a corrupção. Hoje, vivemos uma crise de valores, não de dinheiro, pois muito dinheiro é gerado hoje, mas podemos esperar a corrupção não apenas política, mas dentro da sua casa também”, completa. Hammadeh falou também sobre o preconceito contra muçulmanos, dizendo que isso é uma construção midiática.
Ele ainda falou sobre a falta de coerência da mídia brasileira. Na época em que era exibida a novela "O Clone", da qual foi consultor, a Rede Globo noticiava também os ataques de 11 de setembro. "Enquanto os jornais criticavam os muçulmanos, a novela mostrava as personagens muçulmanas dançando. Era totalmente incoerente", diz. Apesar disso, declara que a novela fez algo inédito: levar a cultura islâmica a todos os cantos do Brasil.