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Doutorando da Metodista questiona se há ética na notícia produzida por máquinas

Avanço dos robôs escrevendo matérias jornalísticas preocupa o pesquisador Lucas Araújo

04/11/2016 14h45 - última modificação 04/11/2016 17h47

(pixabay.com)

Movidas por algoritmos e programadas para sequenciar dados de sim-não, máquinas seriam capazes de produzir notícias em que é preciso “pensar” sobre fatos e sobre a consequência de divulgar, por exemplo, denúncias de corrupção?

A entrada de robôs na atividade intelectual ainda é pouco estudada e cheia de incertezas, entre as quais se o jornalismo praticado por uma máquina tem o mesmo valor que o feito por um homem e se isso é ético. Quem está descendo a detalhes dessa avaliação é o professor Lucas Araújo, doutorando em Comunicação na Universidade Metodista de São Paulo, que já tem clara sua objeção: não, robôs não têm capacidade para distinguir princípios e valores morais para agir eticamente. Podem auxiliar a produzir relatórios, como já têm feito em editorias de Esportes e Economia, mas o relato de fatos jornalísticos vai muito além de números.

Um artigo sobre “Produção de Notícias por Robôs e Ética Jornalística” foi publicado pela revista International Journal of Broadcasting Engineering e transformou-se na palestra “News production by machines and ethics: possible implications”, que Lucas Araújo fez no Congresso SET Expo 2016 (Feira de Produtos e Serviços e 28º Congresso de Tecnologia), organizado em São Paulo no final de agosto de 2016.

Morador em Londrina, no Paraná, o doutorando da Metodista tem 38 anos e, além de pesquisador, é professor de cursos de graduação e pós-graduação lato senso. Ele diz temer como as máquinas espalham-se substancialmente pelas redações e como é incipiente o debate em torno do assunto.

Leia aqui a íntegra do artigo em inglês.

Acompanhe abaixo a entrevista concedida ao portal da Metodista:

1 – Especialistas preveem que o futuro da tecnologia está na inteligência artificial. A internet das coisas seria prova disso, com a geladeira sendo abastecida por dispositivo ligado a uma central de compras ou os periféricos ganhando cada vez mais relevância nos smartphones. Por que robôs não poderão atuar no jornalismo?

R - Robôs podem e já estão atuando no jornalismo por meio da produção de notícias. A objeção que faço é quanto à possibilidade de esses robôs produzirem notícias sem ética.

2 – Como você diferencia a produção de notícia feita pelo homem da feita por uma máquina?

R - Existem diversas diferenças. Vou me ater à questão ética, que foi o foco do meu artigo. A ética jornalística está fortemente associada a fatores como o contexto dos fatos e códigos, que são normas pré-estabelecidas de comportamento. Logo, a ética no jornalismo diz respeito a diretrizes que profissionais devem adotar para realizar o trabalho adequadamente.

Embora os robôs estejam muito avançados atualmente, pode-se afirmar que as máquinas apresentam uma série de limitações atávicas, isto é, naturais da concepção delas, que impedem ou dificultam a tomada de decisões éticas, já que a ética reside em situações muitas vezes conflitantes. Como a máquina funciona, basicamente, a partir de decisões baseadas em "sim" e "não", ela terá dificuldade para posicionar-se diante de fatos cuja resposta seja um meio-termo entre sim e não, por exemplo.

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Lucas Araújo acha que se pode combinar relatórios feitos por máquinas e sensibilidade humana (Foto Divulgação)
3 – Há outros fatores além da ética (por exemplo, sensibilidade para o tema, emissão de opinião, contextualização do fato no momento ocorrido etc) que derrubem teses sobre novas formas de fazer jornalismo sem intervenção humana?

R - Não sou partidário da mentalidade de que é impossível realizar jornalismo sem intervenção humana. Determinadas tarefas do jornalismo estão demasiadamente automatizadas de forma que a máquina faria de forma muito mais satisfatória do que um ser humano. Todavia, a máquina apresenta limitações. Uma delas é a ética.

Por exemplo, um programa que faz mineração de dados na internet não se questiona até que ponto determinada informação deve ou não ser divulgada. O que ele faz é identificar, localizar e capturar a informação. Quem toma a decisão sobre a forma de divulgação da informação, quem apura se determinada informação é verdadeira ou não é o jornalista. Assim, acredito que seres humanos e máquinas devem trabalhar juntos, já que ambos precisam um do outro.

4 – Quando você coloca que um software que produz um texto de estatísticas de um jogo de futebol apenas realiza uma rotina para a qual ele foi programado, não há o outro lado? Isto é, o jornalista também não produz matéria com base nos números do jogo?

R - O jornalista não se baseia apenas em números. Ele leva em consideração, ou pelo menos deveria levar, uma série de fatos que dizem respeito ao contexto da informação. Se estamos falando de um jogo, ele avalia o histórico do time, aspectos emocionais dos jogadores, fatores extra-campo.

A reportagem feita pela máquina exclusivamente sobre números tem importância, mas é diferente da realizada pelo ser humano, que leva em consideração outros fatores. Não estou afirmando que uma é melhor que a outra, mas sim que são maneiras diferentes de elaborar uma notícia.

5 – Pelo que você pesquisou, de quem seria a responsabilidade de uma máquina em matérias mais polêmicas, de denúncia ou investigação?

R - Eis um grande problema. Muita gente afirma que é do programador. Essa resposta, porém, é limitada, pois existem máquinas que são capazes de tomar decisões sozinhas baseadas em sua própria "experiência", isto é, fatos pretéritos nos quais ela percebeu que determinada ação atingiu ou não os objetivos. Nesta circunstância, o programador não pode ser o responsável porque a máquina mudou ao longo do tempo.

Talvez se poderia responsabilizar o dono da máquina. Todavia, ele também não pode ser responsabilizado por algo que não podia prever. Assim, reside um vácuo em como atribuir uma punição por desvios de uma máquina capaz de tomar decisões sozinha. Em relação à ética jornalística é o mesmo problema: a quem atribuir um suposto desvio ético de uma matéria feita por uma máquina?

6 – Você acha possível, se não deve haver hegemonia do homem ou da máquina, uma convivência pacífica entre os dois lados?

R - Perfeitamente. Não só é possível como é necessário. O equilíbrio reside nesta colaboração mútua.

7 - O que te despertou para esse tema?

R - Minhas pesquisas estão focadas em inovação em comunicação, então tenho me dedicado a compreender as diversas vertentes relacionadas a esse assunto. Além disso, me interessa muito a forma como a tecnologia vem alterando a forma de fazer jornalismo, sobretudo porque as máquinas seguem uma lógica que não vem sendo abordada pela maioria das pesquisas na área de comunicação.

No campo da inovação em comunicação, também estou realizando uma tese que se utiliza de metodologia inovadora. Então, de forma geral, minhas pesquisas tentam contribuir com olhares diferentes sobre os fenômenos da comunicação e do jornalismo no Brasil e no mundo.

8 – Em plena era da tecnologia, você encontrou material farto para a pesquisa?

R - Infelizmente, o debate em torno das implicações éticas na produção de notícias por máquinas é incipiente em todos os setores diretamente relacionados: empresas jornalísticas, academia, governo e entidades do terceiro setor como sindicatos e organizações não-governamentais. É preciso ampliar essa discussão e delimitar possíveis implicações para desvios de conduta éticos porque as forças do mercado são muito rápidas.

O momento delicado pelo qual passam os meios de comunicação, notadamente os impressos, tem ampliado a presença de máquinas nas redações. Por outro lado, não há uma movimentação adequada dos outros membros do setor, o que é bastante preocupante.

Esta matéria foi publicada no Jornal da Metodista.
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