Sou Show Afro 2015 denuncia o rotineiro racismo no Brasil
09/11/2015 17h19
Como havia ocorrido no primeiro semestre deste ano com a jornalista e comentarista do tempo no Jornal Nacional Maria Júlia Coutinho, a Maju, a hashtag #SomosTodosTaísAraújo foi o assunto mais comentado em 1º de novembro no Twitter em solidariedade à atriz Taís Araújo, vítima de xingamentos em seu perfil no Facebook no último 31 de outubro. Mas onde estão outros trendigs topics como “SomosTodosContraaEvasãodosMeninosNegrosdasEscolas” ou então “SomosTodosContraoAltoÍndicedeNegrosnoMapadaViolênciaBrasileira”?
Essa provocação da mestre em Educação Telma Martins, pesquisadora na área étnico-racial, deu o tom de denúncia nas apresentações da 12ª edição do Sou Show Afro 2015 da Universidade Metodista de São Paulo na noite de 6 de novembro. As intervenções na forma de palestras, vídeos e apresentações artísticas mais uma vez trouxeram ao palco do Salão Nobre advertências sobre o contumaz preconceito contra a raça negra, que soma mais da metade da população brasileira. Não à toa o tema central “Nós temos um Sonho” colocou no plural o famoso discurso “I have a dream” do líder negro norte-americano Martin Luther King.“Onde está a base desse racismo? Em nós adultos, que o passamos para nossos filhos. Precisamos investir na formação desde pequenos, fazendo com que a criança organize seu espaço já nas escolas”, disse a educadora Telma Martins, que também trabalha em doutorado sobre Educação e Diversidade com foco na criança negra. O processo de “branqueamento” dos negros imposto pela supremacia branca, como ela define, precisa ser combatido desde creches e ensino infantil, onde a educadora diz ter presenciado diferenças no carinho dispensado em maior grau às crianças brancas, que também têm mais imagens e fotos em murais nas escolas.
Conforme Telma Martins, o investimento na negritude passa por valorizar as características próprias do corpo da raça negra. Nesse momento subiu ao palco grupo de crianças com cartazes enaltecendo os cabelos encaracolados, lábios carnudos e narizes grossos, reivindicando justiça e paz, defendendo a amizade e diversidade.
Dia Nacional da Consciência
Na abertura do evento a professora Cláudia Cezar, coordenadora do Núcleo de Arte e Cultura da Metodista, citou que a pauta do NAC nestes 10 anos completados em 2015 sempre foi a de respeito à diversidade humana e cultural e que o Show Sou Afro, já na 12ª edição anual, visou à reflexão mais detalhada da consciência negra e o resgate da sua autoestima. “Num país que decretou o fim da escravidão, continuam a discriminação e a opressão”, alertou.
Na mesma linha seguiu o coordenador do Núcleo de Formação Cidadã da Metodista (NFC), professor Oswaldo de Oliveira Santos Junior, lamentando que somente em 2003 tornou-se obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas públicas e particulares, do Ensino Fundamental ao Médio, por meio da lei 10.639/03. Esse dispositivo estabeleceu o 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra e buscou ampliar as discussões sobre a até então condição inerente à pele negra, a escravidão. Professor Oswaldo lembrou de muitos negros intelectuais e figuras históricas, como Zumbi dos Palmares, Luiz Gama, Solano Trindade, Luther King e Nelson Mandela.
Brancos e negros no pódio
O poeta, pintor e teatrólogo Solano Trindade foi homenageado por Rodolfo Panico e Nina Mancin com a declamação do poema “Tem Gente com Fome”, seguida do painel “We have a dream” apresentado por Fagner Pereira dos Santos, aluno de Teologia e pesquisador de música gospel e a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos.
Fagner contou a história do maior velocista nos 200 metros da Austrália, Peter Norman, que na Olimpíada do México em 1968 ficou em 2º lugar entre dois negros (Tommie Smith em 1º e Jonh Carlos em 3º) e apoiou publicamente o gesto-protesto de punho cerrado dos dois concorrentes em cima do pódio. “O sonho de Luther King aconteceu: meninos e meninas negras uniram as mãos com meninos e meninas brancas”, afirmou Fagner dos Santos ao som de “Glory” cantado pelo Coral Gospel. A música foi tema do filme Selma-Uma Luta pela Igualdade, que narra a militância de Luther King pelos direitos civis dos negros nos EUA.
O 12º Sou Show Afro também contou com apresentação de Fernanda Sebastião Tavares, presidente da Associação dos Estudantes Angolanos em São Paulo, que abordou a cultura angolana a partir da música e da dança. Diolino de Brito, mestre em Ciências da Religião, mestre de capoeira e autor do livro “A cor de Caim”, tratou da escravidão da alma cativa e do corpo liberto a partir da relação com a cultura. Outras ações artísticas foram feitas por Maria Inês Breccio (conto africano), Neusa Cezar (música), Associação dos Estudantes Angolanos em São Paulo (música e dança) e Grupo Sol Capoeira Brasil (capoeira e samba de roda).
Esta matéria foi publicada no Jornal da Metodista.
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