Protestantismo atrai com discurso de reconhecimento, afirma estudiosa da Universidade de Strasbourg
29/09/2016 15h40
Dar atenção e acolhimento pessoal, além de amplificar no púlpito palavras do Evangelho com alta temperatura emotiva, formam os elos da corrente que arregimenta número crescente de protestantes no Peru. A conversão de fiéis já faz com que 10% da população peruana sejam protestantes, 7,2% a 8% deles pentecostais. A auto-realização pessoal e social por via religiosa atinge sobretudo a população mais carente, em situação de exclusão e pobreza.
“A conversão massiva ocorre em sociedades castigadas pela exclusão social, racismo e humilhação, que lutam por um reconhecimento social. Esse reconhecimento devolve a identidade e o respeito a essa população. Os protestantes exploram a deficiência de acolhimento e assistência dos católicos”, explicou professora Véronique Gauthier, da Universidade de Strasbourg, França, em sua exposição sobre El Protestantismo de Conversion em el Peru, durante conferência na XX Semana de Estudos da Religião da Universidade Metodista de São Paulo.
A estudiosa tomou como referência a “Teoria do Reconhecimento” desenvolvida pelo filósofo e sociólogo alemão Axel Honneth para explicar os números da população peruana protestante, que estão defasados, pois datam de 2004, segundo o US State Department's International Religious Freedom Report. Conforme essa teoria, a conversão se dá por três vias: reconhecimento do amor (cultos com muita emotividade e pregação da igualdade e fraternidade), reconhecimento de direitos e de identidade (fazendo com que a pessoa se sinta parte de um grupo e é importante no contexto social) e reconhecimento de solidariedade (o que eleva a auto-estima com a valorização pessoal).
“Os evangélicos estão incluídos cada vez mais nos partidos políticos como forma de valorização, ao lado da mulher, dos deficientes e negros”, citou professora Véronique em sua abordagem na noite de 28 de setembro.
Mercado religioso e compensação
A “Teoria do Reconhecimento” explicaria a crescente conversão religiosa depois que outras duas correntes não souberam explicar alguns paradoxos. A primeira – “Teoria do Mercado Religioso” – define as igrejas como empresas e os convertidos como consumidores religiosos, instalando-se nos melhores endereços centrais e em edifícios atraentes ao público de poder aquisitivo. “Mas como explicar a generosidade de fiéis que são esclarecidos e consumidores racionais?”, perguntou a estudiosa.
A segunda corrente – “Teoria da Compensação” – usa a religião como solução para situações de desajuste individual ou coletivo decorrentes de pobreza, exclusão social e crise econômica, com igrejas instalando-se majoritariamente nas periferias; “Como explicar, neste caso, o êxito da leitura e entendimento do Evangelho por parte de analfabetos funcionais que habitam essas regiões?”, indagou Véronique Gauthier, como paradoxo dessa teoria.
Por isso, a “Teoria do Reconhecimento” explicaria a alta adesão ao protestantismo, numa espécie de protesto político pela situação de exclusão e pobreza e a busca por um lugar no contexto social. Uma das igrejas com maior êxito nessa linha é o Movimento Missionário Mundial (MMM), que atua sobretudo com presos e drogados e enfatiza em suas atividades princípios bíblicos de amor fraternal, unidade espiritual, amizade, respeito mútuo, cooperação, comunhão, fraternidade e igualdade. “Ou seja, uma experiência de amor e simbiose que a igreja católica não fornece”, acrescentou.
Segundo a professora da Universidade de Strasbourg, as igrejas nascidas após a Reforma Protestante foram favorecidas por esse processo de identificação e reconhecimento dos convertidos porque, como Martinho Lutero, romperam com hierarquias. O pastor fala o mesmo idioma do fiel, é casado e tem filhos como todos e vive o mundo mundano. “Os convertidos acham que qualquer pessoa comum pode um dia chegar a líder a pastor, ter acesso à hierarquia da igreja”, concluiu.
A Semana de Estudos da Religião de 2016 aborda os ‘500 anos da Reforma Protestante: Críticas e Perspectivas’. Além de conferências, instalou várias mesas redondas e grupos de trabalho. Entre os temas em discussão estão Protestantismo Evangélico: Perspectivas Latino-Americanas, Radicalizando a Reforma, As Interpretações Bíblicas da Reforma, Espiritualidades Plurais da Reforma, A Reforma Protestante e os Outros.
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Esta matéria foi publicada no Jornal da Metodista.
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