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Haitianos reprovam atuação brasileira na força da ONU e no acolhimento interno

Em palestra no Congresso Metodista, imigrantes apontam violência, racismo e discriminação

13/11/2015 17h25 - última modificação 13/11/2015 17h26

Sony Mathurin, que ganha salário diferenciado

Nada mais brasileiro do que ser cordial e simpático, receber estrangeiros de braços abertos, abrir-se à miscigenação de raças e carregar a eterna qualidade de ‘país do futuro’, certo?

Se depender de haitianos que emigraram sobretudo a partir do terremoto que assolou aquele país caribenho em 2010, o Brasil abriu uma cratera em seu prestígio diplomático e político. No primeiro caso, porque a força de paz da ONU que o Exército brasileiro comanda desde 2004 não trouxe tranquilidade nem prosperidade ao Haiti. No segundo caso, porque o povo brasileiro tem se mostrado preconceituoso e hostil, explorando haitianos como mão-de-obra negra escrava.

“A escravidão está voltando ao Brasil na forma de terceirização de empregos e falta de registro em carteira, o que precariza salários e nega direitos aos trabalhadores”, apontou Fedo Bacourt, coordenador da USIH (União Social dos Imigrantes Haitianos), que participou do Congresso Científico da Universidade Metodista na noite de 12 de novembro em painel sobre “Direitos Humanos e Imigração: Do Discurso Abstrato dos Direitos Universais à Concretude dos Direitos dos Imigrantes”.

Marie Rose Laure Jeanty foi mais longe ao reforçar testemunhos de estupro e exploração sexual em seu país pela Minustah (Missão das Nações Unidas para Estabilização no Haiti), força militar com vários países criada em 2004 para restaurar a ordem após a deposição do presidente Jean-Bertrand Aristide. “Em vez de restabelecer a paz e renovar o país, trouxeram violações e nenhuma benfeitoria. Além de estupros, usaram os haitianos para cometer violências principalmente nas favelas. Mataram crianças. As forças da ONU também são usadas para reprimir manifestações e greves”, disse ela.

Fedo Bacourt e Laure Jeanty foram diretos no ataque aberto à imagem criada pelo Brasil como país-amigo e à Minustah: querem que deixem o Haiti porque, segundo eles, só protegem empresas e a elite.

Poliglotas na construção civil

A história de violações e discriminação se repete, segundo Jean Sony Mathurin, a partir da onda migratória formada com o terremoto de 2010, que matou 230 mil a 300 mil pessoas, conforme alguns registros, e deixou 1,5 milhão de desabrigados. Só para o Brasil vieram 56 mil haitianos, segundo o Ministério da Justiça, a maioria vivendo em alojamentos precários e de subempregos, além de apartados do sistema de educação – uma falsa atração do Brasil como destino preferencial.

“Muitos vieram só para concluir os estudos interrompidos com a destruição de nossas escolas. Mas a primeira barreira é a exigência de falar e escrever português e, depois, de não reconhecer diplomas expedidos no exterior”, contou Sony, hoje aluno de Teologia na Metodista, onde foi acolhido sem problemas.

Os haitianos são geralmente poliglotas. Falam francês, espanhol, inglês, e têm duas ou três faculdades no currículo. Sony cursou Engenharia Civil, Fedo tem duas faculdades, fala sete línguas e é professor de História, e Laure chegou ao 3º ano de Medicina. Fedo está empregado na construção civil e Sony numa área administrativa em que recebe R$ 2 mil pelas mesmas funções em que um colega de pele branca é remunerado por R$ 10,5 mil, comparou. O aluguel por dois cômodos custa a ele e à esposa R$ 650 por mês, enquanto no mesmo quintal um imóvel de três cômodos para uma família branca sai por R$ 400.

“Ser imigrante já é motivo de limitações em qualquer lugar do mundo, mas ser negro torna a situação ainda pior. Com a crise econômica no Brasil, as oportunidades de trabalho se fecharam ainda mais. Sem registro em carteira, muitos estão sendo dispensados sem qualquer direito”, diz Laure. O coordenador da USIH (União Social dos Imigrantes Haitianos), Fedo Bacourt, é taxativo sobre a vulnerabilidade de seu povo, que chega sem saber o que encontrar pela frente: “O Brasil não se preparou para receber imigrantes”.

“Solicitantes de refúgio”     

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Laure, Fedo e Aronce Casseus: racismo, preconceito e direitos desiguais

Atualmente cerca de 50 a 100 haitianos entram por dia no Brasil de maneira indocumentada, pelo Estado do Acre. Ali, o governo oferece ônibus para o Sudeste-Sul, o que já criou atritos sobretudo com a Capital paulista. Os haitianos não são considerados refugiados no Brasil. Segundo a lei brasileira, refúgio só pode ser concedido a quem provar estar sofrendo perseguição em seu país por motivos étnicos, religiosos ou políticas. Porém, em razão da crise humanitária provocada pela catástrofe de 2010, o governo brasileiro abriu uma exceção, concedendo-lhes um visto diferenciado.

A Polícia Federal expede um protocolo preliminar que os torna "solicitantes de refúgio", para que tenham mesmos direitos que cidadãos brasileiros, como saúde e ensino. Eles também podem tirar carteira de trabalho, passaporte e CPF, sendo registrados oficialmente no país.

Para o coordenador do Núcleo de Formação Cidadã da Metodista, professor Oswaldo Oliveira Santos Jr, além do estigma no Brasil de que negro não é escolarizado, ele é realmente tratado como imigrante, com intolerância, preconceito e como cidadão de segunda classe. Professor Oswaldo atribui a situação ao desconhecimento dos brasileiros sobre outros povos. Isso fere a noção de universalismo que se pretende dar aos discursos sobre direitos humanos, reforçando o relato dos convidados da noite.

A USIH está aberta a qualquer tipo de ajuda e atende pelo bfedo77@hotmail.com ou pelo cel (9) 6344-2886.

Esta matéria foi publicada no Jornal da Metodista.
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