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“Na educação, inovar implica revolucionar”

20/08/2014 11h45 - última modificação 07/10/2014 11h05

Fonte: Portal INOVA

Luiz Roberto Alves é direto em suas opiniões. Integrante do Conselho Nacional de Educação (CNE), doutor em Letras pela USP e professor titular da Universidade Metodista de São Paulo, ele não hesita em qualificar como “revolução” o conjunto de inovações que julga necessárias para que o Brasil finalmente tenha um sistema educacional “democrático, participativo e com avaliação sistemática, interna e externa”. Segundo Alves, ao caráter colonial e elitista da educação brasileira soma-se o fato de “a família brasileira colocar a educação como degrau para algumas formas de ascensão social”. Por isso, diz, o país formou “gerações escoladas, mas não educadas”.

Na realidade, diz Alves, inovar em educação significa criar no Brasil um sistema, ainda inexistente, que não dependa dos vários grupos privados que produzem materiais didático-pedagógicos hoje no país, mas que permita a criação de “uma instituição do Estado, articulada por nação, estados, municípios, conselhos, instituições e organizações da sociedade civil”. Nesta conversa exclusiva, o professor defende o Pro-Uni e a política de cotas e critica o atual sistema de avaliação dos alunos utilizado pelos grupos privados: “Exames padronizados não são inovações. São manutenções do elitismo na história brasileira”. Leia a seguir a íntegra da entrevista:

Como o tema inovação chega às discussões sobre a estrutura educacional brasileira? Os conceitos sobre o sistema educacional brasileiro precisam ser inovados? Em que sentido?
Em educação, sob perspectiva histórico-cultural, o país tem sido pior do que no futebol. A cartolagem equivale ao elitismo, cujo pressuposto ideológico implica em um poder derivado das classes “bem formadas e bem pensantes” que tiveram o privilégio de se destacar e, conseqüentemente, dominar o cenário educacional. Daí submetem-se as bases curriculares, a formação dos profissionais, a organização da escola, as hierarquias, as repressões salariais e culturais. Ademais, com honrosas exceções, a família brasileira não coloca a educação no centro da vida, mas como degrau para algumas formas de ascensão social. Temos, pois, gerações escoladas, mas não educadas. A falta de exemplo no mundo político e os xingamentos ouvidos na abertura da Copa diante da autoridade terminam por produzir o clima do “vale tudo em educação”.

Desde 1930, há fortes movimentos de educadores conscientes, que tanto escreveram quanto deram a vida pelo reencaminhamento anti-colonial e anti-elitista da educação, com resultados parciais e dolorosos. Ainda hoje. A rigor, não há um sistema; por isso, inovar o sistema implica em criá-lo de modo democrático, participativo e com avaliação sistemática, interna e externa. Esse sistema pode se organizar a partir do Plano Nacional de Educação (PNE) recém aprovado pelo Congresso Nacional, que servirá de operador do Sistema Nacional de Educação (SNE), claramente propugnado pela Conferência Nacional de Educação (Conae) e coordenado pelo Fórum Nacional de Educação e centenas de instituições de postura democrática.

Inovar em educação no Brasil, pois, não significa aceitar um grupo ou um chamado sistema privatizado e produtor de materiais didático-pedagógicos como esses que abundam pelo país. Significa construir uma instituição do Estado, articulada por nação, estados, municípios, conselhos, instituições e organizações da sociedade civil que desejem o bem-comum de toda a criança, a adolescência e o mundo adulto cultural e educacionalmente defasado. Mais importante ainda: que esse sistema compreenda profundamente a diversidade e a desigualdade do país concreto, dos seus quatro cantos e parta, não da teoria A ou B, mas do empírico, da pesquisa de qualidade, dos dados incontestes e vá construindo do chão da escola para a sociedade um sistema que ensine e aprenda, que eduque. Inovar, agora, implica revolucionar. Mas a revolução supera em muito os discursos tradicionais. O baú de desculpas do Brasil e as posturas ideológicas de jogar culpas nisso ou naquilo estão vazios, liquidados. Carece construir com a urgência devida, em uma geração, a educação necessária e desejada.

O sistema educacional brasileiro tem uma avaliação bastante baixa na opinião pública. O problema está no arcabouço teórico que orienta o sistema ou na sua execução prática?
A opinião pública também tem baixa compreensão da educação. As comunidades e as famílias teriam de amar a educação, gostar da escola, estar nela e não somente reclamar dela. Famílias e comunidades assumiram uma postura moral no mínimo discutível, isto é, especializaram a escola como lugar para cuidar de seus filhos. Isso é impossível. Todo cuidado com as novas gerações é compartilhado. Hannah Arendt já nos ensinou o alto papel da família (mais ou menos estruturada, mas família!), pois jogada na escola, sem família, a criança se perde, ainda que tenha professores dedicados. Mas também faltam muitos professores dedicados, bem valorizados, exigidos, amorosos. E não se ama porque se ganha bem, embora seja indispensável ganhar bem. A coisa é mais complexa. Nesse caso, também deve acabar o baú de desculpas e o jogo de culpabilidades, pois hoje um joga barro no outro e poucos se entendem no fazer educação.

Certamente é baixo o valor da educação, apesar dos discursos eleitorais e do fato de a educação ser grande tema na mídia. Mas é tema para rankings, aprovações/reprovações, exames, provas. Isto é, é tema para as coisas menos importantes em educação. O processo de formação para a cidadania, a construção do ser e o encaminhamento crítico para o mundo do trabalho, obrigações constitucionais, é algo desconhecido da mídia. Também desconhecido das lideranças políticas, das famílias e muitas instituições que se dizem “formadoras” para isso ou aquilo.

Somos, hoje, profundamente anti-freireanos (embora Paulo Freire seja patrono da educação brasileira), pois estamos adestrando gerações para um suposto emprego ou trabalho (os quais estão mudando de sentido e razão de ser no mundo em processo de globalização), o que equivale a preparar gerações para, talvez, o século XX, quiçá XIX, embora tenhamos nomes pomposos e vistosos nos percursos formativos de cursos que se disseminam como cogumelos pelo país. Não há mundo do trabalho sem espírito crítico, formação ética do ser e participação cidadã (que não significa somente ser empregado e ganhar algum dinheiro e consumir). Opinião pública e educação deveriam se harmonizar para construir uma mobilização transformadora e não se dividirem entre culpas e erros.

A questão da privatização do sistema educacional preocupa os educadores que pensam com seriedade os interesses da nação?
Quando se participa de feiras de educação, o volume brutal de grupos ou sistemas de ensino privados e sua vertigem de papelada (quantas árvores cortadas!!!) e de propostas de maravilhas para a escola faz perguntar: a qual sistema pertence o sistema educacional brasileiro? Ao sistema do fulano ou do beltrano, ao grupo tal ou ao grupo qual? É demais! Daí a profunda privatização. Muitas vezes feita por instituições sérias, que querem ajudar. Noutros casos, não, porque a supremacia é a mais-valia, a competição, a concorrência. A partir do PNE e o SNE, desde o chão da escola, consideradas as pesquisas de melhor qualidade, pode-se reavaliar diretrizes educacionais já criadas pelo Conselho nacional de Educação (CNE) desde o advento da Lei 9394/1996, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e fazer chegar a cada unidade escolar do país o espírito de criatividade na construção do projeto pedagógico local, entre a base nacional comum dos componentes curriculares e toda a dimensão diversificada, que se inclui no processo curricular da escola a partir da diversidade local e regional.

Há inovações na educação básica sendo estudadas no âmbito do CNE?
O tempo todo. Desde 1996, considerando a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) uma lei inovadora, o CNE (com efetiva participar dos Conselhos Estaduais e Municipais) constrói diretrizes, quer as gerais para a educação básica, quer para direitos humanos, inserção de história da África, educação indígena, ensino fundamental, ensino infantil. Criou também diretrizes especiais para o ensino médio. E outras. Do mesmo modo, relê seus textos e os atualiza, como faz agora com a formação de professores e com a educação para meninos e meninas sob medidas socioeducativas. O CNE é órgão de Estado, mediador social. Sua missão consiste em estar atento, ouvir, rever e reler sua criação, ampliar diálogos e induzir a novos textos e novas práticas. Portanto, é um lugar disponível para a inovação.

E as provas de desempenho dos alunos, devem ser questionadas?
Na criação de um sistema respeitoso da realidade integral da escola, da diversidade do país, iremos mudando nossa relação com organismos internacionais que induziram a fazer provas padronizadas, estimulando, ao fim e ao cabo, uma intensa competição, um adestramento para exames e rankings publicados nas páginas centrais dos jornais. Enquanto isso, a escola real e diversa do Brasil profundo tem pouco a ver com isso. Faz figuração em Português e Matemática. Desconstrói-se pela força das suposições economicistas em educação. Aprenderemos a medir a vida e não um score, a tomar o pulso do mundo real da educação e não dos documentos das empresas nacionais e internacionais interessadas na competição e nas classificações. É um processo de mudança e inovação. Exames padronizados não são inovações. São manutenções do elitismo na história brasileira.

E os programas como Pro-Uni e as cotas?
Necessários, como todas as ações capazes de revisitar a história injusta e revalorizar as pessoas que pertenceram aos grupos sacrificados. Até que um dia não precisemos mais dessas ações, pois passamos a ser uma sociedade digna, ética, equilibrada. Não temos direito de futuro sem passado relido, revisitado e reajustado no presente. Cada geração tem a obrigação de provocar mudanças na história. Não para melhorar a vida de grupos e pessoas (somente!), - e agora sigo o pensamento aborígene latino-americano - mas para afirmá-la como totalidade.

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