Simpósio aborda resistência cultural nos livros e documentários durante a ditadura militar
16/11/2016 09h08
Arthur Marchetto
Para discutir as interações políticas que documentários e livros fazem com a realidade e a política brasileira, o Programa de Pós-Graduação em Comunicação e o curso de Jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) realizaram, no dia 1º de novembro, o Simpósio “Documentários, livros e resistência”.
O simpósio teve duas sessões, realizadas no auditório Capa. A primeira, a partir das 7h30, mediada pelo professor José Salvador Faro, e a segunda, a partir das 19h30, mediada pela professora Marli dos Santos. As duas apresentações trataram da produção cultural no período da ditadura e foram relacionadas ao eBook “Comunicação e Democracia no Brasil: 50 anos do golpe de 1964”, escrita por professores da UMESP. Os pesquisadores responsáveis pelo simpósio eram Ana Caroline de Castro, que escreveu sobre a censura de livros na ditadura militar, e Marcos Corrêa, que estudou o registro e a ação política de cineastas sobre o operário durante o regime militar.
Abertura
A mesa de abertura foi composta pelo diretor da Escola de Comunicação, Educação e Humanidades, Nicanor Lopes, pelo coordenador do curso de Jornalismo, Rodolfo Martino, e pelo professor da UMESP, José Salvador Faro. Nicanor Lopes, em sua fala, comentou sobre as violências urbanas e as novas formas de opressão, e questionou se não seria possível que as violências do século XXI se assemelhassem com algumas das vivenciadas nas épocas estudadas. “Eu falo objetivamente sobre a PEC 241. Acho que ela é uma conspiração contra a sociedade, contra vida. É uma forma de articular ou manipular políticas públicas atendendo o interesse daqueles que nunca tiveram interesse em políticas públicas, que sempre desejaram privatizar tudo”.
Seguido de Nicanor, Rodolfo comentou sobre o papel das universidades, uma possibilidade de “passar o bastão”. “Nas redações nós temos uma vida muito acelerada, mecanizada, estamos sempre correndo atrás da notícia. Mas lá temos os nossos sonhos e as nossas utopias. E eles, de alguma maneira, ficam pelo caminho. Passar o bastão significa ver renascer esses sonhos, essas utopias nessas novas gerações. E isso é muito encantador, principalmente pra mim, um velho repórter”. Por fim, Martino falou sobre o processo de furar a censura do regime militar e, por isso, enxerga o jornalista como um agente necessário para a mudança social. Depois, Marli apresentou sua fala sobre o exercício do jornalismo e a cultura como forma de resistência. “O livro, o documentário, a música, o teatro, e principalmente no momento em que ocorreu a ditadura militar, que obviamente acompanha todos os dramas que a gente vive, a cultura é essencial. Ela surge como uma forma de resistir, como expressão do humano e de superação”.
Para encerrar a mesa de abertura, Faro exibiu um vídeo da Alemanha nazista. Nele, uma universidade alemã organizou uma fogueira com autores que não eram simpáticos aos valores nazistas. “Uma sociedade desenvolvida, como é o caso da Alemanha, que produziu um pensamento refinado, filosofia, ciência, música e, no entanto, se dedicou, em um determinado momento da sua história, a baixeza de queimar livros, como se livros fossem inimigos do regime”, comentou o professor. "O livro é um dispositivo cultural e ele tem um agradável poder de desestabilizar as pessoas. Graças aos livros é que nós não nos conformamos com a realidade que se apresenta na nossa frente e, portanto, resistir não significa ser contra. Resistir significa pensar diferente", disse Faro e ressaltou a importância da lembrança pois sente que, no Brasil, está em processo a construção legalizada de um Estado autoritário, e a presença do livro e dos pensamentos divergentes se tornam cada vez mais importantes. O vídeo está disponível na página de seu blog, aqui: http://jsfaro.net/p/leitura-e-construcao.html.
Apresentações – livros e documentários contra o pensamento único
A primeira apresentação foi feita por Ana Carolina de Castro que, ao falar sobre livros e subversão, expôs como os livros foram reprimidos ou censurados durante o período da ditadura militar. Segundo a pesquisadora, queimar livros é uma prática antiga e acontece desde o incêndio da biblioteca de Alexandria, quando eram pergaminhos ao invés de livros, ou como visto na Santa Inquisição. O ato era importante para os governos, principalmente para os autoritários, pois “toda história escrita é do dominante, do opressor”, explicou Castro. “Tudo que lemos, tudo que permanece é a história de quem venceu, não do vencido. As histórias divergentes vão aparecer e questionar o poder autoritário. Geralmente quem está no poder, principalmente se for autoritário, não tem interesse nenhum de que essas divergências apareçam”, disse a pesquisadora.
Castro identificou dois poderes que atuam dentro da linguagem do livro: o poder simbólico, de resistência do impresso, e o poder de mudar o pensamento das pessoas. No Brasil, o artifício de censura e repressão contra esses dois poderes existe desde antes da ditadura militar, mas foi, durante muito tempo, contra livros que atentavam subvertiam a moral e os bons costumes, como os livros pornográficos. “A lei de segurança após o golpe traz uma busca pelo perigo dentro de casa, o perigo comunista”. A ditadura tinha, então, um poder de apreensão, e não de censura. A repreensão era feita com os livros já em circulação, o que gerou, na época da ditadura, um medo em quem tinha livros em casa.
Por fim, Ana alertou que esse cenário da ditadura e repressão pode não estar tão distante, já que entende medidas semelhantes quando vê a discussão sobre a Escola Sem Partido, sobre não falar de gênero das escolas, de tirar a filosofia e a sociologia como matérias obrigatórias. “Essas são pequenas ações que querem produzir uma verdade única, e tirar a capacidade de divergir”, disse a pesquisadora. “Temos que tomar cuidado com a repressão a qualquer pensamento diverso”, concluiu.
A segunda apresentação foi conduzida por Marcos Corrêa sob o título “Filmar Operários: Entre a ação política e a comunicação alternativa na realização documental brasileira nas décadas de 1970/1980”. Traçando um paralelo com a fala de Ana Castro, o pesquisador comentou que os filmes, assim como os livros, também eram objetos subversivos. O livro de Corrêa, resultado de sua tese, é baseado na produção de documentários brasileiros entre as décadas de 1970 e 1980. “Eu busco entender como a temática do operário se evidencia nesse período”, disse o pesquisador.
Marcos explicou que os documentários eram espaços de resistência da informação. Apesar da imagem do operariado ser comum em diversas produções, não se via questões recentes dentro do documentário e da narrativa televisiva ou jornalista. Questões como a incidência de acidentes de trabalho em um quinto da mão-de-obra, ou das trabalhadoras sendo inseridas na indústria metalúrgica eram vistas apenas nas produções dos documentários pós-1970.
Isso porque existe uma nova maneira de falar do trabalhador nos anos 70. Antes, o trabalhador era retratado, mas falava-se das suas individualidades. No entanto, diversos fatores, como a melhoria da capacitação técnica, trazem o operário para o elemento central na narrativa fílmica. A renovação produz filmes analíticos preocupados com a importância de momentos históricos, revisam as trajetórias operárias e do ofício cinematográficos, utilizando a memória desses protagonistas como base.
Apoiando-se em questões mais importantes para o proletariado, os documentários passaram a retratar greves, a casa do trabalhador, o espaço da mão-de-obra feminina, os acidentes de trabalho e etc., apresentando, também, um maior envolvimento do cineasta com as questões sindicais. Para concluir, Marcos Corrêa exemplificou a presença da casa do operário mostrando o trecho de dois documentários: Operários da Volkswagen (1974), de Bodanzky e Gauer, e Greve! (1979) de Batista.