A universidade na berlinda
26/11/2014 16h55
Em meio a uma crise de conceito, a universidade precisa descobrir o que fazer para continuar como geradora e disseminadora de conhecimento”, disse o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), durante sua palestra magna “A Universidade na Encruzilhada”, que aconteceu nesta quarta-feira (12/11) no Anfiteatro Luiz Rachid Trabulsi, no Instituto de Ciências Biomédicas III (ICB-III), na Universidade de São Paulo (USP). Durante o evento, mediado pelo professor e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB), Isaac Roitman, o professor e ex-reitor da UnB defendeu a reforma universitária para recuperar a dinâmica da universidade e assim torná-la mais ágil e veloz para enfrentar os desafios contemporâneos.
“A crise que a universidade vive atualmente é mais profunda do que a falta de recursos. A universidade vive uma crise de conceito. Neste momento de mutação da civilização, é preciso se perguntar como fazer para que a universidade não perca seu papel. É preciso trabalhar para que ela não fique superada e deixe de ser a geradora e divulgadora de conhecimento de nível superior, passando este papel para outras entidades”, observou.
Ao levantar a preocupação da perda de espaço, o senador lembrou que no passado a universidade ganhou espaço após os conventos deixarem de serem os geradores do saber. “O conhecimento dos conventos entrou em crise quando o ocidente começou a descobrir os textos clássicos que se chocavam com os textos teológicos, que amarravam o pensamento”, disse. E completa, “hoje a universidade corre este risco. Basta olharmos para vermos outras entidades, produzindo, ensinando, estudando, pesquisando, coisas de nível superior fora das universidades. São as famosas universidades corporativas, que são mantidas por institutos de pesquisas de empresas, certas Ongs de reflexão”.
Na opinião de Buarque, três razões provocaram a crise atual. “A primeira razão é a velocidade com que o conhecimento é gerado fora do campus. O segundo motivo é a perda de velocidade de disseminação deste conhecimento. Quando surge algo há uma divulgação instantânea sem passar por dentro da universidade”, disse ao lembrar que quando as Américas foram descobertas, as universidades tiveram tempo para definir a nova geografia. E hoje quando algo é descoberto, chega ao conhecimento público de forma instantânea.
A terceira razão, aponta o senador, é a crise ética. “O poder do conhecimento é capaz de mudar até mesmo a realidade geológica, as características climáticas e biológicas das espécies. Isso exige uma ética reguladora, porque sem ela vamos caminhar para um conhecimento a serviço de uma parcela da população e usada em benefícios dos ricos das gerações atuais, destruindo o que as próximas gerações deveriam utilizar”, disse.
Reestruturação
Na opinião de Buarque, é preciso que a universidade passe por uma reestruturação. Segundo ele, entre tantos problemas a serem enfrentados existe também o apego conservador da comunidade universitária que freia as mudanças necessárias.
“Novos temas surgem e não sabemos como adotá-los, porque eles não se enquadram nos departamentos tradicionais. Alguns cursos ficam obsoletos e não se sabe o que fazer com eles”, disse lembrando que quando reitor da UnB teve muita dificuldade para criar o departamento de Ciências da Computação.
Buarque criticou o sistema de organização dos departamentos, por considerá-los isolados e contrapôs como alternativa a formação de núcleos de disciplinas organizados por temas. “A estrutura multidisciplinar é fundamental para trazer temas novos para dentro da universidade. Os núcleos multidisciplinares são o berço de novos conhecimentos. Mas, prisioneira dos departamentos, a universidade demora a adotar temas que exigem a complexidade da multidisciplinaridade”, disse.
A duração de alguns cursos também foi abordada pelo senador. “Há cursos que exigem cinco anos para formar um profissional, quando no computador já se consegue resolver os problemas para os quais ele foi formado. Quando me formei em engenharia demorava cerca de cinco horas para resolver um problema. Hoje o mesmo problema é resolvido em poucos minutos/segundos. Ou seja, é preciso ter flexibilidade na duração dos cursos. Não se justifica demorar hoje o mesmo tempo para formar um profissional que demorava antes para oferecer um curso cuja aprendizagem pode ser conquistada em tempo menor, graças ao uso do computador e de outras técnicas pedagógicas”, disse.
O senador argumentou que cursos diferentes precisarão de duração mais flexível e defendeu tempo mais curto para os doutorados. “Uma tese de doutorado leva quatro anos, quando pronta já está superada. Não podemos ficar fazendo pesquisas bibliográficas se hoje há instrumentos que permitem fazer isso em horas. É preciso mudança “, observa.
Diante de tanta mudança e tecnologia, Buarque afirma que o aprendizado deve ser permanente. “Não dá mais para ter o conceito de ex-aluno”, disse Buarque, ao avaliar que hoje, dizer que está formado só tem sentido para inscrição em lápide do túmulo. “Para que o profissional se mantenha na vanguarda do conhecimento de sua área, é preciso que não pare seu curso até o último momento de sua carreira. Isso é fundamental na Medicina, exemplifica. Raramente foi na universidade que o médico aprendeu a usar seus equipamentos ou a receitar seus remédios”, observa. “O diploma não deveria ser mais permanente e por isso, o profissional deve continuar se atualizando para não se tornar obsoleto também”, disse.
Buarque disse ainda que é preciso buscar a qualidade nas instituições e que é preciso uma reforma no conceito de estabilidade. “A estabilidade não deve ser plena e sim ser responsável, subordinada a avaliações”, avalia. “É preciso estabilidade do professor em relação ao estado, ao prefeito, ao governador, ao reitor, mas é antiuniversitária a estabilidade plena que garante o emprego, mesmo quando o professor não se prepara, não continua estudando, não dá aula, não cumpre seu papel”, afirma.
(Vivian Costa/SBPC)