Terceiro Encontro de Jornalismo debate as novas configurações da profissão

Palestras também abordaram a democracia e o racismo

28/09/2018 14h05 - última modificação 28/09/2018 17h10

Foto: Centro Acadêmico

Igor Neves
Nila Maria

Nos últimos dias 18 e 20 de setembro, ocorreu a terceira edição dos Encontros de Jornalismo, organizada pelo Centro Acadêmico (CA) Inês Etienne Romeu, na Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Nos dois dias, foram realizadas quatro sessões que tinham como objetivo discutir novas práticas e questões sociais dentro do jornalismo. As palestras ocorreram nos períodos da manhã e noite e os temas tratados foram “Cobertura Jornalística das Eleições”, “Jornalismo de Games”, “Jornalismo de Dados e Mulheres Negras no Jornalismo Brasileiro”.

 

Jornalismo Político e Cobertura das Eleições

“Eu estava pensando em quais vão ser os principais temas [das eleições], o que eu posso explorar, que matérias eu posso fazer... Até que eu estava, no final de março, indo da cidade de Quedas do Iguaçu para a cidade de Laranjeiras do Sul, no Paraná, cobrindo a caravana do presidente Lula, quando dois, dos três ônibus que acompanhavam a delegação – e o meu carro estava no meio desses dois ônibus –, param no meio do caminho e a gente foi ver que tinham atirado contra aqueles ônibus. Aí me caiu a ficha: eu percebi que o tema dessa eleição, infelizmente, não é saúde, não é educação, não é economia, não é mobilidade urbana, a questão de gênero. É a própria democracia”.

Foi assim que Ricardo Galhardo, que cobre, pelo Estadão, o Partido dos Trabalhadores (PT), iniciou a discussão sobre a cobertura das eleições de 2018, debate que também contou com a participação da jornalista de política da Folha de S. Paulo, Anna Virgínia Balloussier.

Os convidados relataram quais são as maiores dificuldades para cobrir o pleito deste ano, que muitos julgam como a mais importante desde a de 1989. Além da quebra da polarização entre PT e PSDB, que tinha se tornado frequente nas últimas eleições, os jornalistas destacaram o tempo de campanha, menor do que nas eleições anteriores, e a imprevisibilidade dos acontecimentos, além da possibilidade de vitória de cada um dos candidatos.

Anna Virgínia comentou, também, sobre o papel do jornalista na cobertura das eleições: “é importante a gente saber o que a gente quer no jornalismo. A gente quer lacrar ou a gente quer investigar? A gente tem uma tendência a julgar o outro, seja de esquerda ou direita, a ver o eleitor como burro. E eu acho que é uma coisa muito importante, além de falar dos candidatos, a gente entender por que o Brasil, em 2018, está à beira de ter uma eleição que pode eleger um candidato da extrema direita”.

 

Jornalismo de Games

Na segunda palestra do dia, os jornalistas Bárbara Gutierrez (Versus), Pablo Miyazawa (IGN) e Henrique Sampaio (Overload) discutiram o cenário de Jornalismo de Games no Brasil.

Pablo avaliou as mudanças do jornalismo depois da chegada da Internet e a falta que faz, para ele, o jornalismo de revista. “Eu sempre falei com muito orgulho da arte de fazer revista, que eu considero uma forma de artesanato, mesmo”, declarou. O jornalista mencionou a importância do tempo e do espaço para produzir grandes reportagens, no formato e na linguagem da revista, e lamenta a hipótese de que a nova geração não tenha o prazer de conhecer este tipo de jornalismo, referindo-se ao atual cenário do jornalismo impresso.

Já Bárbara Gutierrez criticou a cultura machista no mercado de jogos, criada pela publicidade e que exige mais da mulher do que do homem. “Nós, mulheres, estamos nos games desde a época do desenvolvimento dos primeiros jogos. A gente joga desde essa época. O que aconteceu foi uma perpetuação dessa coisa que games é coisa para menino. O público de games é machista? Sim, muito. Você precisa mostrar o tempo todo que você entende daquilo”, diz.

Para Bárbara, é preciso uma mudança na estrutura da sociedade para que esses fatores também se alterem na comunidade dos games.

 

Foto: Centro Acadêmico
Foto: Centro Acadêmico

Jornalismo de Dados

Na palestra de abertura do segundo dia do evento, que serviu mais como uma aula introdutória ao tema, Beatriz Farrudia, repórter da agência ANSA, e Krishma Carreira, doutoranda em comunicação da UMESP, discutiram sobre o Jornalismo de Dados.

Beatriz começou contando um pouco de sua experiência com o Jornalismo de Dados, que iniciou com seu TCC, um livro reportagem sobre os gastos com a Copa do Mundo de 1950 no Brasil, e acabou se transformando em um projeto internacional que investiga os investimentos que os países-sedes fazem para receber o evento.

Para Krishma, o dado tem um papel apenas de base e cabe ao jornalista desenvolver uma narrativa atraente. “Não adianta ter um dado se não for para transformar esse dado em história”, defende.

As palestrantes discutiram que a adoção de softwares que escrevem matérias nas redações é iminente, mas que não é, necessariamente, algo negativo, já que isso liberaria o jornalista para fazer aquelas matérias mais aprofundadas, que dependem mais de sua criatividade e capacidade intelectual e cultural.

Foto: Centro Acadêmico
Foto: Centro Acadêmico
 

Mulheres Negras no Jornalismo

Para o encerramento das atividades, a última palestra contou com Mariana Aldano (Globo) e Patrícia Gonçalves (Catraca Livre), que debateram a presença e a atuação das mulheres negras no jornalismo brasileiro.

As jornalistas também abordaram a necessidade de um esforço maior, comparado a outras pessoas, na profissão para conseguir as mesmas oportunidades, já que o ambiente da comunicação é carregado de padrões e preconceitos.

Para Patrícia, a falta de negros nas universidades vem de um racismo estrutural e institucional. “Nós não estamos na mídia porque nós não estamos aqui. Nós não estamos na graduação. Nós não estamos nos cursos profissionalizantes para ser um jornalista multimídia. Nós não estamos nas salas de inglês. E eu acho que tem alguns problemas que vão um pouco além da sala, que é o racismo estrutural. A gente sabe que o Brasil é composto por uma população majoritariamente negra, mas elas não estão onde elas deveriam estar”, diz.

Mariana, que atuou por oito anos como repórter especial na Europa e Ásia, relata que, quando voltou para o Brasil, encontrou, no feminismo negro, um momento de fortalecimento que fez com que ela se redescobrisse como mulher negra nesse novo contexto, mas conta que ainda observa o racismo muito forte: “como é possível o país onde eu nasci, o país onde tem mais negros, eu morei em países onde não tem população negra praticamente, e é aqui, na minha casa, onde eu sinto que o preconceito é mais forte. É bizarro e isso tem que mudar.”

Foto: Centro Acadêmico
Foto: Centro Acadêmico

Patrícia, que fez parte da equipe que escreveu um manual de jornalismo humanizado, defende que o jornalismo tem que iniciar um processo de mudança do seu vocabulário e de suas narrativas: “Nós comunicamos essas pessoas, nós temos esse papel, o jornalismo ainda comunica”, declara. E completou falando sobre o cuidado que o jornalista deve ter ao utilizar-se de alguns termos, além da responsabilidade do profissional na construção de outra narrativa, como, por exemplo, no uso da palavra denegrir, que significa tornar-se negro, escurecer, e que, no contexto em que é utilizado, acrescenta uma carga negativa à cor.

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