Sérgio Matos comenta sobre livro que compõe o último catálogo da EDUFRB
09/12/2016 10h45
Arthur Marchetto
A Editora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (EDUFRB) lançou, em novembro, o catálogo online dos livros de 2016. São 46 publicações, algumas com download gratuito, que permeiam as áreas das ciências exatas, humanas, biológicas e outras áreas do conhecimento e estão listadas aqui. A editora, que está em funcionamento desde 2010, disponibiliza todas as obras para consulta na biblioteca da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e está localizada no prédio da Biblioteca Universitária de Cruz das Almas, campus Universitário. Sérgio Mattos, escritor do livro “A Revolução Digital e os Desafios da Comunicação” disponível no catálogo, comentou sobre o livro disponível no catálogo e também sobre sua última publicação, “Vida Privada no Contexto Público”, da Quarteto Editora.
Com uma produção extensa que percorre diversos caminhos, como a memória da televisão, uma produção poética e até uma revista cultural, Mattos decidiu publicar uma autobiografia já que, nos últimos dez anos, recebeu diversos trabalhos que o tinham como corpo de análise, “mas nenhum abordava certos pontos que eu imaginava que deveriam integrar um livro a meu respeito”, comentou o escritor. Tratando de experiências como a Ditadura Militar, a Guerra Fria ou a nova Era Digital, Mattos escreveu sua biografia e lançou ano passado, em 2015. Confira abaixo a íntegra da entrevista:
Cátedra UNESCO/UMESP: Sobre o livro “A Revolução Digital e os Desafios da Comunicação”, você trabalhou na IBM por um momento. Isso teve alguma influência na produção do livro?
Sergio Mattos: Não, o tema é recorrente e tem sido debatido por pesquisadores na academia e por profissionais do jornalismo no mercado. Fui sim, influenciado pelas perspectivas e tendências das duas áreas, a teórica e a prática, que me levaram a trabalhar no tema. O momento atual, caracterizado como a Era Digital, que está mudando radicalmente os paradigmas da comunicação – nos apresentando novos desafios tanto para profissionais como para as mídias tradicionais – foi o estímulo maior para a produção desse livro.
Cátedra UNESCO/UMESP: A partir de quais experiências e questionamentos que o livro foi construído?
Sérgio Mattos: O objetivo de “A Revolução Digital e os Desafios da Comunicação” foi o de levantar pontos/ideias para promover o debate em torno da convergência digital e suas tendências, pois o crescimento e a influência das mídias sociais e do compartilhamento de informações via Internet estão contribuindo para mudanças profundas no jornalismo e também na formação dos futuros jornalistas. Na elaboração desse livro me preocupei com a disseminação das mídias pós-massivas que tem contribuído para a redefinição de conceitos como ética e privacidade, pois o sistema digital rompeu com o modelo tradicional de produção e distribuição da informação de um-para-todos. No ciberespaço essa relação acontece no contexto todos-todos, o que tem modificado comportamentos que foram sedimentados pelas mídias tradicionais. E essas tendências me motivaram a produzir o livro devido aos desafios que enfrentaremos nos anos a seguir, com a necessidade de mudanças estruturais no marco regulatório.
Cátedra UNESCO/UMESP: Sobre o livro “Vida Privada no Contexto Público”, o que o impulsionou a escrever a autobiografia?
Sérgio Mattos: Ao longo dos últimos dez anos alguns ex-alunos produziram TCCs sobre mim e um amigo escreveu um livro sobre minhas obras, traçando um perfil biográfico, mas nenhum abordou certos pontos que eu imaginava que deveriam integrar um livro a meu respeito, sem qualquer ranço de pieguismo. Assim, depois de escrever três biografias e já ter completado 65 anos, uma idade que pensei que seria o meu limite, resolvi escrever minha própria história. O livro “Vida Privada no Contexto Público” é, antes de mais nada, um depoimento de minha geração, uma narrativa da história contemporânea dos últimos 60 anos comigo dentro, em alguns momentos como narrador, observador, testemunha ou protagonista da história. Alguns amigos acharam que era muito cedo para escrever a autobiografia, o que discordo levando em conta que a idade média de vida do brasileiro está entre 65 e 70 anos.
Cátedra UNESCO/UMESP: No livro você comenta que o período da ditadura militar impactou bastante na sua vida. O que mudou, como impactou?
Sergio Mattos: O Golpe de 1964 ocorreu durante minha adolescência, quando minha consciência política estava em formação, por meio de leituras dirigidas e pela militância estudantil e participação nos movimentos sociais promovidos pela Igreja católica, através dos grupos de JEC (Juventude Estudantil Católica) e participação dos movimentos promovidos e estimulados pelos padres considerados “progressistas”, principalmente os beneditinos do Mosteiro de São Bento e padres jesuítas dos colégios católicos. Foi durante esse período que comecei a militar na imprensa, primeiro no jornal da Arquidiocese do Salvador e, posteriormente, na Tribuna da Bahia, onde senti na pele a pressão da censura policial exercida pela ditadura. A militância estudantil em nível colegial (1964 a 1967) e em seguida a partir de 1968 nos quatro anos de Universidade juntamente com o trabalho profissional, como jornalista na imprensa baiana, foi um período difícil devido a censura, às limitações, os subterfúgios e tudo o mais. Devido a isto digo que o período da ditadura foi impactante, pois influenciou inclusive na minha produção literária e no interesse, já em nível acadêmico, de pesquisar temas como censura, o impacto da ditadura no desenvolvimento dos meios de comunicação, principalmente a Televisão, que foi usada pelos militares para manter o status quo. Devido a essa tendência, pesquisei e produzi vários livros sobre esses aspectos, além de minhas teses de mestrado e de doutorado terem girado também em torno dessa temática maior (censura, história, manipulação dos meios de comunicação etc.).
Cátedra UNESCO/UMESP: Falando sobre o mesmo período, como foi seu envolvimento nos movimentos sociais da época, os conflitos com a direção da escola, as lutas armadas, a revisão do seu posicionamento depois da paternidade...
Sergio Mattos: Posso acrescentar ainda que participei de movimentos culturais vinculados ao teatro estudantil, de grupos que procuravam denunciar os abusos da ditadura, além de ter participado de grupos de lideranças estudantis, coordenando equipes de JEC e outros. Os conflitos com a direção de escolas foram poucos e ao mesmo tempo impactantes porque estavam ligados às posições político-ideológicos e na militância cultural que ia de encontro às normas das instituições de ensino, fiscalizados de perto pelos órgãos de segurança. Fui convidado a deixar o Ginásio São Bento devido aos meus posicionamentos e no Colégio Central (o maior do Estado na época) devido as atividades do Grupo de Teatro que reunia todas as lideranças estudantis, independente de suas ideologias, pois todos integravam a resistência à ditadura. Os protestos e greves estudantis no Brasil começaram a partir da Bahia–Salvador por força da atuação desse grupo, o GATEB, espalhando-se por todo o país.
A paternidade que ocorreu só a partir e 1973 não tem a ver com o desenrolar de minha participação nos movimentos estudantis e de resistência à ditadura. O que mudou foi que, a partir do momento em que me profissionalizei como jornalista, optei por não integrar mais grupos, passando a dar minha contribuição efetiva com o trabalho que passei a desenvolver na mídia, produzindo matérias, denunciando abusos e procurando esclarecer a população sobre o que realmente estava ocorrendo no país por meio de furar os bloqueios impostos pela censura.
Cátedra UNESCO/UMESP: Como a vivência pela Guerra Fria afetou sua produção intelectual?
Sergio Mattos: Durante o período da Guerra Fria, a propaganda e a influência norte americana na América Latina foram muito intensas e é obvio que de alguma forma a invasão cultural (cinema, literatura, teatro, música e o modelo de vida americano) teve impactos fortes em minha geração. A disputa político-ideológica entre as duas maiores potências do mundo, Estados Unidos e a Rússia (União Soviética), foram, direta e indiretamente, responsáveis pelas ditaduras implantadas em países latino-americanos, tais como Brasil, Argentina, Chile e Peru, entre outros. Os aspectos de minha formação intelectual, o que eu lia, ouvia, assistia estão relatados no livro, pois por opção individual nunca segui apenas um pensamento e uma corrente por acreditar que nenhuma ideologia é “dona da verdade”. Sempre busquei a pluralidade do conhecimento zelando pela minha independência. Particularmente, sou contra todo e qualquer regime de exceção (seja ele de centro, de esquerda ou de direita) que mantém a imprensa e a produção cultural sob censura além de limitar as liberdades individuais dos cidadãos.
Cátedra UNESCO/UMESP: No último capítulo você fala dos novos desafios educacionais. Você reforçaria alguns, como as novas relações ou as tecnologias?
Sérgio Mattos: O Brasil, como outros países, está vivendo um momento de transição político-social e cultural devido às novas tecnologias, às aspirações dos cidadãos e mudanças radicais nos valores éticos, entre outros aspectos que exigem, principalmente, dos educadores muito equilíbrio e paciência. Acredito que as Universidades devem seguir um modelo mais aberto e menos engessado, se abrindo mais e interagindo com as comunidades onde seus formandos vão atuar, exercendo a cidadania, cada qual num ramo, numa especialização, numa carreira definida, que pode ser a medicina, a engenharia ou o jornalismo, por exemplo. Acredito que se a Universidade oferecer uma boa formação acadêmica, ela contribuirá para melhorar os serviços públicos e privados e a vida dos cidadãos que passarão a exercer conscientemente os seus deveres e direitos.