Diário do Grande ABC na ditadura militar

Jornal desde seu início se preocupou com o sindicalismo do ABC

12/07/2018 14h30 - última modificação 15/08/2018 16h25

Igor Neves

Ao ler o caderno especial sobre os 60 anos de Diário do Grande ABC, veiculado no dia 11 de maio, encontra-se pouca coisa sobre a atuação do veículo durante a ditadura militar brasileira (1964-1985). Uma rápida citação em uma reportagem, outra pequena matéria sobre o movimento operário e só, não ressaltando importante atuação do jornal na região do ABC nos anos do regime militar.

Inicialmente um semanário, o atual Diário do Grande ABC circulou pela primeira vez de forma gratuita no dia 11 de maio de 1958, com 15 mil exemplares, sob o nome de News Seller. Fundado por Fausto Polesi, Maury Campos Dotto, Edson Danilo Dotto e Angelo Puga, o jornal era a segunda tentativa dos quatro de estabelecer um veículo noticioso depois que a primeira tentativa, na Zona Leste de São Paulo, não foi para frente. O projeto só foi possível devido ao incentivo da Sears Roebuck, uma rede de lojas de departamento americana que tinha inaugurado uma filial em Santo André.

Já na primeira edição o jornal contava com uma matéria na página principal sobre uma reivindicação sindical dos operários de uma fábrica em Santo André. O sindicalismo seria um tema muito abordado nas páginas do futuro Diário, principalmente devido a Fausto Polesi, que começou a trabalhar como tecelão aos 14 anos e chegou a escrever para o jornal do Sindicato dos Tecelões de São Paulo. A publicação ainda teve uma coluna chamada Sindicatos voltados aos operários da região.

Depois de um ano, o News Seller já contava com 50 funcionários, e em 1961 deixou de circular gratuitamente para ser vendido em bancas ou através de assinaturas. Em 1963 abriu uma oficina própria para a impressão e inaugurou uma sucursal na cidade de São Paulo.

No ano anterior ao golpe militar o jornal registrou a passagem do então presidente da república, João Goulart, que declarou não estar preocupado com uma possível tentativa de tomada de poder e que confiava na recuperação do Brasil. No mesmo ano, na visita do governador do estado Adhemar Barros, a reportagem reparou que o itinerário ficou restrito à Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC).

Em 15 de março de 1964, diferente de grande parte da imprensa nacional, a redação viu como positivo o Comício das Reformas, em que João Goulart propôs uma série de reformas em diversos setores do país.

Na primeira edição após o golpe militar, no dia 5 de abril, o semanário declarou em seu editorial: “Se as Forças Armadas, que são fiadoras da confiança do povo nas instituições democráticas, não souberem impor uma diretriz segura ao elemento escolhido para dirigir os destinos da Nação, neste momento difícil, é bem provável que teremos uma outra revolução, partida do povo oprimido, que procurará encontrar dirigentes que saibam interpretar os seus anseios, saibam reconhecer os seus méritos, saibam reforçar seus esforços”.

O posicionamento levantou suspeitas por partes das autoridades de o jornal ser simpático ao governo deposto. Suspeitas que aumentaram ainda mais quando o News Seller criticou a Câmara Municipal de Santo André por forçar a renúncia de três vereadores suspeitos de colaborarem com partidos de esquerda, o que rendeu um processo judicial sob a alegação de “constituir ameaça às instituições democráticas”.

Em 1965, passou a circular bissemanalmente e em 1968 deixou de adotar o nome News Seller, passando a se chamar Diário do Grande ABC, com uma tiragem de 45 mil exemplares durante a semana e 60 mil aos domingos.

O ano de 1968 foi conturbado para o país, com as greves nas cidades de Contagem (MG) e Osasco (SP) sendo fortemente reprimidas. No ABC, os funcionários da Willys/Ford, em São Bernardo, entraram em greve e as forças do exército invadiram as fábricas. Nas comemorações do 1º de maio na Praça da Sé houve confrontos e até apedrejamento e incêndio do palanque onde autoridades iam discursar. E em Santo André um sindicalista foi encontrado morto no bairro do Ipiranga após ter sido preso por distribuir panfletos considerados subversivos. E no dia 13 de dezembro foi instaurado o AI-5.

Na edição do dia 31 de julho o jornal estampava a manchete “Brasil vive ditadura”. A declaração era do general Amaury Kruel, comandante do 2° Exercito sediado em São Paulo e que teve papel importante na deposição de Goulart, mas que, depois do golpe, se mostrou insatisfeito com o autoritarismo do novo governo.

No dia 15 de dezembro de 1968, o Diário avisou seus leitores sob o fato de estarem sob censura prévia: “Diante do Ato Institucional n. 5, temos que acatar os seus desígnios. Não é hora ainda der julgamentos, assim querem as autoridades. Porém essa hora vai chegar a qualquer momento. Pedimos a Deus para que, em chegando a hora, esta revolução possa justificar-se não pelo que fez agora, mas o que fará daqui por diante”.

Mesmo durante esse momento mais complicado para a liberdade de imprensa o jornal continuou a noticiar os abusos e as reivindicações populares da época.

A partir da década de 70, o Diário começa a perceber o surgimento de um novo sindicalismo na região com a eleição de Paulo Vidal Neto para a presidência do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e Material de São Bernardo do Campo, tendo Luiz Inácio da Silva como suplente do Conselho Fiscal.

Em 1974, começa o fim do milagre econômico com a crise do petróleo e o governo termina as intervenções nos sindicatos e autoriza negociações diretamente com o setor empresarial. No mesmo ano, o Diário noticiou o primeiro congresso organizado pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema para discutir “temas ligados ao sistema legal trabalhista, bem como o sistema sindical e previdenciário”.

O jornal ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo em 1976 pela série de reportagens “Grande ABC: metamorfose e industrialização” de Edison Motta e Ademir Médici, que mantém a coluna de memória no Diário atualmente. Após o fim do AI-5 em outubro de 1978, o jornal exibia sinais de otimismo para o futuro do país.

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