O mundo mudou e a sala de aula nunca mais será a mesma
11/12/2014 10h25
Um aluno não é igual ao outro, o tempo e a forma de aprendizagem também não. É muito comum, alunos que aprendem com mais facilidade se desligarem na classe e ficarem desmotivados para o ensino. Para muitos educadores, essa situação é resolvida com o flipped classroom, ou sala de aula invertida, um método que inverte a lógica da organização da sala de aula.
Os alunos aprendem conteúdos em suas casas usando vídeos, smartphones, arquivos de áudio, tablets e outros recursos interativos, e deixam para tirar dúvidas, realizar projetos, fazer exercícios ou atividades em grupo na sala de aula. O professor aproveita para tirar dúvidas, aprofundar temas e estimular discussões. Os estudantes atualmente já estão ligados às questões tecnológicas, mas agora chegou a vez dos professores pensarem seriamente em novos métodos de ensino.
Os alunos estão se afastando do modelo formal da sala de aula, como provam os números: tivemos um milhão e cem mil alunos na graduação a distância no Brasil em 2012, com um percentual anual de crescimento que corresponde ao dobro do ensino superior presencial. O que está errado? “Os alunos não aguentam mais o modelo tradicional de ensino. A aula nos moldes antigos está dificultando a aprendizagem significativa. A flipped classroom é uma nova possibilidade ao lado de outras como a gamificação ou livros digitais”. A fala é do professor Luciano Sathler, doutor em Administração pela FEA/USP, diretor de Educação a Distância na Universidade Metodista de São Paulo e diretor da Associação Brasileira de Educação a Distância – ABED. Acompanhe sua entrevista:
Os cursos a distância estão crescendo muito no Brasil?
Sim, o Brasil ultrapassou a marca de um milhão de alunos matriculados em cursos de graduação na modalidade a distância. É o resultado de um crescimento que chama a atenção, pois em menos de uma década houve um salto de 59.611 estudantes (2004) para 1.113.850, de acordo com o Censo de Educação Superior 2012 divulgado pelo MEC. A Educação a Distância (EAD) é a escolha de 15,8% dos mais de sete milhões de alunos em cursos de Graduação. Comparando ao crescimento no número de matrículas entre 2011 e 2012, a EAD teve um aumento de 12,2%, enquanto os cursos presenciais avançaram apenas 3,1%.
E como está essa distribuição de alunos?
O País tem 2.416 instituições de ensino superior, sendo 304 públicas e 2.112 particulares, mas apenas cinco universidades e centros universitários concentram mais de 40% do total de matriculados em cursos de graduação a distância. Podemos explicar esse fenômeno quando se percebe a imensa janela de oportunidade que o setor de Educação apresenta atualmente.
Essa demanda também exige mudanças não é?
O grande problema do ensino hoje em dia é que continuamos com um modelo de educação criado na Era Industrial e estamos na Sociedade da Informação e Inovação. Tudo foi pensado para a Era Industrial, a arquitetura dos espaços de aprendizagem, o material didático, a formação dos professores, a metodologia adotada e os resultados que visavam a alta capacidade de repetitividade. Hoje não é mais assim, o pensamento crítico é valorizado e não mais a ‘decoreba’, a repetição de modelos ficou no passado, agora são diferentes demandas do mercado de trabalho, relações sociais marcadas pela complexidade e mudanças na forma como as pessoas aprendem. Muitas escolas e universidades ainda estão estruturadas para o modelo anterior, com fortes traços culturais medievais, dando ênfase no saber enciclopédico e tratamento igual a todos os estudantes. E isso sem falarmos de outros problemas sérios como a não valorização do professor, a falta de infraestrutura. Quanto às chamadas competências para o século 21, ainda faltam mais e melhores iniciativas.
Qual a proposta da Sala de Aula Invertida?
A proposta é colocar o aluno para assimilar a parte expositiva em conteúdo fora da sala de aula e o professor utilizar o tempo na classe para aplicação simulada do conteúdo e tirar as dúvidas do aluno. Com essa metodologia você faz uma avaliação de aprendizagem baseada no que o aluno realmente aprendeu e não o que ele decorou. O conceito e o seu significado no contexto do aluno serão aprendidos corretamente. Os professores poderão criar situações de aprendizagem em que os estudantes possam aprender fazendo, experimentarem para verificar a validade do que assistiram nos vídeos, interagirem objetivamente com os colegas e professores, o que ajuda a melhorar a compreensão e o desenvolvimento de novos conhecimentos.
A sala de aula invertida está sendo usada na Educação Básica e na Superior. A tendência é ampliar o seu uso?
Acredito que o avanço desta metodologia deve desembocar na televisão educativa sob demanda. Cada escola ou universidade terá seu próprio canal de TV digital ou fará parte de redes televisivas educacionais, onde as aulas ao vivo ou pré-gravadas poderão ser acessadas gratuitamente ou compradas. O aluno poderá se interessar em receber aulas articuladas ao redor de temas, tais como meio ambiente e sustentabilidade, cidadania ou robótica. As abordagens pedagógicas mais aceitas e comprovadas hoje em dia revelam que a aprendizagem significativa depende não apenas da adoção de novas tecnologias, mas também da mudança das metodologias, de professores mais valorizados e capacitados, maior envolvimento das famílias e a participação das comunidades na educação das crianças, adolescentes e jovens.
O que é necessário para a aplicação desse método?
A aplicação desse método parece simples, mas para ser feita corretamente pede um projeto pedagógico, um grande esforço na capacitação dos professores e uma nova lógica no espaço da sala de aula. A escola tem que ser repensada. Veja o exemplo da Escola Municipal André Urani, no Rio de Janeiro, localizada na Rocinha. Há algumas escolas fazendo experiências, mas é preciso aumentar esse número.
No Exterior esse método é muito usado?
Nos Exterior é bem diferente. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde as escolas são organizadas por distritos, há distritos inteiros com essa modalidade usando plataformas como a Edmodo ou a Khan Academy.
Quais são as vantagens?
Os resultados da aprendizagem com a sala de aula invertida são sempre melhores quando utilizados corretamente. Os alunos não aguentam mais o modelo tradicional de ensino. A aula no modelo antigo está dificultando a aprendizagem significativa. A SAI é uma nova possibilidade ao lado de outras como a gamificação, livros digitais e outras plataformas de ensino. Fica mais fácil criar situações de aprendizagem em que os estudantes possam aprender fazendo, experimentarem para verificar a validade do que assistiram nos vídeos, interagirem objetivamente com os colegas e professores, o que ajuda a melhorar a compreensão e o desenvolvimento de novos conhecimentos.
As escolas estão acompanhando muito lentamente as mudanças?
Estamos vivendo um momento de mudanças no ensino, mas o processo ainda é lento. Vejo muitos esforços, tanto dentre as escolas privadas quanto públicas, mas o desafio é grande demais. A ABED tem aberto espaço para essas discussões em seus congressos e encontros.
O que mudou no papel dos alunos?
O aluno deve ser uma parte dessa metodologia mais ativa de ensino, principalmente porque ele também é uma possibilidade de produção de conteúdo, ele pode agregar outras informações. Há muita coisa disponível, o papel do professor incluir a curadoria, indicar os melhores caminhos para chegar à aprendizagem. O professor deve trazer o aluno para esse espaço dialógico, para que ele assuma este novo papel de contribuir com os docentes. Claro que o papel do professor continua diferenciado, ele tem condições de desenvolver pensamento crítico mais aprofundado em relação ao conteúdo e deve passar isso ao aluno, para que ele também desenvolva o seu.
Quais são as nossas maiores carências?
Temos muitas carências. Na questão do aprendizado, hoje ninguém mais pode parar de estudar. Faltam professores formados nas áreas importantes, tais como Física, Química e Matemática. Mas eu tenho esperança, nós, brasileiros, temos facilidade para incorporar coisas novas e colocar em prática. O que mais falta hoje é a vontade política e desenvolver novas competências na gestão para mudar.
Fonte: Abrelivros