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Às margens do Guaíba

Na entrada do restaurante do aeroporto de Congonhas há um poema de Fernando Pessoa que gosto muito e do qual eu me lembrei inúmeras vezes enquanto estive lá no Fórum Social Mundial. Gostaria de partilhar com vocês o poema e algumas impressões que tive destes momentos.

"Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de estação para estação, no comboio do meu corpo, ou do meu destino, debruçado entre as ruas e as praças, sobre os gestos, os rostos sempre iguais e sempre diferentes, como afinal, as paisagens são. A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos."
Fernando Pessoa

As informações gerais sobre o evento dão conta da diversidade naquele tempo/ espaço. Múltiplas culturas estavam lá buscando contato. Diferentes linguagens se expressavam, querendo diálogo. A passeata de abertura mostrou um vigor criativo enorme. Músicas, cartazes, vestimentas, cores, símbolos. Um enorme caleidoscópio se movimentando pelas ruas da cidade. Os moradores se envolvendo, participando ou observando atentamente. Não havia como ser indiferente. Uma alegria, uma predisposição para o encontro com o outro. Conhecer, re-conhecer-se, legitimar uma prática democrática. Mesmo com todos os conflitos decorrentes. A passeata foi também um lindo momento de autonomia. Os participantes, diante da demora, foram tomando pra si a movimentação e iniciaram a caminhada agregando, aos poucos, os grupos que chegavam de vários pontos do centro da cidade.

Esta impressão inicial estimulou muito e gerou uma certa ansiedade para o caloroso convite ao debate que estava documentado em três enormes volumes de programação em formato jornal. Escolhas difíceis a serem feitas em pouco tempo. Uma escolha significava deixar de lado uma série de outras tão interessantes quanto. Mas, mesmo quando a programação escolhida sofria alguma alteração, uma outra logo se sobrepunha. Caminhar ao longo da margem do Guaíba, acompanhando o que se desenrolava permitiu observar além do conteúdo de cada evento. Permitiu renovar a compreensão da importância de legitimar as práticas culturais como expressão de um pensamento.

A mesa coordenada pela Cátedra Celso Daniel também teve uma movimentação curiosa. Marcada para o primeiro horário do primeiro dia, iniciamos a nossa apresentação com número pequeno de presentes. As pessoas foram chegando, se aproximando e em pouco tempo a sala estava lotada. O debate teve muitas contribuições dos participantes que colocaram em pauta suas preocupações e relataram experiências. No primeiro dia tivemos a presença de pessoas de vários estados. No segundo dia, a diversidade de países entre os presentes foi maior. Todos muito envolvidos com as experiências de gestão participativa das cidades discutimos questões relacionadas à construção de valores e de idéias no bojo de relações conflituosas; percorremos uma reflexão sobre espaço público e ética; conversamos sobre processos de comunicação a serem construídos e estimulados.

Outros debates relacionados à gestão democrática das cidades ocorreram em outras tendas e tivemos a oportunidade de estabelecer contato com grupos de pesquisa, com observatórios sociais que desenvolvem trabalhos afins.

Ao longo dos dias, muitas imagens e muitos sons se fundiam. O calor que sentíamos e a poeira que ficava impregnada nos corpos se misturavam com que ouvíamos nas tendas de debate. A concentração nos relatos era rompida momentaneamente para da observar um grupo de pessoas que- lá fora - chamava os interessados para um novo debate em outro espaço.

Olhar para o que significou esta vivência requer um olhar para si também. Não só como expectativa anterior existente em relação ao encontro, mas como o que se permite perceber diante do inesperado com quem encontra. O significado do Fórum Social deve ser compreendido também por esta dimensão. Não é somente uma discussão de eficácia dos resultados obtidos, mas a possibilidade de ver novos caminhos, novas possibilidades, não só como ponto de chegada, mas como percurso a ser vivido.

De volta às aulas e ao cotidiano, mas com as energias renovadas, as últimas frases do poema ecoam "A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos."

E nessa viagem, também nos transformamos.

Nanci Barbosa é professora do curso de Rádio e TV da FACOM/UMESP e integra o Comitê Executivo da Cátedra Pref Celso Daniel de Gestão de Cidades.

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