Ainda haverá primavera do lado de fora de nossa janela?
"O deserto e a terra se alegrarão; o ermo exultará e florescerá como o narciso" (Is. 35,1)
O livro do profeta Isaías tem a singularidade de narrar as experiências religiosas do povo judeu, antes do grande exílio da Babilônia, no exílio e depois do exílio. Nos dias atuais, seria como conhecer alguém que tivesse vivido o período anterior ao regime da ditadura militar, durante ele e depois dele.
A experiência de exílio, narrada por várias pessoas que a viveram, é extremamente dolorosa e de muita saudade. Caetano Veloso tem na canção "Terra" uma frase que diz: "terra, terra, por mais distante o errante navegante, quem jamais te esqueceria". O Salmo 137 diz: "se eu de ti me esquecer, ó Jerusalém, que se resseque a minha mão direita". A saudade vem como o desejo de voltar ao passado e reviver as coisas boas experimentadas anteriormente. Que sonho ver de novo a terra natal e se alegrar... Para o profeta, vale a certeza que o deserto irá florescer, a convicção de que haverá algo novo: especialmente quando se nota tudo tão árido.
Uma reflexão de Rubem Alves sobre esperança e otimismo , diz que "esperança é o oposto do otimismo. Otimismo é quando, sendo primavera do lado de fora, nasce a primavera do lado de dentro. Esperança é quando, sendo seca absoluta do lado de fora, continuam as fontes a borbulhar dentro do coração."
Sempre surgirão profetas diante de nós a nos dizer que é preciso nutrir-se das pequenas coisas e alimentar nossa esperança. Rubem Alves ainda diz: "o otimismo se alimenta de grandes coisas. Sem elas, ele morre. A esperança se alimenta de pequenas coisas."
No meio de nossos "desertos", do descrédito nas representações políticas, do individualismo, da violência, da intolerância, da desigualdade social, dos limites de recursos em educação, saúde e habitação... Ficamos sem forças para sustentar nossa esperança, mas não creio que devamos encolher nossos sonhos e limitar nossas expectativas. Há de se crer que a vida nos foi dada para a plenitude (Jo. 10.10). Há de se buscar meios para que a vida flua e volte a acontecer com qualidade para todos.
Leonardo Boff diz que não há mais saída para seres humanos egoístas, que pensem apenas no seu bem estar. "Nosso futuro está na cooperação mútua, no cuidado mútuo e no cuidado com a terra e a natureza."
Em setembro, revivemos a primavera, estação que mexe com os nossos sentimentos. O ar se torna mais perfumado, as cores das flores nos chamam a atenção, o clima ameno das tardes mais longas nos contagiam de sentimentos bons. Sendo assim, desejo que toda esta mudança de paisagem que a natureza nos proporciona nos leve a olhar a vida com mais cuidado. Acima de tudo, que busquemos a convicção necessária para refletirmos que, assim como a natureza se renova, se transforma, se re-equilibra depois de tempos de frio e seca, nossa vida também muda. Temos força para construir novas experiências, para buscar novos caminhos. O profeta Isaias indicou à comunidade que o ouvia a visão de novos tempos, de flores inexplicáveis na terra seca. Eu creio que nós podemos vê-las também.
É fundamental crer e ter fé na vida - vida como dádiva do criador, vida plena como Jesus a quis para todos.
Autora: Revda Elena Alves Silva
- Crônica Sobre o Otimismo e a Esperança, publicado no livro Concerto para Corpo e Alma (Ed. Papirus).
- Trecho do livro Saber Cuidar (Ed. Vozes)