No século XXI, cidadão ainda não é o centro de tudo
31/08/2015 19h30 - última modificação 02/09/2015 17h35
Os protestos de junho de 2013 no Brasil foram mais do que termômetro de insatisfação da população com os serviços públicos, que depois evoluíram para desaprovação dos políticos em geral. A tomada das ruas há dois anos foi expressão clara da necessidade de o poder público abrir-se à participação cidadã, espécie de medida do bom funcionamento da democracia.
“Temos que dessacralizar as autoridades, que estão numa redoma de vidro, e colocar o cidadão no centro de tudo. O cidadão é cliente, é acionista, que consome serviços públicos e vota nos gestores”, afirma Jairo Jorge da Silva, da Rede Brasileira de Orçamento Participativo e prefeito de Canoas (RS). Segundo ele, cidadãos não querem mais ser vistos como grande massa ou apenas um número, mas respeitados nas suas individualidades. Canoas implantou 13 formas de aproximação com a população, entre as quais plenárias de serviços públicos, Prefeitura na Rua, Prefeito no Metrô, audiências públicas no gabinete do Paço e Congresso da Cidade.
“A insurgência de 2013 mostrou que todos os cidadãos são líderes e que gestores devem se pautar pela capacidade de diálogo”, acrescentou Jairo Jorge, um dos participantes do Seminário Internacional Participação Cidadã, Gestão Democrática e as Cidades do Século XXI, promovido dias 28 e 29 de agosto último pela Prefeitura de São Bernardo com apoio da Universidade Metodista.
Descrença no poder público
O encontro mostrou que experiências de democracia participativa já ocorrem em 13 mil cidades ao redor do mundo, embora muitas sob a forma de modelos em construção. O prefeito de São Paulo, Fernando Hadad, por exemplo, disse que se trata de uma liberalidade difícil em grandes cidades, dado o volume de opiniões e pensamentos contrários.
“Há hoje um contexto não trivial de questionamentos e ceticismo quanto ao poder público. Até mecanismos de participação como plebiscitos e referendos padecem de insuficiências porque há cláusulas pétreas da Constituição que não podem ir à consulta popular”, citou, exemplificando com a redução para 16 anos da maioridade penal.
Hadad entende que há inquietação em torno de instrumentos de participação – mesmo de audiências públicas e conselhos municipais com membros que são eleitos para propor e deliberar --, por isso prefere defender a democracia representativa, do povo elegendo representantes para o Congresso Nacional. A despeito da pouca credibilidade hoje nos políticos, ele acha que o problema não está nessa representação, mas na forma de seleção dos representantes – coligações, voto proporcional etc.
Já o governador de Santa Fé, segundo maior PIB entre os Estados da Argentina, Antonio Bonfatti, declarou-se entusiasta da democracia participativa, dando testemunho de que estimula a vida social da comunidade, melhora o espaço público e estabelece diálogo mais fluído entre Estado e Sociedade.
Santa Fé dividiu a província em 5 regiões e lhes repassou competências de gestão. Depois, elaborou plano estratégico até 2023 por meio de assembleias populares nas quais houve mais de 40 mil participantes e de onde saíram 346 projetos, desde ampliação de mais espaços para os jovens até incentivo à energia eólica. “Para muitos, o espaço público é o único que se tem. Já contamos 850 mil pessoas saindo às ruas aos domingos para ocupar praças e ruas para lazer”, descreveu o governador.
Realizar é fundamental
A experiência foi reforçada por Giovanni Alegretti, da Universidade de Coimbra, ao relatar que em Portugal os orçamentos participativos saíram de 17 para 67 regiões em 2014. Ele considera democracia participativa “uma necessidade absoluta” para construir a cidade junto com a população. Alertou para que essa participação obedeça a pelo menos 2 ciclos: decisão da plenária e realização das propostas. “Sem realização, na próxima reunião não haverá ninguém”, alertou.
A pesquisadora e professora Evelina Dagnino, da Universidade de Campinas, vê na Constituição de 1988 o marco formal da democracia participativa ao fixar como parte do Artigo 1º que o poder deve ser exercido pelo povo. Ressalvou, porém, que não se deve atribuir igual natureza ao projeto democrático participativo e ao projeto democrático neoliberal. O primeiro significa partilha do poder com os cidadãos; o segundo implica em participação dirigida, em que o Estado repassa ao mercado responsabilidades “das quais quer se livrar”, referindo às PPP (parcerias público-privado).
O especialista em planejamento urbano pela University College London, Yves Cabannes, enxerga um grande desafio na travessia da participação cidadã para a participação comunitária. Segundo entende, o maior inimigo do cidadão é o indivíduo – este, porque desconfia das causas comuns e busca bem-estar próprio. Também diferenciou a democracia participativa das políticas de participação. Na primeira pesam o valor da deliberação, da voz, e não apenas do voto. Outro chamamento público, a seu ver, deve ser para a juventude, ainda ignorada pela maioria dos gestores. Sugeriu, por isso, o Orçamento Participativo Juvenil em todas as escolas.
Para o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, a vida política não está limitada ao poder: pode-se fazer política na família, no bairro, na cidade. “Opinar, influir, é fazer política, seja para reverter cenários ou construir novos para a vida em sociedade”, disse, lamentando que a maioria da população exclui-se do processo. São Bernardo é uma das cidades pioneiras na implantação do OP.
Planejador territorial
Já Jeroen Klink, pró-reitor da Universidade Federal do ABC, queixou-se de que não há no Brasil a profissão de “planejador territorial” para pensar a cidade como espaço privilegiado das relações humanas. “É o arquiteto ou o engenheiro que desenha a cidade, que dita o espaço da vida. Os próprios movimentos sociais por habitação, saúde, meio ambiente, educação têm dificuldades de se articular”, protestou.
O ex-chefe da Casa Civil da Presidência da República e hoje presidente do Conselho Nacional do SESI, Gilberto Carvalho, conclamou a população a buscar novas plataformas de participação. Ele acha que orçamento participativo, conselhos municipais e audiências públicas são importantes conquistas, “mas é pouco diante da evolução da sociedade e das cidades”. Carvalho entende que há minorias, como grupos de GLBT e movimentos culturais, ainda sem voz junto ao poder público. Carvalho, que serviu aos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, disse serem legítimos os protestos nas ruas por melhores serviços públicos. “Produzimos inclusão econômica dos mais pobres, mas descuidamos da questão urbana, da infraestrutura das cidades, que é onde as pessoas se firmam como cidadãs”, disse.
Leia também a cobertura da Redação Multimídia da Escola de Comunicação, Educação e Humanidades da Universidade Metodista de São Paulo:
Esta matéria foi publicada no Jornal da Metodista.
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