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A catástrofe ambiental do Vale do Itajaí e a democracia participativa

Quando tentamos analisar as razões da catástrofe ambiental em Santa Catarina, duas questões são inquietantes, uma diz respeito ao processo de desenvolvimento e características de planos diretores nas cidades abaladas pelas chuvas e, em segundo lugar, a questão da regionalidade, do quanto a região do Vale do Itajaí está preparada politicamente para suportar e superar tragédias como essa.   

É importante lembrar do plano diretor participativo como um dos mecanismos do Estatuto das Cidades para ocupação e aparelhamento do território das cidades brasileiras. Ele deve ser construído com a participação ativa da população da cidade e após sua votação e aprovação pela Câmara dos Vereadores torna-se uma lei, composta por várias políticas públicas que definem como as várias regiões da cidade serão habitadas e o que necessitam, em termos de infra-estrutura para garantir qualidade e segurança de vida para seus habitantes. Nesse sentido, a resposta a algumas perguntas elucida bastante dessa situação calamitosa em Santa Catarina. Porque Santa Fé do Sul, uma das cidades da região, não ficou inundada? Quais as cidades atingidas que possuem um plano diretor? Como foram construidos esses planos? Que interesses e direitos eles atenderam? Quais as políticas que as cidades  possuem sobre infra-estrutura para suas várias regiões? Qual a política para ocupação de mananciais em cada cidade atingidas?

           

Quando o plano diretor é elaborado visando o bem comum e não os interesses desse ou daquele grupo, pode auxiliar muito na ocupação correta e na construção de infra-estrutura necessária e adequada às várias regiões da cidade. Dessa forma, ele pode regular a ocupação de mananciais, como encostas de morros próximos a rios e represas e assim controlar os riscos de desabamentos, por exemplo, em épocas de chuva.

           

As enchentes geralmente estão relacionadas a um sistema inadequado de tratamento e escoamento das águas pluviais da cidade. Esse sistema também é assunto a ser trabalhado num plano diretor integrado. Um plano diretor que considere interesses e direitos de todas as comunidades existentes na cidade e não sómente aquelas centrais e mais ricas, certamente cuida dessa questão do escoamento das águas da chuva. O tratamento das águas faz parte da infra-estrutura necessária à sobrevivência das várias comunidades da cidade.

           

Numa situação de catástrofe ambiental, como essa que ocorre no Vale do Itajaí, tanto o poder público, como a sociedade civil têm uma parcela de responsabilidade política por esse grande acidente ambiental. O que vemos, na maior parte das cidades brasileiras, principalmente nas pequenas e médias cidades,  ainda é um poder público comprometido com os interesses de grupos econômicos e elites socias. Os prefeitos, vereadores e toda máquina municipal estabelecem com a população uma relação de clientelismo, fazendo favores aqui e ali em troca de votos e com pouca ou nenhuma preocupação com as características e necessidades da cidade como um todo. Tomam decisões e priorizam políticas públicas fragmentadas para atender interesses daqueles que estão junto com eles ou para conseguir formar ou manter "currais eleitorais" que garantem a eles a permanência no poder por muitos anos. Por outro lado, a população dessas cidades entende que o político está lá para resolver sua vida. O cidadão comum acredita que aquilo que pode fazer de maís cívico, na relação com o poder político, é votar no dia da eleição. Infelizmente, a maior parte da população das cidades brasileiras ainda não entendeu que pode e deve exigir seus direitos, participar ativamente na construção e priorização de políticas públicas que melhorem sua vida na cidade. Se perguntarmos  às pessoas das cidades que estão sofrendo agora em Santa Catarina se já participaram no processo de construção do plano diretor da sua cidade ou do orçamento participativo, possivelmente, a maioria vai dizer que não.  Quase ninguém participa e nem sabe do que se trata. O que estamos dizendo é que a população pode e deve discutir a cidade que deseja. Essa discussão se dá nos espaços públicos que, por lei, pode ocupar para exigir seus direitos de viver com segurança na cidade.  O plano diretor participativo é um exemplo. Participando na discussão que é feita para construí-lo, é possível priorizar a implantação de sistemas de tratamento e escoamento de água pluviais nas várias regiões da cidade. É possível também discutir a ocupação de zonas especiais, como deverá ser feita essa ocupação para que seja segura e sem riscos, como mananciais, encostas de morros, etc.

           

Outro aspecto que nos leva a reflexão é o fato de que as cidades atingidas fazem parte de uma região de Santa Catarina que é a do Vale do Itajaí, cujas cidades possuem uma geografia, aspectos culturais, sociais, econômicos e políticos semelhantes e que permitem afirmar que ela formas uma região. O que interessa discutir é, o quanto essas cidades possuem políticas de desenvolvimento econômico e de preservação ambiental que foram concebidas, construídas e implementadas visando a região como um todo, o quanto as cidades realmente fazem parte de uma região que se identifica como tal e que tem entidades que a representem. Existe alguma organização civil que vise o bem comum da região do Vale do Itajaí? Podemos citar como exemplo dessas associações, o Consórcio do Grande ABC Paulista que reune prefeitos, membros da sociedade civil e do poder econômico da região e visam influenciar na implementação de políticas públicas para a região e suas sete cidades. A consciência e viabilização de uma governança regional é um fator importante para o controle e superação das crises, inclusive as ambientais.

           

Há ainda a questão da falta de educação ambiental do brasileiro que acha que sua casa  é a cidade.  Ele mantém a casa limpa e joga o lixo na rua, no terreno baldio do lado da casa. Enfim o brasileiro ainda não estabeleceu uma relação de causa e efeito entre o lixo que joga na rua, nos rios, nos espaços públicos e as enchentes que infernizam sua vida. É claro que essa "deseducação"  do cidadão comum para a preservação do ambiente não é a causa mais importante para uma situação de catástrofe como essa, mas é um razão significativa. Essa é uma responsabilidade da população e das esferas políticas federal, estadual e municipal de terem pouquíssimas políticas públicas voltadas para educação ambiental. E essa defasagem se tornará cada vez mais nociva, nos próximos anos, porque nesse processo de degeneração ambiental pelo qual passamos a consciência do cidadão sobre qual sua contribuição para preservação do ambiente é um fator muito importante.

            

Enfim, o episódio trágico  em Santa Catarina é fruto, além das chuvas torrenciais, do efeito estufa e do aquecimento global, como se ouviu bastante na mídia falada e escrita, de um processo político arcaico, clientelista, fragmentado que gera políticas públicas medíocres voltadas apenas para a satisfação dos interesses de grupos econômicos e de elite e sem nenhum compromisso com a justiça, a igualdade e desenvolvimento da cidade e da região visando o bem-comum.

* Silvia Gattai é  professora Mestre da Faculdade de Ciências Administrativas e  Pesquisadora da Cátedra Gestão de Cidades da Universidade Metodista.

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