Historiadora ressalta a necessidade de responsabilizar torturadores da ditadura
29/08/2017 16h03
Com a Lei da Anistia Política, promulgada em 1979, os crimes cometidos durante a ditadura militar no Brasil foram perdoados. O Estado, com um discurso de esquecer e seguir em frente, jamais foi responsabilizado pelos atos de tortura e violação dos direitos humanos cometidos ao longo de décadas do regime no País. Em 2012, um grupo de jovens chamou a atenção nas redes com uma campanha que buscava responsabilizar os torturadores da ditadura militar.
O Levante Popular da Juventude realizou, em diversas cidades brasileiras, atos em frente às casas e trabalhos de médicos que atuaram nas sessões de tortura. Os escrachos aos torturadores eram manifestações pacíficas que buscavam, de alguma forma, expor os torturadores por seus atos. Essas ações do Levante ajudaram a pressionar o Governo Federal para que as investigações da Comissão Nacional da Verdade tivessem início.
A história das manifestações, bem como seus impactos sociais, foi retratada no livro “Escrachos aos torturadores da ditadura” da historiadora Ana Paula Brito. O trabalho é resultado de sua dissertação de mestrado em Memória Social e Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Pelotas. “Eu destaco bastante o aspecto humanitário do que aconteceu na ditadura. Foram cometidos graves crimes conta os direitos humanos e, até hoje, os torturadores não foram responsabilizadas por seus crimes”, comenta.
Ana Paula é doutoranda em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e diretora de Comunicação, Ação Educativa e Cultural do Núcleo de Preservação da Memória Política de São Paulo, em que atua na coordenação da pesquisa histórica da primeira etapa para a implantação do Memorial da Luta pela Justiça. A docente foi convidada pelo Núcleo de Formação Cidadã da Universidade Metodista de São Paulo para conversar com alunos da disciplina de Ética, Cidadania e Direitos Humanos.
"Os civis e militares que estavam a serviço do Estado, estavam a serviço público. Assim, é direito nosso ter acesso a todos esses documentos e saber o que aconteceu de fato, quem foram os envolvidos", diz.
Ditaduras na América Latina
Em comparação com outros países da América do Sul que passaram por ditaduras, como Argentina e Chile, o Brasil demorou muito a retomar os debates a respeito do autoritarismo. Nos outros países, já existiram mais Comissões da Verdade, que foram criadas apenas dois anos após a volta à democracia. No Brasil, a CNV foi criada somente décadas após o fim da ditadura e não deu conta de levantar dados a respeito de tudo o que aconteceu.
A historiadora ressalta a importância de novas Comissões da Verdade, comparando a extensão territorial dos países e o tempo sob regime militar. “Na Argentina a sociedade civil compreende que a ditadura militar atingiu a todos, que aqueles crimes foram crimes contra a humanidade. Lá, são contabilizados 30 mil mortos e desaparecidos políticos. No Brasil, a CNV contabilizou 475, mas estima-se que esse número seja pelo menos três vezes maior, considerando que o Brasil é muito maior que a Argentina e ficou mais tempo sob ditadura”.
Impactos atuais
Para Ana Paula, a conversa sobre o regime é cada vez mais atual e necessária, pois os impactos dessa época ainda fazem parte de nossa vida cotidiana: “Passamos muito tempo sem falar desse ‘passado-presente’ e ainda há muita herança da ditadura que repercute hoje. Essa memória também é nossa, a corrupção que vemos hoje em dia é herança da ditadura, a violência, a falta de segurança, questões econômicas. Ninguém voltou a analisar os crimes cometidos pelo Estado”.
O professor Wesley Fajardo Pereira ainda acrescentou que o período ditatorial teve um impacto gigantesco nas políticas de ensino brasileiras. “A escola pública foi destruída pela ditadura militar. As escolas públicas costumavam ser as melhores, existia Vestibulinho para ingresso, mas a ditadura acabou com isso. Como política de Estado, tiraram disciplinas relevantes e mudaram as políticas de valorização dos professores, o que acarretou uma precarização do ensino de base que existe até hoje”, complementa.
Ana Paula também aponta a importância daqueles que lutaram na resistência contra esses atos: “A possibilidade que a gente tem hoje de escrever o que quiser no Facebook, de conversar aqui sobre esses temas é fruto da luta de décadas, uma luta banhada de sangue, para que hoje nós tivéssemos democracia. Além dos posicionamentos políticos, as pessoas foram vítimas de crimes contra a humanidade. Temos esquecido dessas violações, estou tentando aumentar o entendimento de vocês além de questões políticas, pensem na questão humanitária do tema”.
O professor Oswaldo de Oliveira Santos Jr., coordenador NFC, acrescenta que “esse tema se estende à educação para direitos humanos e existe um lema entre educadores que é ‘para que nunca mais se repita’. Temos que discutir esse tema para que isso não aconteça mais, pois todos nós somos vítimas dessas marcas. A tortura é um crime contra a humanidade e não se justifica sob nenhum pretexto”.