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Políticas de governança: a quem interessam?

O feijão dos direitos cívicos, ambientais e econômicos chegou a mais mesas no fim do século passado do que se presumia em 1989

Por Luiz Roberto Alves

 

É sempre bom lembrar a resposta-pergunta que uma mulher brasileira dirigiu ao repórter que lhe perguntava sobre a Constituição-Cidadã proclamada pelo ilustre Ulisses Guimarães: - A Constituição baixa o preço do feijão? Dentro de um complexo movimento cívico-econômico, baixa sim. A mulher anônima estava a levantar um dado da cultura popular: o que fazem os poderes centrais repercute no cotidiano das gentes. A história colonizada ensinara que o país da retórica e da dependência construía leis, normas e regulamentos que somente ampliavam a cangalha sobre os pobres da terra, exigiam impostos, faziam listas de deveres e privilegiavam grupos já privilegiados, sem retornos e devolutivas transparentes e efetivos a favor do dia-a-dia cansativo e excluído.

Quem sabe, diante da efervescência dos acontecimentos de 1988, depois da outra animação das Diretas-Já, desta feita a tal de Constituição seria competente para diminuir preços junto à mesa dos pobres? Ora, João Cabral de Melo Neto e João Guimarães Rosa já haviam perguntado ao presidente Juscelino, indiretamente, o que teriam os humildes e desterrados a ver com o Brasil dos 50 anos em 5, o país das grandes metas do desenvolvimento. Kubitschek não respondeu, porque talvez não tenha entendido suas metáforas literárias. Parcialmente, suas políticas possibilitaram os novos sistemas industriais, projetaram o país no mundo e criaram empregos. A par disso, incharam as cidades, criaram defasagens sociais intensas e colocaram em xeque a sustentabilidade ambiental.

As políticas de governança trabalhadas pelos muitos atores sociais das periferias da metrópole paulistana nos anos 90 foram responsáveis por alguma contenção no processo de reestruturação do capitalismo industrial e sua passagem para o capitalismo financeiro. As pressões populares, algum jogo de cintura dos arranjos produtivos e a sensibilidade demonstrada por gestores públicos contiveram parcialmente o canibalismo dos capitais internacionais, que pretendiam transformar cada centímetro da terra valorizada em produto financeiro, fazendo de certas cidades e regiões uma vitrine e das demais um mero exército de mão de obra sem direitos. Naquele momento construiu-se com certa competência a semântica da cidadania. O feijão dos direitos cívicos, ambientais e econômicos chegou a mais mesas no fim do século passado do que se presumia em 1989.

As políticas de governança têm efeito de escala. Visto que são construídas por alguns consensos e muitas mãos, seu primeiro valor reside no processo, que agrega direitos. Mais: em cada ato que economize clientelismos e junte pessoas para a disputa e a decisão em arena transparente, resulta humanização administrativa. Se forem capazes de criar integrações, ainda maior será o salto de qualidade.

* Luiz Roberto Alves, professor e pesquisador livre-docente da Metodista e da USP. Assessor voluntário de movimentos sociais e ex-secretário de Educação de S. Bernardo do Campo e Mauá.

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