Israel - Beerseba - A
Localização
O nome da cidade sobrevive na atual localidade de Bîr es Seba. Localiza-se a 77 km a sudoeste de Jerusalém e a 45 km de Hebron, aproximadamente a meio caminho entre o Mediterrâneo e o extremo sul do Mar Morto. Fica a 3 km a oeste do local original do Primeiro Testamento, correspondendo atualmente ao Tell es-seba.
Beerseba encontra-se no limite entre a terra cultivada e o deserto do Negueb ao sul; tem uma altitude de aproximadamente 300 metros acima do nível do mar; as montanhas de Judá (aproximadamente 700 m) encontram-se ao norte de Beerseba. A antigüidade da ocupação e sua importância regional vinham da abundância de água, caso único na região circundante, na qual não havia outros locais de ocupação. O oásis de Beerseba era o ponto de convergência das vias seguidas pelas caravanas que iam do deserto para os mercados das montanhas centrais e para a planície costeira. A aldeia devia sua importância à sua posição sobre a rota comercial para o Egito e para a terra do edomitas.
Beerseba é uma cidade no deserto sul de Judá, mais conhecida por sua associação com as mães e os pais bíblicos, e como o extremo sul do território israelita, mostrado na fórmula “de Dan a Beerseba” (Juízes 20,1; 1Samuel 3,20). O nome vem do hebraico be’er xeba‘ e significa “poço das sete” (ovelhas) ou “poço do juramento” (Gênesis 21,31).
Beerseba na Bíblia
Esta localidade aparece nos textos do tempo das mães e dos pais. As tribos israelitas, em especial a Grande Judá, veneram este local como lugar de culto. A lembrança de Isaac está ligada ao local, onde construiu um altar e cavou um poço. “De lá Isaac subiu a Beerseba. Javé lhe apareceu naquela noite e disse: ‘Eu sou o Deus de teu pai Abraão. Nada temas, pois estou contigo. Eu te abençoarei, multiplicarei tua posteridade em consideração a meu servo Abraão.’ Ali ele construiu um altar e invocou o nome de Javé. Ali ele armou sua tenda. Os servos de Isaac cavaram um poço.” (Gênesis 26,23-25) Foi aqui que Isaac fez um juramento e uma aliança de paz com Abimelec. Nesse dia, os seus servos encontraram água no poço: “chamou ao poço de Seba, donde o nome da cidade Beerseba, até hoje” (Gênesis 26,33). Isaac estava habitando ali quando Jacó partiu para Harã (Gênesis 28,10).
Aí, em Beerseba, Sara e Abraão residiram por muito tempo (Gênesis 22,19). O deserto de Beerseba foi o local onde Agar vagou com seu filho, depois que Abraão a colocou para fora da casa (Gênesis 21,14). Um dos nomes da localidade vem do fato de Abraão fazer um pacto com Abimelec e lhe oferece sete ovelhas, dizendo-lhe: “é para que aceites de minha mão essas sete ovelhas, a fim de que sejam um testemunho de que eu cavei este poço. Por isso se chamou este lugar Beerseba, porque ali ambos fizeram juramento” (Gênesis 21,30-31). Jacó, a caminho para encontrar-se com José, no Egito, ofereceu sacrifícios ao Deus de seu pai Isaac e teve uma visão noturna, na qual Deus o libertou do temor de descer para o Egito (Gênesis 46,1.5).
Segundo 1Samuel 8,1-2, Samuel estabelece seus filhos como juízes em Beerseba, o que pode supor que houvesse ali um santuário, como havia em outros lugares.
Amós adverte para não passar por Beerseba e nem fazer peregrinação, porque o castigo cairá sobre o local (Amós 5,5 e 8,14). O santuário torna-se alvo de perseguição nos momentos de reforma religiosa de Ezequias e Josias (2Reis 18,4.22 e 23,8), que queriam centralizar o culto, em Jerusalém.
Muitas vezes, nos textos bíblicos aparece a expressão “de Dã até Beerseba” (Juízes 20,1; 1Samuel 3,20; 2Samuel 3,10; 17,11; 24,2.15), o que revela a importância do lugar. A tribo de Simeão recebe como herança Beerseba (Josué 19,2) que provavelmente entraram em conflito com assentamentos urbanos (Juízes 1,17) e por fim se integraram ao grande Judá, depois da sedentarização.
Algumas referências relacionam-se com o período monárquico. É a região que Javé prometeu a Davi para o estabelecimento de seu trono (2Samuel 3,10), e ele escolheu o local para fazer o recenseamento (2Samuel 24,2.7.15); é o território proposto por Cusai para organizar a luta de Absalão contra Davi (2Samuel 17,11). É para Beerseba que Elias foge e deixa lá seu servo (1Reis 19,3).
Depois do exílio da Babilônia, Beerseba e suas vilas foram reocupadas (Neemias 11,27).
Arqueologia de Beerseba
O antigo nome é preservado no árabe Bir es-Seba. Refere-se à área perto da extremidade do Wadi es-Seba, localizado no centro moderno industrial de Beerseba
Muitos arqueólogos trabalharam nesse local. Robinson (1901) encontrou aí sete poços. As escavações nos anos 60 do século passado em Bir es-Seba revelaram uma ocupação da idade de ferro além das ruínas romanas e bizantinas. Alternativamente, as escavações no Tell Beerseba de 1969-1974 e 1976, sob a direção de Aharoni Herzog, descobriram um centro administrativo bem planejado, com diversos estratos entre o 10º e o 8º séculos a.C. Uma carta encontrada em Arad (7º século a.C.) refere-se a Beerseba, mas provavelmente não se refere à fortaleza; a carta pode referir-se ao povoamento em Bir es-Seba, 4 km a oeste do tell. Beerseba pode ter sido um local com uma cidade real e um povoamento civil mais a oeste no do wadi.
Sítios calcolíticos
Foi encontrada uma significativa e florescente cultura calcolítica, ao longo dos bancos de areia do Wadi Abu Matar (Perrot 1955). Estes locais mostram de três a quatro fases de ocupação durante o período do 4º milênio (3500 até 3000 a.C.). A partir da descoberta destes locais em 1950, outros locais similares foram descobertos ao longo dos bancos de areia do wadi, indicando a existência de uma cultura regional na bacia do wadi Beerseba.
Alguns dos povoamentos de Beerseba parecem ter usado alguma técnica artesanal, tal como trabalho em metal e escultura em marfim e osso. No local, foram produzidas estatuetas de marfim, com figuras masculinas e femininas, em um estilo original e único. As cerâmicas encontradas tinham uma pintura simples, como faixas largas em vermelho e desenhos geométricos como triângulo. Vasos de basalto bem trabalhados eram considerados como objetos preciosos, pois eram comercializados. “As únicas instalações conhecidas de indústria de cobre no Levante no quarto milênio a.C. forma encontradas na região de Beerseba.” Estes locais adiantados, entretanto, não têm nenhuma associação com as narrativas bíblicas. Por volta de 3300 a.C., esta região foi abandonada e permaneceu desocupada em épocas subseqüentes. Nenhuma evidência de violência foi encontrada e as razões para a deserção ainda são uma incógnita.
A idade de ferro
Na cidade bíblica, foram descobertas ruínas da idade de ferro logo abaixo dos assoalhos da ocupação romana e bizantina.
Em 1969, Aharoni inicia uma série de escavações no tell de Beerseba e identificou nove estratos da idade de ferro, com a evidência adicional para o período persa, helenista e herodiano.
Estrato IX - Os mais antigos estratos foram localizados somente no setor sudeste do tell. Um desenvolvimento gradual foi observado do século 11 a.C. em diante. O mais antigo povoamento está ligado a cavernas e poços escavados no monte. Estes poços não tinham forma uniforme; alguns provavelmente foram usados para o armazenamento de grãos. Alguns destes poços e cavernas subdivididos por muros e terraços indicam áreas específicas da atividade agrícola. A descoberta de cisternas revela que os agricultores viviam, provavelmente, em tendas e cabanas pobres. A cerâmica associada a este nível sugere uma data no fim do 12º século ou mais tarde, no 11o século a.C.
Estrato VIII - As escavações datam este estrato nos meados do 11º séculos. Uma pequena aldeia se desenvolveu nessa fase, correspondendo ao final desse século, período possivelmente correspondente ao tempo que os filhos de Samuel aí residiram (1Samuel 8,2). A coleção de cerâmica é pequena e as peças parecem mais relacionadas àqueles do estrato IX. Os habitantes começaram a fazer construções mais consistentes com fundações de pedra. Os restos encontrados mostram um uso continuado dos poços e das cavernas do período anterior.
Estrato VII - Esse estrato poderia se localizar na primeira metade do 10º século, período em que os israelitas começaram a desenvolver uma cultura urbana. O advento da monarquia causou mudanças na estrutura sócio-econômica da sociedade e, em conseqüência, um novo padrão de assentamento foi formado. Trata-se da fase inicial da urbanização, embora essas cidades ainda não tivessem densamente edificadas nem com grande população.
Uma área significativamente maior do estrato VII foi descoberta e foram achadas evidências de uma plantação local organizada, com uma aldeia de 3000 metros quadrados que incluía cerca de vinte casas compactamente organizadas em torno de um espaço aberto central. As construções (tipicamente variações da casa dos quatro quartos) foram construídas em forma circular no perímetro urbano, estando as paredes do fundo conectadas para garantir um sistema básico da segurança. As casas abrem-se para dentro, para uma área aberta onde os rebanhos e as pessoas podiam pernoitar. Outros edifícios ficam fora do muro e do portão e do espaço urbano. Uma porta permite o acesso para dentro da construção. Uma canaleta de drenagem passava através da porta, mas não há nenhuma evidência que levava águas para algum poço.
O poço à entrada da cidade parece ter existido durante este estrato. No entanto, não é possível determinar quando o poço foi escavado. A única possibilidade, para determinar sua data, seria escavar bem fundo, mas após a escavação de 28 m. sem alcançar o fundo, foi julgado necessário abandonar a operação. As escavações sugerem que o poço esteve escavado no estrato IX. Não há, entretanto, nenhuma evidência para atribuir o poço ao período de Sara e Abraão.
Estrato VI - Este estrato difere significativamente do precedente. A planta da casa dos quatro quartos é evidente em somente um edifício da área escavada. E, além disso, os edifícios são pobremente construídos. Algumas construções serviram-se de partes das ruínas de estratos mais antigos. A coleção de cerâmica é razoavelmente grande, podendo ser datada no 10º século.
Estrato V - A principal mudança no estrato V consistiu no trabalho de nivelar o tell e construir um sólido e grosso muro (4 m). Ele subiu em base a uma fundação de pedra sobre o qual assentaram-se os tijolos. O sistema do muro foi protegido por uma técnica especial, misturando terra, pedras pequenas e cinza, dando-lhe estabilidade. No pé do sistema, um profundo fosso foi escavado de mais ou menos 3-4 m. O portão da cidade foi encontrado no lado sudoeste e media 21 m por 21 m. O portão foi planejado de modo a dar um acesso indireto à cidade entre um portão externo, localizado na encosta do cômoro, e um portão interno, situado no cume do cômoro, para garantir a segurança da cidade. Ele tinha três portões. Após a descoberta deste portão de três entradas, Aharoni (1974) passou a acreditar que o sistema defensivo em Beerseba vem da época de Davi.
Estrato IV - Uma cidade nova foi logo reconstruída sobre as ruínas do estrato V, que utilizou a sólida fortificação dos muros. Aharoni sugere que por causa da similaridade da coleção de cerâmicas do estrato IV com aquela do estrato V, o estrato IV foi destruído logo após o fim de V. Data dos inícios do 9º século, sendo o contexto histórico do reinado de Asa.
Estratos III-II - Durante os séculos 9º e 8º a.C., a cidade foi bem planejada e passou por diversos estágios de desenvolvimento. Nenhuma destruição significativa separa os estratos III e II. A fortaleza dos estratos III e II consistia em um muro de casamata sobre as ruínas do muro construído nos estratos anteriores. A espessura do muro em sua largura maior é de 1.6 m. (exterior) e um de 1.4 m para o muro interno.
Um novo portão, com três entradas, ergueu-se acima das ruínas mais antiga. O sistema de drenagem coletava a água do interior da cidade para o poço perto do portão, que já tinha existido nos estratos mais antigos.
Entrando pelo portão, encontra-se um espaço aberto, algo como uma praça (12m x 20m) e uma rua circular paralela ao muro da cidade. O edifício predominante era a casa de quatro quartos, enquanto três armazéns estavam à direita. Trata-se de edifícios com pilares de natureza pública, com finalidade de armazenar grãos, azeite e vinho. Essas estruturas indicam a função da cidade como centro administrativo no Negueb setentrional, responsável pela coleta e redistribuição de produtos agrícolas em função do estado. Foram encontradas grandes coleções de cerâmicas, incluindo potes para armazenar mantimentos e vasilhas domésticas, panelas, jarros, frascos etc.
Uma significativa descoberta é a escavação de um grande altar encontrado desmantelado, revelando a existência de um local de culto em períodos anteriores. Três blocos de pedras preservaram a forma dos grandes e típicos chifres do altar, enquanto um quarto mostra que o chifre tinha sido partido. Outras pedras levam a imagem de uma serpente. As pedras adicionais, que tinham sido também peça do altar, foram encontradas mais tarde associadas com o reparo do estrato II; algumas destas mostram evidentes sinais de fogo em suas superfícies. Este último nível foi destruído no final do século 8 ou início do século 7 a.C. Conseqüentemente, o altar deve ter estado em uso desde mais cedo, durante os séculos 9 e 8 a.C., e poderia ter sido conhecido por Amós (5,5). Aharoni afirma que o altar e o templo foram desmontados como parte das reformas de Ezequias (2Reis 18,3-4.22).
Yadin (1976) descreve que esse altar foi posteriormente reconstruído, no estrato II. Ele existia à esquerda do portão da cidade de Beerseba. Foi levantado no pátio da construção, associado aos quartos onde se colocavam os animais, que eram ali oferecidos. As escavações revelam que esse local era de acesso restrito ao resto da construção.
A destruição em grande escala das cidades de Judá por Senaquerib em 701 a.C pode ser observada em diversos sítios. Nos anais de Senaquerib, aparece que ele capturou 46 cidades fortificadas em Judá, a maior parte dos quais ficaram sem nome. Beerseba foi destruída nessa época e permaneceu praticamente desabitada durante todo o 7º século. Nas escavações do portão II foi encontrado um selo real estampado no trinco.
Estrato I - Após sua destruição, o local foi fortificado pela reparação do muro de casamata com um muro alternando camadas de terra e de pedras pequenas. Nenhum edifício no interior foi construído; as perguntas são levantadas a respeito de por quê o local foi re-fortificado. As escavações datam o 7º século a.C. O povoado, neste tempo, talvez tenha mudado para oeste, no local do wadi (isto é, Bir es-Seba).
3 - Idade do pós-ferro
Restos que foram encontrados do período persa, como na maioria de locais em Palestina, consistiram em pedaços de carvões de pedras e silos, datados da metade do 4º século. Dois séculos mais tarde, um pequeno forte helenista foi construído no local. Durante o período herodiano, uma grande estrutura de palácio com áreas específicas (por exemplo, casa de banho) foi construída no lugar. No pátio dessas construções herodianas, foi encontrada uma moeda de César Augusto. O lugar foi totalmente abandonado depois do período romano.
Bibliografia
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