Victor Bigoli conta histórias de sua viagem ao norte e drama de venezuelanos que buscam refúgio no Brasil
19/04/2017 10h45 - última modificação 20/04/2017 12h06
A crise humanitária da Venezuela está se agravando e muitos cidadãos buscam refúgio no Brasil. Segundo a ONG Human Rights Watch, entre janeiro e novembro de 2016, mais de 7 mil cidadãos venezuelanos migraram para Roraima, no norte do País. A ONG ainda aponta que a falta de atendimento médico e comida são os principais motivos para a busca de refúgio.
O professor Victor Hugo de Oliveira Bigoli, coordenador do Projeto Canudos e assessor de Extensão da Reitoria da Universidade Metodista de São Paulo, fez uma viagem a Roraima no final do ano passado. Em seu percurso, o docente da Escola de Ciências Médicas e da Saúde, na área de Saúde Publica e Epidemiologia, acompanhou o drama de muitos imigrantes que buscam assistência em terras brasileiras. O objetivo da viagem foi compreender as necessidades dessas pessoas e avançar na internacionalização do Projeto Canudos, que planejará formas de auxiliar esses refugiados.
Confira abaixo os relatos escritos pelo professor durante a viagem:
Venezolanos: historias de la frontera seca
“Minha jornada começou. Vim ao norte do País para retratar e contar histórias do povo venezuelano que, ao fugir da maior crise humanitária de seu país, procura abrigo, comida e dignidade no Brasil. O destino escolhido é o estado de Roraima, o menor em número de habitantes da nossa federação.
Há dois meses programo essa viagem ao norte do País, queria ver de perto esse êxodo. A pesquisa trará embasamento para novos objetivos do Projeto Canudos e trabalhar com a imigração venezuelana é o próximo passo para a internacionalização do Projeto.
Aqui não é ponto de fuga apenas de venezuelanos, basta você andar poucos metros na capital Boa Vista para encontrar Guianenses, Surinamenses, Haitianos, Senegaleses, entre outros. Em conversas com taxistas e locais, o número de venezuelanos que cruzam as fronteiras são mais de 500 por dia. Pude observar uma aglomeração enorme deles na sede da Polícia Federal, cerca de uns 250 aflitos, famintos e sem destino.
Consegui retratar e colher histórias já no meu primeiro dia aqui em Boa Vista. Alan, um funcionário do hotel em que me hospedo, se ofereceu para me acompanhar como guia, ele é estudante de geografia e se mostra sensibilizado com a situação dos venezuelanos. Ele me levou a todos os lugares de grande concentração dos que chegam ao Brasil.
O que pude ouvir de locais e também observar é que há uma tensão no ar, muitos estão sendo coagidos e extorquidos por chefes de gangues. Não há sequer um momento em que não estão nos observando. Tenho uma mistura de sentimentos: adrenalina, medo, revolta, insegurança...
Nestes dias ainda visito Pacaraima, Santa Elena de Uiarén (já território venezuelano) e a Guiana Inglesa.”
Contatos
“Ontem foi meu primeiro dia em contato com os venezuelanos. Muitos deles buscam melhores condições atravessando a fronteira com o Brasil e chegando à capital Boa Vista, estado de Roraima. Em diversos pontos da cidade você poderá encontrá-los, nos faróis da cidade eles se misturam entre pedintes, comerciantes e lavadores de para-brisas. É fácil notar que diversos grupos étnicos estão se alojando na capital, são indígenas que chegam de barco, ex-moradores da capital Caracas e de cidades da fronteira. Alan, meu guia, abre caminhos fazendo o primeiro contato.
Muitos deles são receptivos, querem contar sua própria história, como viviam antes da crise e os sonhos de morar e se tornarem cidadãos legalizados no Brasil.”
"El futuro pertenece a Dios"
“Chegou a hora de atravessar a fronteira seca, ouvir histórias daqueles que buscam alimentação na cidade de Pacaraima. Alan, meu guia, se surpreende com a degradação da cidade: "há seis meses, essa cidade não estava suja deste jeito!”
Vejo um grande comércio a céu aberto, uma bagunça que só os venezuelanos e brasileiros de Pacaraima entendem. Comerciantes que vendem qualquer artigo se aventuram a vender alimentos, artigos higiênicos... avisto um rapaz venezuelano com um saco enorme com rolos de papel higiênico, um dos materiais escassos no país vizinho. Qualquer produto é comercializado. Do outro lado, na calçada, um garoto com um saco de sabão em pó grita desesperadamente tentando vencer os decibéis de caminhonetes venezuelanas superpotentes, daquelas que bebem litros de gasolina a cada acelerada. Uma mostra dos tempos de bonança.
Tento me concentrar, mas é quase impossível, por todos os lados vejo homens e mulheres contando cédulas de bolívares. Eu nunca na minha vida tinha visto tanto dinheiro em papel, e pouco dinheiro em valor. Eram tantas cédulas que parecia que as portas do Banco Central haviam sido abertas. O câmbio não é oficial, e muitos deles andam com malas e mochilas carregadas de notas sem valor.
Os mais necessitados, os indígenas, são que mais sofrem com a escassez. Acuados e sem ter para onde ir, amontoam-se em núcleos esperando por ajuda. Estes, nem sequer possuem bolívares.
O que percebo é que todos deverão contar com a sorte, mas nem sempre ela está por perto. Qual será o futuro da Venezuela? Talvez as crianças sejam a resposta para o que virá.”
Oscar e seus milhões de bolívares
“Na cidade de Pacaraima todo comércio se aventura a vender mantimentos. Oscar, venezuelano e funcionário de um dos estabelecimentos, me conta que passa horas ao lado da máquina de contagem de cédulas bolivarianas. "Muitos vêm com tanto dinheiro que às vezes preciso me dedicar apenas a uma venda", conta Oscar.
Pergunto a ele quanto vale um real em bolívares. "você me dá um real e eu te dou - Oscar começa a contar - cem, duzentos, trezentos, quatrocentos, quinhentos e cinquenta bolívares.
Ele fica feliz pela troca.
Eu me pergunto: como obter o mínimo quando o seu dinheiro vale tão pouco?”
Refúgio
“Todos os dias na sede da Policia Federal na capital do estado de Roraima, Boa vista, centenas de venezuelanos desesperados procuram uma maneira de se tornar um cidadão legal no Brasil. Segundo o delegado federal responsável pelo departamento de imigração, os problemas começaram a surgir no ano passado. "Muitos deles querem carta e documentação de refúgio, mas não se enquadram como refugiados. Não são perseguidos e não fogem de guerra", comenta.
O departamento de imigração tem uma dura missão, são os responsáveis por averiguar as condições de legalidade dos venezuelanos, e aqueles que não possuem documentação são deportados. "Somos responsáveis pela deportação, averiguamos e quem não está legal colocamos ônibus e escoltamos até a fronteira, lá os entregamos às autoridades locais." O delegado ainda comenta que o departamento recebe tanto críticas quanto elogios da sociedade e da mídia quando o assunto é a deportação.
Encontro diversos venezuelanos que em dias anteriores tive contato. Vejo Alex, rapaz de 18 anos que está esperançoso em obter a documentação. "Hoje eu saio com a minha carta, professor”, diz.
Minha conversa com o delegado se estende e quando saio da sede procuro por Alex. Mas sem sucesso... Espero que Alex tenha conseguido dar início à sua documentação.”