Resenha: “O Complexo de Portnoy”
07/06/2018 15h52
Igor Neves
Philip Roth foi um escritor norte-americano de origem judaica. Nasceu na cidade de Newark em Nova Jersey. Tinha formação em literatura inglesa pela universidade de Bucknell e mestrado na Universidade de Chicago. Lecionou literatura comparada na Universidade de Pensilvânia até 1992. Aposentou-se em 2010, após lançar seu último livro de ficção, Nêmesis. Morreu de insuficiência cardíaca no último dia 22, em Nova York.
Autor de 32 livros, Roth abordava em suas obras questões da identidade dos judeus nascidos nos Estados Unidos, além da relação com o próprio país. Muitos de seus livros tinham o sexo como forte elemento presente. Ateu, era crítico de todas as práticas religiosas, por considerar tudo “conto de fadas”, como relata o biógrafo do escritor, Blake Bailey.
Em “O Complexo de Portnoy”, várias dessas características estão presentes. Publicado em 1969, o livro ganhou a crítica e o público, garantindo de uma vez por todas o sucesso de Roth.
Praticamente um monólogo, o livro retrata uma sessão de terapia de Alexander Portnoy, um advogado nos seus 30 anos, que trabalha para a comissão de Direitos Humanos da cidade de Nova York, é bem-sucedido, como faz questão de dizer a seus pais sempre que os vai visitar, solteiro, vivendo uma vida confortável. O problema é a sua vida sexual.
O narrador, num fluxo de consciência, nos conta toda sua vida, sem nenhuma vergonha ou restrição, afinal ele está conversando com um psicólogo (mudo praticamente o livro inteiro), tentando entender as razões para o seu descontrole sexual.
Acompanhamos desde a infância a história dos Portnoy: uma família com uma mãe controladora, obcecada por limpeza, que faz questão de contar vantagem em público, um pai frouxo em casa, que passa o dia trabalhando cobrando dívidas em um bairro negro e com problemas intestinais graves e uma irmã que muitas vezes passa despercebida. Uma família judia típica até demais, para o protagonista. “Estou vivendo minha vida no meio de uma piada de judeu- só que não é piada, não! Por favor, quem foi que nos mutilou desse jeito? Quem foi que nos fez ficar desse jeito, tão mórbidos, histéricos e fracos?”
E é a mãe a protagonista das memórias mais traumáticas da infância de Alex Portnoy, seja por seu jeito controlador de querer saber tudo o que o filho come, chegando ao ponto de pedir para não dar descarga após usar o banheiro para que ela possa analisar as suas fezes, seja quando ela o tranca fora de casa sempre que ele se comporta mal, seja quando ela puxa uma faca por ele não querer comer. “Doutor, me diga, como é que pode, uma mãe ameaçar com uma faca seu próprio filho? Estou com seus, sete anos de idade, como é que posso saber que ela não seria capaz de usá-la?”
Quando Portnoy chega à adolescência a masturbação se torna a sua obsessão. Ela ocorre várias vezes ao dia, nos mais diversos locais, no banheiro, na escola, no cinema, até no ônibus, com diferentes objetos também, pode ser uma maçã, um fígado ou uma meia. A fixação não se limita à adolescência, ela é carregada para a vida adulta em forma de sexo. É um viciado, como diz, em mulheres e em “b...” que ocupam seu pensamento a todo o momento. “Dia e noite, no trabalho e na rua – aos trinta e três anos de idade, continua andando pela rua com os olhos esbugalhados”.
O narrador se recusa a casar, para o desespero de seus pais, e se envolve apenas com Shikses, mulheres não judias. Seu relacionamento com a Macaca, que tem esse apelido devido a um caso envolvendo uma banana, é um exemplo disso. Ela é a mulher de seus sonhos, que topa todas as aventuras sexuais que dão na cabeça do protagonista, mas Portnoy resiste a todos seus pedidos, pois sente que não a ama de verdade e o fato de ela não ser de sua religião é um grande impedimento.
Sua relação com a identidade judaica é um dos grandes temas do livro. Portnoy vive uma relação de amor e ódio com a sua origem, apesar de se declarar ateu e passar horas inventando nomes não judeus para si próprio e fantasiando com um nariz novo, que não denuncie sua verdadeira identidade, ele em muitos momentos sente-se orgulhoso de ser judeu e, por vezes, aspira virar um dos tipos que ele sempre viu quando criança, jogando softbol aos domingos de manhã em seu bairro.
Com um misto de humor, sexo e crises de identidade, “O Complexo de Portnoy” lançava de vez Philip Roth para o sucesso literário que o acompanharia até o fim de sua vida.