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Ideologia de autores e falta de registros orais explicam descasamento entre Bíblia e arqueologia

O respeitado arqueólogo da atualidade Israel Finkelstein falou na Metodista sobre o conflito entre narrações bíblicas e arqueologia

19/10/2015 13h55 - última modificação 28/10/2015 14h31

Israel Finkelstein, de Tel Aviv. Fotos: Malu Marcoccia

A forte influência da ideologia dos autores de textos bíblicos – mais preocupados em colocar convicções teológicas do que em relatar a história – explica a crescente discussão sobre a confiabilidade da Bíblia. Além disso, como grande parte das tradições antigas foi transmitida oralmente, haveria várias interrupções na memória da humanidade decorrentes da falta de registros escritos, como o “lapso” existente entre os séculos X e VII.

“Muito da história da humanidade está longe do pretenso tempo descrito na Bíblia”, enfatiza um dos arqueólogos mais respeitados (e polêmicos) da atualidade, Israel Finkelstein, professor da Universidade de Tel Aviv, que participou este ano da XIX Semana de Estudos de Religião: Cultura Material, Visual e os Estudos de Religião, promovida pela Universidade Metodista de São Paulo.

Finkelstein falou em duas conferências, na noite de 7 de outubro sobre “Cultura material e as recentes pesquisas arqueológicas no Levante” e na tarde seguinte, sobre “A revolução da arqueologia na pesquisa bíblica”. Nas duas exposições detalhou estudos a que se dedica há anos na antiga Palestina e por meio dos quais acredita que a arqueologia (ciência que estuda vestígios materiais) reconstruirá a história de Israel antiga diferente das narrações bíblicas.

“As ferramentas modernas da arqueologia permitem hoje datar os materiais com diferenças de 30 ou 35 anos, e não mais de séculos. Isso significa que em aproximadamente sete metros de escavações podemos encontrar 500 anos de história e que um achado atribuído a um reinado na verdade pertenceu a outro”, exemplificou Israel Finkelstein, citando que as novas datações estão sendo possíveis a partir de geociência, física, estudos de DNA para reconstruir perfis genéticos e, principalmente, radiocarbono 14. Seus estudos se concentram nas Idades do Bronze e do Ferro.

Império de Davi e Salomão existiu?   

Uma das contradições na história remontada pela arqueologia é que, ao contrário dos relatos bíblicos que colocam o reino de Judá como ponto central, foi Israel Norte o grande polo geopolítico-econômico da época. “As construções encontradas em sítios como Meguido, Hazor e Guezer foram inicialmente datadas do século X a.C. e atribuídas a Salomão, filho de Davi. Mas, a partir de análise mais precisa pelo método do carbono, concluímos que a maioria dos vestígios pertence ao século IX e que é obra da dinastia oriunda de Israel Norte”, descreveu o arqueólogo como outro exemplo e reforçando provocações que já detalhou em seus livros sobre se houve de fato um êxodo ou se existiu a conquista de Canaã ou, ainda, se Davi e Salomão governaram um grande império.

É possível que muitos textos escritos no antigo Israel e Judá tenham utilizado tinta em papiro. Mas esses documentos, principalmente administrativos e literários, eram perecíveis e não sobreviveram ao longo dos milênios. Os únicos textos que suportaram o clima desértico foram escritos com tinta em peças de cerâmica (ôstraca). As principais ôstracas foram descobertas nas escavações de Samaria, Laquis e Arad.

“Até agora não se achou nada do império de Davi e Salomão, ou nada que tinha essa dimensão. Uma grande descoberta, por outro lado, foi a expansão da cidade de Jerusalém no século VII a.C. Isso é bem visível nas escavações que revelam o aumento populacional em Jerusalém nessa época, a existência de moedas, selos administrativos e recipientes de óleo de oliva, o que demonstra uma economia florescente. Em poucos anos, a população de Jerusalém aumentou de mais ou menos mil habitantes a 10 ou 15 mil”, interpretou o professor da Metodista José Ademar Kaefer, que intermediou as apresentações e demarcou as fronteiras das duas áreas:

“A arqueologia não deve se preocupar em fundamentar a Bíblia. Deve ser uma ciência independente, que se ocupa de estudar culturas passadas. O erro dos arqueólogos do passado, que em sua maioria eram clérigos ou funcionários do Estado, foi o de fazer arqueologia para fundamentar a Bíblia. Deixemos a arqueologia fazer o seu trabalho e depois os biblistas podem fazer suas interpretações”, citou professor Ademar a respeito da subjetividade que influenciou os primeiros arqueólogos.

Sucessão de assentamentos

Israel Finkelstein é professor no Departamento de Arqueologia e Civilizações do Antigo Oriente Próximo da Universidade de Tel Aviv (Israel) e diretor da Expedição Megido. O sítio de Megido é considerado a joia da coroa da arqueologia bíblica. Está situado junto à rota comercial terrestre mais importante do chamado antigo Oriente Próximo, a Via Maris. A cidade dominou o tráfego internacional por mais de 6.000 anos - de 7.000 a.C. até os tempos bíblicos --, abrigando uma sucessão de civilizações e assentamentos. Significa que muitas construções ocorreram sobre ruínas de templos, palácios e fortificações de antecessores, criando um legado arqueológico de 26 multicamadas.

Entre outras obras, Filkelstein lançou “The Bible Unearthed”, "David and Solomon" e "The Forgotten Kingdom". 

Assista à entrevista que o professor concedeu à Metodista:

Esta matéria foi publicada no Jornal da Metodista.
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