Série “Um mundo de muros” da Folha vence prêmio Internacional de jornalismo
06/02/2018 13h25 - última modificação 08/02/2018 18h09
Vittoria Cataldo
Cada vez mais o concreto é erguido formando altos muros, fios conectados formando resistentes cercas. Além disto, erguem-se vigias armadas de cada lado. A movimentação, que era para ser livre, se torna cada vez mais restrita. Em 2001 existiam 17 barreiras físicas entre países e hoje passamos para 70.
Um mundo intercortado e separado. Mas quando uma separação física deixa se ser apenas física e passa a ser uma prisão da moralidade? Alguns separam fronteiras, outros chegam a dividir a mesma população, outros freiam refugiados. Muitos escondem a pobreza, o medo e até mesmo a guerra. Separam a desigualdade. Mas a pergunta que fica é: muros são mesmo capazes de deter os homens?
A Folha de S. Paulo, em uma série de reportagens, foi a 4 continentes mostrar a realidade dos dois lados desses muros erguidos e suas justificativas. A série venceu os Prêmios Internacionais de Jornalismo Rei da Espanha, na categoria Jornalismo Digital, que aconteceu em setembro de 2017. É a quarta vez que a Folha leva o prêmio.
A dinâmica dos vídeos é mostrar várias cidades que estão nas fronteiras dos países escolhidos, ou até mesmo a divisão de população e não os territórios. O primeiro vídeo é sobre a fronteira entre Estados Unidos e México. O muro que Donald Trump prometeu construir na campanha ainda não saiu do papel, mas os mexicanos já são obrigados a conviver há décadas com as barreiras deixadas por Barack Obama, George W. Bush e Bill Clinton.
Outro vídeo aborda a cerca erguida entre dois dos países mais pobres do mundo, Quênia e Somália, para tentar frear o terrorismo, famílias assombradas por seca, doenças e um Estado falido. Um muro que separa comuns, irmãos, e tira a certeza das pessoas de uma vida boa e segura, onde a população começa a viver assustada, com medo e infeliz dentro do seu próprio país.
No Brasil o muro da qual o vídeo fala possui 3 metros de altura e se estende por 1 quilômetro na rodovia dos Imigrantes, que liga a capital à Baixada Santista. A barreira de concreto, que passa despercebida pelos milhares de pessoas que usam a estrada diariamente, separa a via de uma comunidade de 25 mil pessoas, na favela da Vila Esperança. O muro foi erguido pela concessionária da rodovia, com o objetivo de melhorar as condições de segurança pública do local. Enquanto isso, do lado de lá, a pobreza e a falta de perspectivas de Vila Esperança se escondem.
No norte da Sérvia, grupos de homens com diferentes histórias e origens se amontoam em pequenos grupos à espera de um sinal. Ao chamado de um traficante de pessoas, eles sairão em disparada, tentarão despistar a polícia e cortar uma cerca de quatro metros de altura que o governo húngaro ergueu ao longo da fronteira. Com trechos eletrificados, alarmes e câmeras, 175 quilômetros de barreira dupla de metal estão ali para barrar aqueles que tentam entrar na União Europeia. São paquistaneses, afegãos, bengalis, sírios e outros que tentarão repetidamente vencer o obstáculo e reconstruir suas histórias de guerra e pobreza. Interessante ressaltar que nesse vídeo é ressaltado o tema de migração e imigração, onde o porta-voz do primeiro Ministro Húngaro, Zoltan Kovacs, diz que são fenômenos interessantes da Europa. Ele também deixa claro que isso não é uma crise de refugiados, porque essas pessoas são migrantes e buscam apenas uma vida melhor.
No Peru, 10 quilômetros de barreira de concreto cortam os morros da capital e resumem o abismo social e étnico no país. Um muro que separa a desigualdade e gera consequentemente mais desigualdade, um lado com água em abundância e o outro sofrendo por falta da mesma. Muitos se sentem abandonados e excluídos. Muitos se denominam como “os abandonados por Deus”. O muro divide a população, muitos não se conhecem bem e isso gera o medo do desconhecido.
Em um último vídeo de Israel e Cisjordânia, as memórias de atentados e as rotinas e propriedades deixadas para trás são discutidas devido a barreira que separa não apenas territórios como também a população. O muro tornou-se símbolo de um longo conflito entre palestinos e israelenses por terras e por religião. O bloqueio de 570 km, ora de concreto ora de arame, foi bem-sucedido em evitar mortes em ataques terroristas. Paradoxalmente, entretanto, encobriu o horizonte para o prospecto de paz entre os dois povos.
Muitos questionamentos são levantados depois de assistir a reportagem completa. Muros, cercas, bloqueios, barreiras. Matéria que separa matéria. Muitas vezes com justificativas, mas todas elas questionáveis. Até onde podemos impor limites dessa maneira? É uma separação que vai além do concreto, onde divide famílias, acabam com negócios, comércio. Cada muro construído é uma esperança destruída. Esperança de um mundo mais justo, mais respeitável, esperança de uma vida melhor, ou até mesmo de um mundo mais unido.
Confira abaixo o vídeo México e Estados Unidos, o primeiro da série Um Mundo de Muros: