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Niyemeier e Lèvy-Strauss: 100 sentidos

O centenário de dois homens que olharam para grupos de excluídos no Brasil

Neste ano de 2008, o antropólogo e o arquiteto completam 100 anos. Sem receitas de longevidade, desinteressados em bajulação e envolvidos no trabalho e na memória do Brasil. Um plenamente brasileiro e o outro “salvo” da perigosa mesmice européia dos anos 1930 por esta terra tropical de muitas cores e tantas desigualdades.

Talvez, no caso deles, a consciência de missão em transformar o espaço e alterar os fundamentos do tempo tenha sido fator de manutenção e continuidade da vida. Um tem proposto sistematicamente que as massas duras tornem-se flexíveis, a serviço da beleza, do prazer de olhar, do aconchego de estar. Que os cimentos e outros materiais sejam penetrados por cavidades e linhas suaves e disponíveis ao máximo à presença humana. E que se recorde sempre que tais despojamentos da matéria são as extensões dos seres variados, afetuosos, conservadores, ousados, jeitosos e crentes que começaram a ser formar no interior dos contrastes barrocos das terras de Ilhéus, Rio, Salvador, Ouro Preto, São Paulo, Recife e depois outras e outras terras, até Brasília e sua continuidade nas florestas do norte. O outro, saído do nazismo para ensinar na USP e fazer estudos diretamente com os indígenas do mundo amazônico, encontrou no Brasil um projeto para o mundo: que acabassem  os preconceitos em relação aos “outros”, diferentes dos brancos, e se encontrasse um conjunto de valores comuns capazes de restaurar a civilização ocidental em novo tempo. Não é pouco o que Lèvy Strauss aprendeu na convivência e no estudo junto aos “selvagens”, seres plenamente civilizadores e, sob vários aspectos, bem mais avançados do que nós.

Ora, nem um, nem outro completou sua missão. Ainda vivemos em crises de alteridade, desconfiança, racismo, ódio, pobreza, desamor às crianças, corrupção e clientelismo político. O contrário disso está presente nas mensagens extraídas dos estudos do antropólogo belga-francês e nas linhas e traços do arquiteto brasileiro.  Convém, pois, que ainda vivam mais, para bater nas teclas da verdadeira paz, do chalom, salam. No entanto, já ofereceram as mensagens que cidadãos do mundo, como eles, poderiam oferecer. Não somente para quem lê (hoje pouquíssimas pessoas entendem de fato o que lêem), mas para quem olha os produtos da arquitetura ou tem contato pessoal com o mundo indígena. Felizmente, os mestres têm muitos discípulos.

O que dá garantia à obra desses homens centenários é que eles aprenderam suas principais lições no mundo dos povos e comunidades. Niyemeier na longa experiência das lutas sociais e políticas de grupos marginalizados segundo o humor dos governantes de plantão. Lèvy Strauss no contato com indígenas e mestiços do sertão. Nisso assemelham à experiência de Darcy Ribeiro, Paulo Freire, Guimarães Rosa ou da irmã Dorothy, assassinada no Pará pelos ladrões de terra. Beberam nos movimentos sociais, no olhar de compaixão entre excluídos, na sabedoria do sertão e da floresta, no chão das fábricas. Ressaltaram as linguagens esquecidas pelas elites dominantes, que teimam em reproduzir e não criar. Criar é muito perigoso, como de fato viver.

Como melhor comemorar 100 anos, ou 60, ou 20 de quem se compromete com a criação e com o dom da vida? Bem, dizendo “nunca mais!” à mediocridade do pensamento conformista e copiador e buscando encontrar no diferente, no outro, na outra, o “não-eu” parte de mim mesmo, dupla que pode iniciar uma comunidade comunicante e criadora.

*Luiz Roberto Alves é professor e pesquisador livre-docente da Metodista e da USP. Assessor voluntário de movimentos sociais e ex-secretário de Educação de S. Bernardo do Campo e Mauá.

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