Venezuela, fotojornalismo e as tragédias de Brumadinho e Suzano são discutidos em evento do Centro Acadêmico
22/04/2019 12h44
Centro acadêmico de Jornalismo realiza evento em comemoração ao Dia do Jornalista. (Foto: Luiza Lemos)
Nila Maria
Em comemoração ao Dia do Jornalista, celebrado em 7 de abril, o Centro Acadêmico de Jornalismo Inês Etienne Romeu, da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), promoveu, na quarta-feira, 10, um encontro com duas sessões de debates. Paula Ramón e Clayton Souza compuseram a mesa da primeira sessão abordando a temática: cobertura jornalística internacional.
Crise humanitária na Venezuela
A jornalista venezuelana Paula Ramón, correspondente da Agence France-Presse, relatou sua experiência em meio à crise política, econômica e humanitárias que a Venezuela enfrenta atualmente. Destacou a dificuldade que os jornalistas têm enfrentado para fazer uma cobertura ampla da situação do país.
Um dos primeiros entraves é que o governo venezuelano estabeleceu a obrigatoriedade de um visto específico para jornalistas. Esta medida, segundo Paula, é extremamente restritiva, já que repórteres de outras localidades do mundo enfrentam uma burocracia imensa para exercer sua função, além do que o índice de vistos negados é alto. “Hoje o jornalista se tornou inimigo do governo”, afirmou.
Outro problema, na visão da jornalista, é que a cobertura da questão política e os conflitos entre governo e oposição, a que ela se refere como “FLA x FLU”, toma muito tempo dos jornalistas, impedindo a “cobertura do que realmente importa: as pessoas”.
Segundo a Pesquisa sobre Condições de Vida (Encovi – na sigla em espanhol), realizada em janeiro deste ano, mais de 61% da população da Venezuela passaram a viver em situação de pobreza extrema e, em 2017, perderam mais de 10kg por causa da fome.
Paula recordou uma reportagem escrita por ela em março de 2018 na revista piauí, intitulada “Notícias de Maracaibo”, em que relata o dia a dia na cidade onde sua família ainda vive, a 697 quilômetros de Caracas, capital da Venezuela. Para ela foi uma oportunidade única de expor a situação de crise do país para além da política: “finalmente deram um olhar sobre o que é viver sem ter o que almoçar”.
Ela também falou da falta de transparência do governo com o povo e da facilidade com que circulam notícias falsas em um clima caótico como o que vive o país. “É uma situação na qual o jornalista é muito importante”, diz Paula, lembrando que, há algumas semanas, repercutiu por meio do WhatsApp o boato de que 300 crianças haviam morrido em um hospital.
Ninguém confirmou a informação e apresentaram diversas versões e números diferentes. Destaca ainda que o desencontro de informações e a ausência de fontes confiáveis cria um clima de pânico na população.
Fotojornalismo abaixo de zero
Clayton Souza atualmente é o editor assistente de fotografia do Estadão, mas atuava como repórter fotográfico em fevereiro deste ano, quando realizou com Luciana Garbin, uma cobertura multimídia na Antártida.
Clayton registrou por fotografia e vídeos feitos com drones e câmeras 360°, a parte visual do diário da viagem. Durante 12 dias esteve imerso no continente mais inóspito do planeta, com seu território 1,6 vezes maior que o Brasil. São 14 milhões de quilômetros quadrados de área coberta por uma camada de 1,6 km de gelo. A temperatura chega a atingir -97°C.
O repórter contou que jornalistas necessitam de autorização da Marinha para ir ao continente. A instituição costuma dar preferência para pesquisadores. Foram quatro tentativas até a equipe conseguir a licença para a viagem. Além dessa questão, é necessário levar em conta os períodos de janela meteorológica, ou seja, condições climáticas favoráveis no continente, sendo que o clima bom podem durar somente alguns dias. Já o tempo fechado chega a durar bem mais impedindo a viagem.Clayton mostrou as fotografias e vídeos que fez ao longo da viagem. Demonstrou o impacto das mudanças climáticas e do aquecimento global na geografia do continente, fator que vem colocando em estado de alerta pesquisadores de todo o mundo. Ao longo das décadas é notável a diminuição de diversas geleiras e o derretimento está cada vez mais rápido, causando a elevação do nível do mar. Isso, em um futuro provavelmente não muito distante, poderá trazer consequências catastróficas para o planeta.
A segunda sessão do Encontro do Jornalismo ocorreu às 19h30, também no auditório do edifício Capa. As discussões tiveram como tema central a cobertura de tragédias. A mesa foi composta por Carol Paes, repórter da TV Diário, afiliada da Rede Globo na região de Mogi das Cruzes e do G1; Marie Declercq, repórter da revista VICE e Thais Nunes, jornalista do SBT. Elas relataram como foi cobrir o desastre de Brumadinho e o atentado à escola Raul Brasil, em Suzano, ambas as tragédias ocorridas no início deste ano.
“Confesso que chorei”
Carol Paes estava no município de Ferraz de Vasconcelos, na quarta-feira, 13 de março, quando foi notificada de que algo havia acontecido em uma escola em Suzano. Ao chegar lá, não dava para saber o que tinha acontecido. Havia policiais, cordões de isolamento, corpos e muita gente chorando. A jornalista ressalta, neste momento, a importância do tato que o profissional deve ter tanto para não violar a cena do crime quanto para não desrespeitar a dor das vítimas.
Pouco tempo depois, entrou ao vivo na Rede Globo para dar a notícia. "Reportar algo desta dimensão em rede nacional é uma responsabilidade muito grande. É preciso ter informações suficientes reunidas para não noticiar nada erroneamente e ainda manter a calma e a segurança diante da câmera", conta Carol.Em casos como esse, é fundamental manter equilíbrio entre a empatia pelos familiares das vítimas e controlar as próprias imagens. “Foi difícil cobrir tanto o dia da tragédia quanto o velório coletivo das vítimas no dia seguinte”, conta. “Confesso que chorei”.
Olhar para onde ninguém está olhando
Marie Declercq, jornalista da revista VICE, também falou sobre o atentado à escola Raul Brasil, mas por outra perspectiva. Ela contou que já vinha se debruçando em pesquisas a respeito dos fóruns de discussão da deep web conhecido como “chans”, ou, como prefere definir, grupos de ódio. Ambos os atiradores eram participantes de grupos como estes e, depois da tragédia, foram tratados como heróis por membros dos fóruns.
Marie conta que, ao ver uma fotografia de um dos atiradores, reparou que o mais novo deles “usava uma roupa igualzinha a que usavam os atiradores de Columbine”. A jornalista estava se referindo a um ataque a tiros muito semelhante ao Suzano, ocorrido em abril de 1999 em uma escola no Colorado (EUA).Marie acredita que seu trabalho foi importante por dar outra visão ao caso, mostrando um ponto importante que não estava sendo visto e, com isso, lançar um alerta. Para ela, a VICE tem uma linha editorial e uma abordagem que fazem com que o jornalista “olhe para onde ninguém mais está olhando”.
A única maneira de ser repórter
A palestra que encerrou o Encontro foi a de Thais Nunes, repórter do SBT. Ela compartilhou como foi realizar a cobertura da tragédia da Vale, em Brumadinho (MG), em 25 de janeiro. Diversas outras emissoras estavam cobrindo os números da tragédia e, por isso, ela quis ouvir as pessoas. Assim como Carol Paes e Marie Declercq, Thais também enfatiza a necessidade de humanizar a reportagem: “não existe outra maneira de ser repórter, senão humanizando a reportagem”, conclui.