Conferência sobre Pensamento Comunicacional Brasileiro de 2016 começa hoje
12/12/2016 19h45 - última modificação 13/12/2016 15h39
Arthur Marchetto
Começa nesta segunda-feira, 12 de dezembro, a Conferência sobre o Pensamento Comunicacional Brasil de 2016 (Pensacom 2016) e permanece até terça-feira, 13 de dezembro. Sob o mote “De volta ao futuro”, o evento promove o debate sobre o pensamento comunicacional brasileiro e sobre o ensino da comunicação, além de celebrar as efemérides dos 70 anos do SESC, dos 50 anos da ECA-USP, dos 20 anos do Doutorado em Comunicação da UMESP, dos 20 anos da Cátedra UNESCO/UMESP de Comunicação e dos 40 anos da INTERCOM, que iniciou seu ano comemorativo dentro do próprio evento.
Realizado pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), pelo Serviço Social do Comércio (SESC) e pela Cátedra UNESCO/UMESP de Comunicação para o Desenvolvimento Regional da Universidade Metodista de São Paulo, o evento científico acontece no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo.
A abertura do evento foi feita pelo Prof. Dr. José Marques de Melo e, em seguida, pela Prof. Dra. Sônia Jaconi. Marques de Melo comentou sobre a importância de pensar o futuro sem esquecer do passado, comentando que “é essa mistura de passado e fuuro que nos reúne aqui”. O professor falou também sobre as importâncias das efemérides celebradas no evento, e destacou a importância de se recuperar “a história de vida das pessoas que fizeram comunicação no Brasil e no mundo”, pois é assim que “podemos pensar com maior grandeza e volume de recursos”.
Seguida dele, a professora Jaconi ressaltou a importância do professor José Marques de Melo na criação e manutenção do Pensacom e agradeceu, em nome da Intercom e da Cátedra UNESCO/UMESP de Comunicação para o Desenvolvimento Regional, a presença dos participantes e do apoio do SESC. Sonia disse que o evento comportava pesquisadores de todas as cinco regiões do país e, para encerrar sua fala, enumerou os estados presentes (SP, RJ, MG, PB, PI, CE, PR, RS, MA, BA, SC, ES, PA).
Conferência
A conferência do dia foi ministrada pelo Prof. Dr. Carlos Eduardo Lins da Silva (ESPM/FAPESP) e ocorreu sob o mote “Recordações de um Brasilógo Emblemático que testemunhou a luta para introduzir o campo comunicacional em São Paulo: de volta ao futuro”. Lins da Silva disse que, para sua apresentação, procurou algo “que remetesse ao passado, tratasse do presente e especulasse a respeito do futuro”, devido a premissa do evento.
Carlos Eduardo comentou que, ao invés de comentar sobre a exposição no geral, falaria do campo específico ao qual vinha se dedicando, tanto profissionalmente quanto academicamente, o jornalismo. “O que aconteceu nesses 40 anos em que me dediquei à profissão foi uma revolução muito impressionante”, falou Lis da Silva, comparando o jornalista sob a antiga lógica de produção com o de hoje, multitarefa. Além disso, salientou algumas mudanças dentro do jornalismo entre 1936 e 2016: o aparecimento do transistor, primeira transmissão da televisão e a importância que ela, progressivamente, o meio passou a ter, o primeiro cabo telefônico transatlântico, a comunicação via satélites de comunicação, redes de micro-ondas, transmissão da primeira copa e do homem chegando na Lua, no entanto, até perto dos dias de hoje, “o jornalismo, em si, não tinha se modificado tanto. A mudança tinha sido tecnológica e não na lógica do trabalho”, disse Carlos Eduardo. No entanto, nos últimos anos, houveram eventos que modificaram essa prática jornalística, dos destacados pelo professor foi a “decadência do jornal impresso”, tanto no sentido físico quanto no qualitativo.
Dentro desse cenário, Carlos Eduardo comentou que os debates que ocorrem sobre o ensino do jornalismo são semelhantes aos de 1976, como “O que é ensinar jornalismo? O que é pesquisar jornalismo?”. Para Lins da Silva, a primeira missão da escola de jornalismo é “formar pessoas que vão trabalhar na atividade jornalística”, no entanto, como a universidade também tem pesquisa, exige-se produção acadêmica. Além disso, na própria grade do curso, fazem-se o questionamentos: “O que enfatizar? Epistemologia ou prática? O conteúdo do jornalismo ou seu impacto social e cultural? O quão deve se ensinar sobre a revolução digital – big data, coding?”, comentou o professor.
“Se faz pouca pesquisa empírica, o que é fundamental para conhecer o que acontece. Me parece a maior parte reflete sobre a história do jornalismo, mas muito acabou ficando envenenado pela ideologia”, comentou o professor. Carlos Eduardo acredita ter uma “posição polêmica” sobre a temática, pois acredita que “a ideologia, tanto no jornalismo quanto na comunicação e nas humanidades em geral, tem travado o progresso do conhecimento no campo”. Como exemplo, ele afirma que muitas das pesquisas me comunicação são “um exercício retórico de opiniões enviesadas pela ideologia, com pouquíssima fundamentação empírica e fraquíssima fundamentação teórica”.
Outros dos problemas destacados pelo professoram foram: a superlotação do mercado de trabalho, sobre o que a geração millenials pensa do jornalismo e também, do que que é o próprio jornalismo. Essas incertezas geraram diversos efeitos, como a indústria da notícia falsa. “Existem pessoas que estão vivendo da produção de notícias falsas, que ganham dinheiro com o compartilhamento de notícias falsas pelo Facebook”, comentou Lins da Silva. “Sempre houveram notícias falsas, mas nunca dessa maneira, por razão ideológica”, disse o professor e citou de exemplo casos de governos divulgando notícias falsas propositalmente.
Por fim, citou o caso da palavra do ano de 2016 do dicionário Oxford, a “pós-verdade”. A definição da palavra é “relativo ou referente a circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais. Nesse contexto, Carlos Eduardo questionou: “Como fazer jornalismo com os pós-fatos”?
Por fim, Lins da Silva comentou que esses problemas têm que ser tratados no curso de jornalismo. “Não há nada mais danoso para a democracia do que o ambiente que se criou na comunicação, em que as pessoas só ouvem e conversam com os que concordam com elas”, comentou o professor. “Não é possível haver democracia se não tiver um espaço para opiniões divergentes e complementares e eu acredito que o jornalismo é o espaço do diálogo”, falou Carlos Eduardo, “é absolutamente necessário para a democracia e para o engrandecimento intelectual das pessoas. O papel das escolas de jornalismo é essencial nisso”, concluiu.
Mesa de abertura
A segunda mesa aconteceu sob a temática “Cordialidade e conflito nos tristes trópicos: o resgate da utopia civilizatória” e foi composta pelo Prof. Dr. Giovandro Marcus Ferreira, pela Profa. Dra. Maria Immacolata de Vassallo Lopes e pelo Prof. Ms. Antonio Andrade. A primeira apresentação foi feita pelo professor Giovandro e uniu a temática com o trabalho do Centro de Comunicação, Democracia e Cidadania de Salvador, Bahia, que pensa, entre outras coisas, na questão do negro no Brasil.
“Procurei, então, pensar meu lugar de fala e sensibilidade para a exposição”, comentou Giovandro, e enumerou alguns pontos de sua trajetória. O pesquisador ressaltou que vem de Salvador, a Roma Negra, com 82% de sua população sendo afrodescendente, as suas influências acadêmicas, como Joaquim Nabuco, a sua família, com o pai afrodescendente e a mãe de origem italiana, e, por último, a própria proporção da população brasileira que incentivou o professor.
Ferreira expôs as tendências de uma nova maneira de pensar o país e suas articulações, não tanto mais com Portugal, como já feito, mas em outros pontos nacionais, como a escravidão e os textos de Joaquim Nabuco. Dentro dessa discussão nacional, Giovandro também destacou algumas problemáticas da própria África, como a homogeneização do continente, a desumanização e coisificação do negro, a noção de raça e também as ideologias do comportamento desviante, que transformou questões individuais em características inatas de um grupo.
Para destacar a importância da problemática da escravidão no Brasil, Giovandro destacou o dado de que Brasil recebeu 42% de todo o tráfico negreiro das américas, e, com a abolição, o cenário nacional teve que pensar a problemática do ex-escravo: “se o Brasil, “naturalmente atrasado”, quisesse fazer parte dos países desenvolvidos precisava branquear sua população”, comentou o professor.
Assim foi tratado a discussão até a Semana de Arte Moderna recolocar o negro na existência nacional, com os artistas e produtores Mario de Andrade, Portinari e Monteiro Lobato. A partir desse momento, congressos passaram a pensar o negro na cultura e na identidade brasileira, passando a adotar uma “mulatividade positiva”. Para concluir, Giovandro comenta sobre o momento brasileiro no qual o mulato deixa de ser um degenerado e passa a ser objeto de reflexão sobre a experiência escravocrata e a democracia racial.
Seguido do professor, foi a fala de Maria Immacolata Vassallo Lopes e comentou sobre “Comunicação como campo transdisciplinar de estudos: Algumas teses”. Lopes comentou a comunicação trabalhando com pensamento dualistas para construiu um pensamento comunicacional brasileiro complexo e transdisciplinaridade, e ressaltou a importância da ideia de abertura nas pesquisas comunicacionais.
Maria Immacolata ressaltou alguns pontos que precisam ser pensados durante a busca do novo pensamento. O primeiro ponto destacado foi o das epistemologias dominantes, sobre “o que é pensar comunicação no Brasil?” e lembrar quem possibilitou o desenvolvimento do pensamento comunicacional no Brasil, por isso a importância sobre a reflexão bibliográfica.
A colonização do saber e do poder e a teoria da dependência também foram levantadas. “A maneira como nós pensamos não pode ser uma questão mecânica”, ressaltou a professora, “Nós somos receptores de teorias produzidas e engendradas em outros locais e, já que hoje se fala muito em filtros, sobre que perspectivas refletimos sobre a comunicação? Estamos na periferia mundial”, disse.
A questão de dominação dos saberes e do sistema globalizado também foram destacados pela professora Lopes. “Não se pode perder de vista o local de onde estamos trabalhando”, comentou ela, “existem visões de mundo que são proibidas. É malvisto médicos, por exemplo, sugerindo medicamentos naturais ou caminhos para medicina alternativa”. Por fim, defendeu os trabalhos sobre uma perspectiva epistêmica descolonizada, já que “a colonização foi fundamental na nossa criação. A colonização não é só física, mas intelectual”, concluiu a professora.
O último a expor na mesa foi o professor Antonio de Andrade, que comentou sobre sua pesquisa dos “Gestores do futuro: Percursores no registro audiovisual de manifestações folclóricas e etnográficas”. A sua exposição comentou sobre a trajetória de quatro personagens simbólicos: Roquette Pinto, conhecido como pai do rádio brasileiro, apesar de também ter experimentos pioneiros com a televisão, Tenente Luiz Thomaz Reis, precursor em utilizar a tecnologia do cinema como registro do índio, do negro e de algumas manifestações folclóricas, Mario de Andrade, pelo seu trabalho no departamento de cultural, que “revolucionou tudo que se pensa em educação e cultura em São Paulo”, segundo o professor e, por último, Alceu Maynard, que levou a questão do folclore para a televisão, um caso inédito na televisão brasileira.
Andrade comentou sobre uma experiência com alunos que encontrou um recorte sobre a programação da TV Tupi nos anos 50. “Um dia um aluno me trouxe um dos primeiros recortes publicados em jornal, em 11 de outubro, menos de um mês da inauguração e me chamou muito a atenção: começava as 20h, tinha um número musical, tinha o Mazzaroppi, um cantor italiano, Walter Forster e também um Folclore na TV, já avisando o Alceu Maynard Araújo”, comentou o professor. Maynard transformou o folclore na TV num programa chamado “Veja o Brasil”.
A trajetória começou sobre o interesse de conhecer a realidade brasileira, sob a influência do empirismo e da escola de Chicago. Nesse contexto, Mario de Andrade, cria o Departamento de Cultura e inicia a “missão folclórica” que, com medo da destituição dessas manifestações com o recebimento das influências externas, passa a registrar os movimentos culturais.
Como um desenvolvimento desse projeto, Maynard junta sua experiência no departamento de cultura com outras influências, Emilio Willens, Egon Schaden, Roger Bastide, Melville Herskovits, Herbert Baldus e Claude e Dina Lévis Strauss, e produz o “Veja o Brasil”, com um dos vídeos disponíveis aqui e diversos outros no acervo da cinemateca brasileira.
Grupos de Trabalho e Lançamentos de Livros
Ao longo da tarde, houve a apresentação de quatro dos oito Grupos de Trabalho (GTs). O primeiro tratou do Pensamento Comunicacional e foi coordenado pela professora Sônia Jaconi, o segundo foi coordenado pela Eliane Mergulhão e tratou da Folkcomunicação. O terceiro e o quarto tratam da Comunicação e Saúde e da Comunicação Eclesial e foram coordenados pela Ieda Borges e pelo Ricardo Alvarenga, respectivamente.
Posteriormente, houve a apresentação da pesquisa “Cosmopolitismo: cultura global e conhecimento internacional”, que trata de entender como o jovem se relaciona com a cultura global, usando como categorias pontos de interesses turísticos e símbolos (monumentos, locais de cultura e locais naturais), personalidades, personagens políticos, históricos, cientistas, exploradores, artistas, esportistas e celebridades e produtos de consumo (marcas e alimentos). “Essa pesquisa não considera que a globalização da cultura a torne homogênea”, comentou a pesquisadora Ane Rocha. É tomado como pressuposto que há um diálogo dos produtos com as realidades locais. Por isso, para a realidade nacional, foi levado em conta uma reflexão híbrida latino-americana e introduziu-se, no Brasil, linhas temáticas novas, como marcas locais e estilo de vida, interculturalidade, migrações.
Para encerrar, a Intercom promoveu o lançamento de livros e o anúncio do programa “Na Intercom, a vida começa aos 40!”. Dentro dos livros lançados estão “Jornalismo Comparado – Um dia na Imprensa Brasileira”, de Ricardo Alvarenga e Roseméri Laurindo, “Mutações da Comunicação: ampliando as fronteiras do jornalismo”, de Marli dos Santos, e os volumes 4, 5 e 6 do “Pensamento Comunicacional Uspiano”, de José Marques de Melo e Fátima Feliciano. Todos estão disponíveis aqui.