Ferramentas Pessoais

Você está aqui: Página Inicial / Notícias / 2013 / Novembro / Não é só discurso. É atitude!

Não é só discurso. É atitude!

18/11/2013

18/11/2013 16h25 - última modificação 18/11/2013 16h41

King Nino Brown na Casa do Hip Hop de SBC, onde haverá uma biblioteca comum acervo sobre Hip Hop e a história afrobrasileira. Foto: Mônica Rodrigues

[ Exemplos de como arte, cultura e educação podem ser usados como combustíveis para a superação dos desafios vividos pelas comunidades menos favorecidas

Estados Unidos, década de 1960. Um período turbulento, marcado por guerras, como a do Vietnã e a Guerra Fria. Mas também por diversos movimentos e lutas pelos direitos civis. Época em que surgiram nomes como Martin Luther King e Malcom X em defesa dos negros e na qual o racismo gerava violência, prisões e mortes. Um tempo em que as pessoas não apenas ansiavam por mudanças, mas se dispunham a fazer algo para que ela realmente acontecesse.

Foi neste contexto que surgiu o Partido dos Panteras Negras, que teve entre os seus líderes Ericka Huggins, recebida na Metodista para ministrar uma palestra na IV Semana de Educação em Direitos Humanos, em setembro.

No documentário “Todo poder para o povo” (All Power to the People), do diretor Lee Lew-Lee, Ron Wilkins, do SNCC (Student Nonviolent  Coordinating Committee – Comitê de Coordenação Estudantil Não-violento, tradução livre), afirma que “o partido veio quando o povo negro estava muito frustrado com as condições de vida”. Bobby Seale, co-fundador e presidente dos Panteras, deixa clara qual era a intenção daquela iniciativa: “Queríamos organizar o poder da comunidade”. Para Kathleen Cleaver,
que fez parte do Comitê Central, “a questão não é mostrar o que o governo não faz, mas sim mostrar como a comunidade poderia ganhar poder e se organizar”.

E assim, a comunidade, por meio do Partido, se organizou e tomou à frente, promovendo diversas ações em benefício não apenas da comunidade negra, mas dos latinos, asiáticos, índios e dos brancos que eram pobres.

“Nós fizemos vários programas dentro dessas comunidades porque não queríamos esperar o governo para fazer. Nós dávamos café da manhã para as crianças porque nenhuma criança tinha que ir para a escola com fome. O governo não fazia isso, então nós fazíamos”, afirmou Ericka Huggins.

Segundo ela, algum tempo depois o governo, vendo esta iniciativa, criou um programa em nível nacional com o mesmo objetivo. Ericka comentou ainda que a saúde e a educação nos Estados Unidos não são gratuitas. “Então criamos clínicas de saúde gratuitas para todos. Os médicos, as enfermeiras, todos os especialistas eram voluntários”.

Embora a história no Brasil tenha sido diferente da dos Estados Unidos, ambos se assemelham na questão da inserção do negro em diversos aspectos – mercado de trabalho, estudos. Assim como lá, aqui existem iniciativas em várias frentes para reverter o quadro de desigualdade, com ações relacionadas à cultura ou à educação, de forma a promover uma mudança de pensamento e, consequentemente, de comportamento.

Saiba mais sobre os Panteras Negras.

 

Sensibilização
“Eu propus a leitura deste livro: ‘Nem preto, nem branco. Muito pelo contrário’, de uma pesquisadora, a Lilia Schwarcz. Uma aluna do curso de Pedagogia, depois de ter lido, disse: ‘Professor, foi a primeira vez na minha

vida que eu li um livro inteiro. Eu tentei várias vezes ler a Bíblia e nunca consegui. Chorei praticamente durante a leitura inteira, porque abriu em mim uma perspectiva que eu jamais tinha imaginado”. Este depoimento foi dado pelo professor Oswaldo de Oliveira, coordenador do Núcleo de Formação Cidadã (NFC), num bate-papo com a Ericka Huggins antes da palestra que ela ministrou na Metodista e que reuniu professores da Universidade e representantes de organizações ligadas ao movimento negro, como a Educafro e a Zulu Nation. “O trabalho que realizamos é para também ter, futuramente, professores minimamente sensibilizados com a questão da cultura e história afrobrasileira”.

Oswaldo de Oliveira explica que, desde o início de 2012, quando foi implantado o Programa Metodista de Licenciaturas, que tem por objetivo incentivar a formação de docentes, há um módulo chamado Olhares sobre a Educação e a Diversidade Cultural, em que é feita uma discussão do tema sociologia e cultura afrobrasileira e suas relações étnico-raciais. “Um dos objetivos é contribuir para a formação de professores capazes de abordar o tema com profundidade e também em atendimento à lei 11.645/2008, que instituiu a obrigatoriedade do estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena no Ensino Fundamental e no Ensino Médio da rede pública e de estabelecimentos privados”. Na visão do professor, esta lei deve ser entendida dentro de um marco histórico e social das lutas dos movimentos sociais na direção da expansão da cidadania. “É preciso compreender que uma legislação que estabelece o ensino de história e cultura afro-brasileira tende a colaborar para a superação dos elementos que transformaram a discussão sobre o racismo em um tabu e as formas de branqueamento em medida de superação da questão. Assim, supostamente, ‘embranquecer’ os negros tornou-se o modo de integrá-los à sociedade e assim ‘eliminar’ o preconceito.

De acordo com o coordenador do NFC, “o que se deseja, com uma educação que valoriza a história e a cultura afrobrasileira e indígena, é revelar a existência de povos herdeiros de uma diversidade de culturas e que possuem o direito de manifestar sua visão de mundo, seu modo de vida e seus gestos”.

O professor comenta que os alunos dos demais cursos da Universidade também têm a oportunidade de discutir o assunto durante as disciplinas eletivas oferecidas pelo NFC, inclusive aqueles que estudam na modalidade a distância e que ainda há cursos livres oferecidos ao longo do ano e eventos como o Sou Show Afro e o Fórum de Capoeira.

Além disso, A Metodista investe em parcerias com entidades sociais para proporcionar a pessoas carentes o acesso à Universidade. Na prática, isso se reflete no oferecimento de bolsas de estudo para afrodescendentes e funcionários de instituições conveniadas, dentre as quais a Educafro.

“Não é arte pela arte”
“A dança de rua é só uma forma de trabalhar outras coisas. O foco mesmo é cidadania, ética”, conta Thaís Cristina de Souza Melo, a Thaisinha, professora de breaking – estilo de dança de rua, parte da cultura Hip Hop, na ONG Fazendo o Bem onde também funciona a Casa do Hip Hop de São Bernardo (Zulu Nation). Além desta, também há oficinas de DJs e de capoeira e são oferecidos cursos de formatação de projetos para interessados em participar de editais abertos pela prefeitura.

Wellington Ferreira, 24, o “Blindado”, conta que encontrou na dança uma forma de expressar seus sentimentos. Ele utiliza o local para dançar e atribui “uma importância indescritível” ao lugar. “Este espaço faz com que a gente lembre que precisamos fazer o que o breaking é: arte, ou seja, comunicação; cultura, respeito e amor; e educação – ele ensina a sermos pessoas educadas, a respeitar o próximo e a nós mesmos.”

Um dos fundadores do espaço, King Nino Brown, como é conhecido, explica que o intuito “não é a arte pela arte. É usar a arte para educar” e, para isso, utilizam a cultura Hip Hop. Neste meio desde os 15 anos – e já se vão 51 – ele enfatiza que as pessoas devem ser conscientes de seu papel na sociedade e reivindicar aquilo que lhe é de direito. Neste sentido, ele destaca a importância dos estudos. Apesar de se mostrar descontente com o sistema de cotas adotado pelo governo, acredita que “é alguma coisa, pelo menos”. E enfatiza: “Como falar de igualdade se existem ricos e pobres? E como se muda esta situação se não pelos estudos?”. Com um brilho no olhar, Nino faz questão de mostrar o espaço da Casa onde está sendo organizada uma biblioteca com livros, filmes e documentários sobre a história dos afrodescendentes e do Hip Hop. “Falta arrumar o espaço, mas é aqui que as pessoas poderão consultar os materiais”. Além da biblioteca, também haverá um estúdio, que poderá ser utilizado pela comunidade.

Exercício da cidadania

Apesar da alta rotatividade e das dificuldades impostas pelo dia a dia que faz com que muitos comecem os estudos, mas acabem desistindo, a Educafro – instituição que tem por objetivo promover a inclusão da população negra e de baixa renda no Ensino Superior – possui atualmente 3 mil bolsistas.

Frei David, idealizador e coordenador geral, afirma que “o aluno beneficiado deve se associar e tem os compromissos a cumprir, voltados à participação cidadã”. As bolsas são concedidas para cursos de graduação, pós-graduação e preparatórios para concursos públicos e o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).

A Educafro atua ainda de maneira que o Estado crie políticas públicas e ações afirmativas para a educação, promova a diversidade étnica no mercado de trabalho, além de buscar a defesa dos direitos humanos e de combater o racismo e a todas as formas de discriminação.

O frei considera que a Educafro teve três fases de nascimento. “A fase um foi a fase intuitiva, em 1976, quando sofri discriminação no Seminário, ao me preparar para ser padre. A fase dois foi quando fizemos surgir um movimento de pré-vestibular só para negros, o que causou grandes tensões. E a terceira, quando as universidades parceiras exigiram que tivéssemos CNPJ para continuar a nos conceder bolsas de estudo para pobres”.

De acordo com o coordenador da instituição, a divulgação do trabalho que fazem é feita “cem por cento pelos beneficiados. Eles ficam tão agradecidos a Deus que repassam com alegria as informações aos seus amigos e parentes”.

Elizângela Marques, aluna do curso de Direito e uma das professoras voluntárias da Educafro, conta que, ainda bem jovem, ela e um grupo de amigos de uma comunidade na Vila Areião, em São Bernardo, não estavam satisfeitos com a diretoria da associação que não possuía as perspectivas culturais que almejavam na época. Ao se rem eleitos, perceberam que precisavam de formação política e buscaram o conhecimento em livros, filmes e documentários. Desta maneira, Elizângela pôde compreender que algumas situações vividas eram por não conhecerem as leis e não saberem quais eram seus direitos. “Interessante ressaltar que, por se tratar de uma comunidade carente, muitas vezes nos deparávamos com o abuso de autoridade policial.” Foi neste momento que ela buscou uma faculdade e recebeu a indicação da Educafro.

Atualmente, Elizângela é coordenadora geral do núcleo de São Bernardo. “É uma satisfação ser uma das coordenadoras e fazer por muitos anos este trabalho voluntário, ajudando aqueles que precisam na inclusão ao mercado de trabalho e acadêmico”. Ela destaca ainda que “nas aulas de cidadania são abordadas temáticas direcionadas ao documentário [sobre os Panteras Negras], gerando debates sobre o pleno exercício da cidadania e para a organização e fortalecimento deles como formadores de opinião para ajudar suas comunidades no cotidiano”.

Juventude Viva
O governo, nas diferentes esferas – municipal, estadual e federal – procura
desenvolver ações que venham ao encontro das necessidades e demandas da comunidade afrodescendente, bem como das classes menos favorecidas.

Como exemplos, destacam-se as secretarias de Promoção da Igualdade Racial da prefeitura de São Paulo e da Presidência da República e a Coordenação de Políticas para a População Negra e Indígena da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo.

Uma das iniciativas do governo federal que vem sendo realizada desde 2012 é o Plano Juventude Viva. No informativo divulgado no site do projeto, a coordenadora Fernanda Papa explica que “o Plano reúne pelo menos 30 ações, de dez Ministérios e tem como principal objetivo reduzir a vulnerabilidade dos jovens, principalmente dos jovens negros, à mortalidade por homicídios. É um plano de prevenção, que articula ações, que chamamos de pacote de políticas sociais. Temos ações na educação, no trabalho, saúde, cultura, esporte, no acesso a justiça, na promoção dos direitos da juventude, entre outros, para atender jovens que estão em territórios mais afetados, com altos índices de homicídio, por meio da inclusão e garantia de direitos, transformação de territórios, desconstrução da cultura de violência e enfrentamento ao racismo institucional”.

O Juventude Viva iniciou em 2012 em Alagoas e atualmente está sendo expandido para o Distrito Federal. As ações serão implementadas nos demais estados de acordo com os municípios que possuem os índices mais e levados de homicídios entre os jovens negros do sexo masculino.

 

Gabriela Rodrigues
gabriela.rodrigues@metodista.br

Comunicar erros


Portlet de conteudo estático
Portlet de conteudo estático
Portlet de conteudo estático
Portlet de conteudo estático
X