Questão de gênero no Plano Nacional de Educação é debatida em seminário interdisciplinar

05/05/2016 13h20 - última modificação 17/05/2016 13h09

Arthur Marchetto

A discussão de gênero tem recebido grande repercussão ultimamente, principalmente em 2014, quando a reforma do Plano Nacional de Educação (PNE) tramitava no congresso e estabelecia diretrizes e metas para educação nos próximos 10 anos. Nesse contexto, as bancadas políticas religiosas alegavam que, ao introduzir a chamada “ideologia de gênero nos estudos”, os conceitos de homem, mulher e da família tradicional brasileira seriam deturpados.

Tal conflito retirou o termo “gênero” do PNE e transformou a erradicação da desigualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual dentro do contexto escolar em um objetivo genérico de erradicação de todas as formas de discriminação, dando aos Estados e municípios a liberdade de inserir suas metas. Cedendo à pressão de diversos setores conservadores, diversas câmaras municipais e assembleias legislativas vetaram a inclusão do tema nos planos regionais.

Sob esse cenário, a questão de gênero foi tema do primeiro seminário interdisciplinar organizado pelos programas de pós-graduação da Universidade Metodista de São Paulo. A abertura da série englobou a pós-graduação dos cursos de Comunicação Social e Ciências da Religião. O evento ocorreu nesta terça-feira (3/5), às 14h, no campus Rudge Ramos da Universidade Metodista de São Paulo, sob o título “Ideologia de Gênero em Debate: Mídia, Religião e Política”.

O evento foi aberto com a execução da música “Pra Cima, Brasil”, composta por João Alexandre. Seguido dele, a coordenadora dos programas de Pós-Graduação da Universidade Metodista, Marli dos Santos, deu sua fala destacando a relevância da temática e comentou sobre os seminários interdisciplinares que os Programas de Pós-Graduação promoverão nos próximos meses, a começar por este. O coordenador do programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista, Helmet Render, falou em seguida e, em apoio a ideia, comentou sobre os obstáculos recentes que a questão de gênero tem enfrentado, destacando que “a discussão de ideologia de gênero é um problema político e acadêmico”.

Depois de sua fala, a mesa foi composta por Magali Cunha, doutora em comunicação social e líder do Grupo de Pesquisa MIRE (Mídia, Religião e Cultura), Sandra Duarte, doutora em ciências da religião e integrante do grupo de Pesquisa de Gênero e Religião Mandrágora-NETMAL (Núcleo de Estudos Teológicos da Mulher na América Latina), Emerson Costa, doutor em ciências da religião  e integrante do Grupo de Pesquisa de Gênero e Religião Mandrágora-NETMAL, e Marcos Corrêa, doutor em comunicação social e integrante do Grupo de Pesquisa MIRE.

Magali Cunha abriu a discussão com uma contextualização histórica, a partir das conquistas femininas na área da legislação brasileira, como o direito ao voto, a lei Maria da Penha e a facilitação no divórcio. No entanto, a professora destacou que “ainda há muito o que discutir e conquistar, não só no âmbito da mulher mas também dos direitos LGBT” e, comentou sobre as conquistas do casamento homoafetivo e retirada da homossexualidade da lista de doenças, mostrou como ainda há um longo caminho a ser percorrido nessa área de direitos.

Após trazer os avanços, Magali os relacionou com o atual cenário político. “Os movimentos feministas e LGBT têm sido apresentados como inimigos da família tradicional brasileira” e, nesse contexto, os políticos evangélicos e conservadores ganharam destaque por trazer “a salvação da família”. Levando em conta que a bancada evangélica não é a única em busca de retrocessos nas conquistas sociais, tal parcela é que “faz mais barulho” e recebe mais destaque, principalmente pela força com que a mídia medeia as personalidades que, como analistas e comentaristas, apoiam o retrocesso no campo da conquista de gênero e criminalizam a figura da mulher.

O pesquisador Emerson Costa, depois da fala de Magali, comentou sobre o ideal de laicidade no Estado brasileiro. Em sua pesquisa de doutorado, Emerson comparou a campanha de 13 deputados eleitos relacionados à bancada evangélica. Como primeira constatação, todos foram eleitos sob uma propaganda que defendia a família tradicional brasileira. Além disso, dos 13, os 12 homens são sujeitos que tinham uma “palavra autorizada, pois são missionários, pastores ou bispos” e, no caso da única mulher, ela foi eleita devido à “autorização recebida de seu pai para receber seu espólio político”.

O pesquisador ainda comparou os resultados de seu trabalho com os casos recentes da votação sobre o processo de impeachment da presidente Dilma. Ao relacionar a quantidade de votos realizados sob justificativa da família e da religião, Emerson concluiu que tais justificativas apareceram pois foram essas as entidades que legitimaram suas eleições diante da parcela eleitoral. Também apresentou questões relacionadas a Câmara dos Direitos Humanos quando assumida pelo pastor Marcos Feliciano como uma estratégia clara da frente parlamentar evangélica para causar retrocessos nas questões de gênero.

Seguindo a cronologia, a pesquisadora Sandra Duarte trouxe uma observação sobre o grupo de estudo “Mandrágora”, sendo o primeiro a dar luz ao debate de gênero e religião no Brasil,  criado em 1989, e ativo até os dias de hoje. Posteriormente, retornou foco para os direitos humanos, e colocou o questionamento: “de que humanidade estamos falando, quando falamos de direitos humanos numa sociedade desigual?”. Sandra explicou que o processo de “naturalizar as diferenças”, que está presente na sociedade brasileira, acaba por afirmar a impossibilidade de mudanças e restringe o acesso de uma parcela da população à cidadania.

Além disso, Sandra afirma que há um moralismo sexual praticado no campo político, mostrando que “a atuação tem se feito no sentido de obstaculizar direitos sexuais e reprodutivos na política brasileira mas, principalmente, lutar contra os direitos já adquiridos”. Dessa forma, quando se retira a “ideologia de gênero” da PNE por pressão dos vieses político-religioso-conservadores, a escola se torna uma disseminadora do preconceito e retira do campo político também as questões étnicas, trabalhistas, de acessibilidade e etc.

A última fala foi realizada pelo pesquisador Marcos Corrêa, que apresentou sua pesquisa, direcionada ao seminário, que analisou como a Folha de S. Paulo olhou para a questão de gênero dentro da PNE. Constatou que tal discussão surgiu em 2010, mas que começou a aparecer de maneira mais concreta a partir de 2014, momento em que o debate sobre a se concentrou na “ideologia de gênero” em detrimento das outras discussões presentes no plano educacional.  

Para ele, alguns pontos de discussão central sobre o Plano Nacional de Educação (PNE) ficaram apagados, como as questões relacionadas aos cursos de pós-graduação, à educação básica, à educação em tempo integral, entre outros. A abordagem midiática focou-se na questão tecnicista da evasão escolar e num movimento de estigmatização de “militantes da causa gay” contra “grupos políticos”. Além disso, as coberturas mudaram sua abrangência gradativamente, do foco Federal para o Estadual e, finalmente, o Municipal.

Como conclusão da pesquisa, o termo “gênero” foi excluído do PNE e a questão foi tratada genericamente como “erradicação da discriminação”. Marcos Corrêa conclui que “a questão de gênero aparece no PNE como se fosse uma discussão sobre um gênero excluído e eclipsa o fato de que a discussão de gênero estava ligada a evasão escolar por discriminação e preconceito”.

Durante todo o evento todas as ideias debatidas foram resumidas em um painel gráfico produzido por Izabel Méo. O que possibilitou que os principais pontos fossem destacados em relação a cada um dos palestrantes para facilitar a associação e fixação das reflexões apresentadas. O painel pode ser visto abaixo: 

Painel

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