Identidade da Unimep em sua Política Acadêmica é tema da primeira tese de doutorado em Educação da Metodista
04/08/2016 17h55 - última modificação 10/08/2016 15h17
Com projetos de ensino alicerçados na construção da cidadania e na inter-relação com a comunidade e seus problemas, a Política Acadêmica da Universidade Metodista de Piracicaba pautou a primeira tese defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo. O doutorado do PPGE foi recomendado e aprovado pela CAPES em setembro de 2012 e teve processo seletivo em novembro do mesmo ano, quando foi iniciada a primeira turma. Luis de Souza Cardoso foi responsável, em 26 de julho de 2016, pela primeira defesa de tese do curso.
Dentro da linha de pesquisa “Políticas e Gestão Educacionais”, ele abraçou o tema da construção da Política Acadêmica -- que é o Projeto Pedagógico Institucional (PPI) -- da Unimep como material de estudo por considerar o caso sui generis no campo universitário brasileiro. O PPI da Metodista de Piracicaba foi aprovado em 1992, após período de intensos debates e diálogos entre a comunidade acadêmica e dirigentes da universidade.
“A partir das definições da Política Acadêmica, os cursos da Unimep passaram a incorporar nos projetos pedagógicos o princípio ético valorativo da construção da cidadania como valor-guia fundamental, o que está intrinsecamente ligado à identidade da universidade e ao que ela preconiza como sua razão de ser”, afirma o primeiro doutor em Educação da Metodista São Paulo e também secretário executivo do Cogeime (Instituto Metodista de Serviços Educacionais).
Sob orientação da professora doutora Roseli Fischmann, coordenadora do PPGE da Metodista, a 1ª tese de doutorado do curso foi aprovada summa cum laude, ou seja, com máxima qualificação. Com título "A Identidade da Unimep no movimento de sua Política Acadêmica: uma teoria fundamentada nos dados", a pesquisa contou com apoio da CAPES/PROSUP (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particulares – Modalidade Taxa) e do PDSE/CAPES (Programa Doutorado Sanduiche no Exterior).
Acompanhe entrevista com Luis Cardoso:
1 – Por que o tema da Política Acadêmica da Unimep?
R - Como metodista, acompanho a Unimep desde o final dos anos 1970, quando passei a receber boletins e outras publicações, ainda quando jovem vivendo no Rio Grande do Sul. Posteriormente, em 1999, fui nomeado coordenador da pastoral universitária da instituição. Depois fui secretário executivo da Direção Geral do Instituto Educacional Piracicabano, entidade mantenedora da Unimep. Nesses anos aprendi muito a respeito da universidade, participei dos seus colegiados superiores (CONSUN, CONSEPE, CAGES e outros) e também em inúmeras outras atividades.
Reconheci nesses anos que a Unimep é uma universidade singular se comparada ao conjunto da educação superior do País. Essa singularidade trouxe-lhe destaque notável em nível nacional e internacional, incomum, de modo especial no grupo das universidades comunitárias e confessionais. Portanto, um tema interessante para articular uma pesquisa de doutorado.
Um dos aspectos dessa singularidade é a Política Acadêmica, desenvolvida como fruto de longo processo de maturação da universidade e de sua comunidade acadêmica, num tempo em que ainda era muito raro esse debate nas universidades, no final dos anos 1980 e começo dos 1990, sobretudo entre universidades privadas, em que seguramente foi caso único nesse período.
2 – O que houve na linha da história da Unimep para surgir o movimento de alunos e professores, apoiado pela reitoria, após 1985?
R - Para entender essa questão, é preciso olhar também os acontecimentos prévios, naquilo que em minha tese, classificando fases da história unimepiana ligadas ao tema da Política Acadêmica, denominei de ‘etapas iniciais’ da universidade. A Unimep é herdeira do Colégio Piracicabano, fundado em 1881 pela missionária educadora Metodista Miss. Martha Hite Watts. Trata-se da primeira escola Metodista no Brasil e uma das primeiras escolas protestantes em um país que era marcado pela aliança do Império exclusivamente com a Igreja Católica até a proclamação da República. Posteriormente, em 1964, a Unimep inicia os primeiros cursos superiores com a criação da ECA – Economia, Contábeis e Administração. Passa por uma primeira fase de faculdades isoladas, evolui para faculdades integradas com a criação de novos cursos e planeja a fase seguinte, que é o reconhecimento oficial da universidade pelo Conselho Federal de Educação e o MEC, em 1975.
Entre 1979 e 1984, a Unimep experimentou mudança complexa no perfil como universidade, voltando-se decisivamente para a comunidade, sobretudo as periferias, com projetos sociais e de extensão. Destaca-se nesse período a intensa atuação no fomento à educação popular de base e aos projetos concretos nessa linha, inclusive com a presença de Paulo Freire na instituição.
Em 1985 eclodiu uma grande crise ligada aos problemas econômicos que enfrentava então, mas, como minha tese aponta, não somente por isso. É possível identificar, naquele momento, uma luta ideológica entre um conselho diretor com tendências conservadoras e uma universidade que se desenhava altamente progressista, influenciada pelo pensamento de esquerda e pela Teologia da Libertação. O componente da crise econômica foi usado como justificativa para o Conselho Diretor da mantenedora realizar uma intervenção na universidade, mediante a destituição do reitor e vice-reitor, professores Elias Boaventura e Almir de Souza Maia, respectivamente.
O que ocorreu, então, talvez tenha surpreendido o Conselho Diretor e a própria Igreja Metodista. Refiro-me à intensa resistência organizada de professores, funcionários e estudantes, e mesmo dos movimentos sociais da cidade, que assumiram a defesa da universidade, contra a intervenção. Esse movimento ocupou o campus por várias semanas e ficou conhecido como ‘janeirada’. Um tenso processo judicial se desenrolou tanto na esfera civil quanto no interior da Igreja Metodista, com negociações para sair do impasse.
Fruto dessas negociações, assumiu uma nova gestão da universidade sob liderança de nova equipe de reitoria, Almir de Souza Maia, Ely Eser Barreto Cesar e outros, cuja proposta não abandonava ou relegava as experiências anteriores da Unimep, mas propunha uma saída da crise construída conjuntamente com a própria comunidade acadêmica da universidade. Daí o intenso aprendizado coletivo-participativo-dialético desenvolvido pela comunidade nos anos seguintes, que culminaram com o processo e movimento de construção da Política Acadêmica a partir de 1989.
3 – O que significa ‘uma universidade contra-ideológica e contra-reprodutivista’ que pauta hoje a instituição? Pode dar exemplos?
R - Contra-ideológica e contra-reprodutivista são categorias conceituais e teóricas para explicar a mudança sofrida pela Unimep entre suas primeiras fases, das faculdades e anos iniciais da universidade (até 1978), e a fase posterior. Naqueles primeiros momentos, a instituição apresentava perfil alinhado à ideologia e ao status quo vigente na ditadura militar, com gestão centralizada e autoritária, e, no caso da opção pedagógica, de cunho tecnicista, conteudista, aulista, com formação exclusivamente para o trabalho, desprovida de crítica do sistema ou da sociedade, portanto reprodutivista do modelo de sociedade, conforme a teoria de Bourdieu e Passerron.
Num segundo momento, com a proposta de inter-relação com a comunidade, sobretudo com as periferias e a intervenção nos problemas sociais, assumiu proposta pedagógica crítico-libertadora, procurando dupla competência entre formação técnico-científica e formação política, portanto, contra-ideológica e contra-reprodutivista.
Exemplo disso é a própria Política Acadêmica, que desde 1992 preconiza como ética valorativa da universidade a ‘construção da cidadania como patrimônio coletivo da sociedade civil’, o exercício da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, o respeito inalienável à autonomia universitária e a formação de um sujeito capaz de compreender e dominar o método da construção do conhecimento na sua ciência específica, bem como capaz de interpretar a sociedade, suas necessidades e desafios de forma crítica.
A partir da Política Acadêmica, os cursos da Unimep têm seus projetos pedagógicos alicerçados nesse valor universal da Política, da construção da cidadania, bem como esforçaram-se por encontrar os valores-guia que estabelecessem mediações entre o científico (a área de saber) e o político (o projeto de sociedade ao qual a instituição se vincula).
Por exemplo, o curso de odontologia adotou como valor-guia ‘a saúde bucal como direito de todos’, os cursos das engenharias ‘o desenvolvimento com sustentabilidade ambiental’, o curso de letras ‘o domínio da linguagem como forma de inclusão’, e assim sucessivamente. Cada curso da Unimep buscou referenciar-se em um valor que estivesse relacionado à ética valorativa e identitária da Política Acadêmica e, portanto, da própria Unimep na compreensão do que significa ser universidade.
4 – O senhor destaca como inovadora a metodologia da Teoria Fundamentada nos Dados usada na pesquisa. Por que?
R - Empregamos a metodologia da Grounded Theory – a Teoria Fundamentada nos Dados, que preconiza a emergência de uma teoria explicativo-compreensiva do fenômeno em estudo, que tem potencialidade para desenvolver-se como teoria de médio alcance, embora não tenha pretensões obrigatórias de generalização. É uma inovação no campo da Educação.
No caso de minha pesquisa, os dados a partir dos quais foi aplicada a metodologia, mediante elaboração de códigos analíticos, comparação constante e desenvolvimento de categorias centrais, analíticas, conceituais e teóricas, que procuram explicar e compreender o fenômeno da formação da identidade da Unimep, foram baseados em documentos do arquivo institucional da universidade, correspondentes ao processo e movimento de construção da Política Acadêmica, bem como em entrevistas semiestruturadas intensivas com sujeitos protagonistas daquele processo.
Não identifiquei teses anteriores na área da Educação, no Brasil, que tenham empregado essa metodologia, embora haja algumas dissertações de mestrado. Há sim muita incidência do emprego da Grounded Theory em outras áreas do conhecimento, como da saúde, administração, sociologia, antropologia etc. Em outros países essa metodologia já é mais incidente nas pesquisas da área da Educação.
Outro destaque é que utilizamos como ferramenta de apoio à pesquisa, para as análises dos dados, o software Atlas.TI, um poderoso recurso para trabalhar com grandes massas de documentos na construção de códigos, comparação constante, elaboração de memorandos e desenvolvimento de redes analítico-conceituais de códigos e categorias explicativas.
5. Quais fontes e dados foram utilizados na pesquisa?
R - Trabalhei com dois tipos de fontes documentais, de onde provêm os dados de investigação e análise (a amostragem teórica, em termos da Grounded Theory):
Documentos pré-existentes: a) Documentos de Arquivo: realizamos um levantamento nos documentos do arquivo inativo da reitoria e vice-reitoria acadêmica da Unimep no período de 1978-1998 e focalizamos nos anos 1987-1994, considerando que o processo da construção da Política Acadêmica ocorreu mais intensivamente entre 1990-1992. Esses documentos são correspondências, relatórios, anotações de reuniões, transcrições de reuniões, seminários e fóruns de política e avaliação acadêmicas. b) Documentos institucionais da universidade, da mantenedora e da Igreja Metodista: atas do Conselho Universitário, do Conselho de Coordenação do Ensino, Pesquisa e Extensão, do Conselho Diretor, portarias, resoluções, políticas, estatutos, regulamentos; especificamente da Igreja Metodista o Plano para a Vida e Missão e as Diretrizes para a Educação. c) Foram examinados também periódicos, artigos, teses, dissertações, capítulos de livros e livros que tratam a respeito da temática Unimep e de assuntos correlacionados ao tema da Política Acadêmica.
Documentos co-construídos: os documentos ou dados co-construídos, na metodologia da Grounded Theory, são as entrevistas. No caso de minha pesquisa, realizei entrevistas semiestruturadas intensivas, com sujeitos protagonistas do processo de construção da Política Acadêmica.
6 – A partir dos dados analisados, quais foram as principais conclusões?
R - O processo de análise qualitativa dos dados, nos termos da metodologia empregada, visa a gerar uma teoria substantiva emergente, explicativo-compreensiva do fenômeno estudado. No caso da tese, me propus a explicar e compreender a formação da identidade da Unimep no movimento de sua Política Acadêmica. O processo de análise dos dados culminou na emergência de três categorias centrais de análise, conceituais e teóricas, a partir das quais elaboramos a proposição teórico explicativo-compreensiva do processo de formação da identidade da Unimep. Cito abaixo dois parágrafos da tese, que sintetizam essas conclusões:
“Nessa linha então emerge dos dados, mediante os procedimentos de codificação e análise já descritos, as três categorias centrais, quais sejam, o ‘inconformismo’ da comunidade acadêmica, o ‘método coletivo-participativo-dialético’ e a ética valorativa da ‘construção da cidadania’. Essas categorias conceituais articuladas podem explicar e permitem compreender o processo e movimento da Política Acadêmica da Unimep na construção de sua identidade, mediante a seguinte proposição teórica exploratória:
O inconformismo que marca a academia unimepiana em relação ao status quo de uma sociedade cindida, e portanto também da própria universidade reprodutiva da ideologia, cresceu ao longo das fases de desenvolvimento da instituição, vindo a culminar num momento propício para a busca de uma síntese, e foi pelo exercício radical do método coletivo-participativo-dialético de debate e construção comunitária, que encontrou na ética-valorativa da ‘construção da cidadania enquanto patrimônio coletivo da sociedade civil’ a razão e fundamento mais profundo da universidade e sua própria identidade.”
Esse processo e movimento de construção da Política Acadêmica culminou na identificação da razão de ser da Unimep. O que a identifica, de acordo com nossas análises, emerge do histórico inconformismo presente na comunidade acadêmica desde seus primórdios – desde o período das faculdades do IEP, que não só questionou o status quo do modelo de sociedade, que produz um sistema injusto e cindido na sua estrutura, como também foi capaz de realizar a crítica da própria universidade, na condição de reprodutora da ideologia dessa mesma sociedade, buscando assim sua superação e, por meio da construção coletivo-participativo-dialética, formular uma proposta que consideramos contra-ideológica e contra-reprodutivista, na medida que alicerça seu valor mais alto no compromisso ético com ‘construção da cidadania enquanto patrimônio coletivo da sociedade civil’.
Esse movimento se capilarizou nos projetos pedagógicos dos cursos e no processo de ensino, na busca constante pela indissociabiliade entre ensino, pesquisa e extensão, no modus vivendi comunitário, construtivista e interacionista das práticas acadêmicas da Unimep, bem como na defesa incondicional e inalienável da autonomia universitária. Esse conjunto de fatores conformou a identidade da Unimep e o que nela entende-se ser a razão e a utopia da universidade.
Membros da banca
Além da presença do reitor da Metodista São Paulo, Marcio de Moraes, na abertura e encerramento da sessão de defesa, a banca examinadora, presidida pela orientadora, foi composta por quatro pesquisadores. Dois são membros externos ao PPGE: os professores doutores Ely Eser Barreto Cesar, do PPGE da Unimep e também um dos fundadores do IMS, e Nicanor Lopes, docente do Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião da Metodista São Paulo e também diretor da Escola de Comunicação, Educação e Humanidades.
Outros dois pesquisadores são membros internos do PPGE: os professores doutores Rui de Souza Josgrilberg, que foi também reitor da Faculdade de Teologia e um dos fundadores do IMS, e Roger Marchesini de Quadros Souza, integrante da mesma linha de pesquisa em que se desenvolveu a tese.
Dentre os assistentes da sessão estiveram professores da Metodista, estudantes do PPGE, familiares e amigos do proponente da tese, que destacou a presença do professor doutor Clovis Pinto de Castro, que já exerceu as funções de reitor da Faculdade de Teologia, vice-reitor da Metodista São Paulo e mais recentemente reitor da Unimep.
Esta matéria foi publicada no Jornal da Metodista.
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