Diálogos Envolverde em preto e branco recebeu o jornalista esportivo Juca Kfouri
18/10/2020 12h05 - última modificação 21/11/2020 12h18
Por – Daniel Valenciano Gimenes*
“O mundo tem mudado de maneira vertiginosa e o mundo do esporte tem acompanhado essas transformações. Os integrantes de muitas modalidades deixaram de apenas cumprir seu papel de atleta para também assumir posições sociais e políticas.” Com esse pequeno trecho, o Diálogos Envolverde introduziu o Webinar em parceria com o jornalista da CBN Juca Kfouri.
Reinaldo Canto e Dal Marcondes conduziram o debate sobre a liberdade de expressão, a política, a alienação e o engajamento no meio do mundo esportivo. Questionado sobre sua visão do cenário do esporte cada vez mais tendo voz ativa, Juca Kfouri deu sua opinião. “É uma situação delicada. Eu faço as coisas que faço, tomo as posições que tomo, sabendo quais são minhas circunstâncias e meus limites”.
Relembrando um contexto histórico sobre as posições e atitudes tomadas pelos atletas ao longo do tempo, Juca afirmou que o atleta, em regra, é um cara voltado para o próprio umbigo, com a cabeça voltada para quebrar recordes e seguir sua carreira de aproximados 25 anos. “Atletas muitas das vezes replicam os discursos da elite. Dá pra contar nos dedos os atletas do mundo que se posicionaram politicamente.”, acrescentou.
Este ano, os Estados Unidos viveram e vivem uma onda de protestos relacionados às causas de violência policial e de racismo e, sob o slogan “Black Lives Matter” (vidas negras importam), muitos se posicionaram contra a violência sofrida pelos negros, contra as atitudes tomadas pelas forças de segurança pública e o descaso de entidades para/com as causas raciais. O caso de George Floyd, um cidadão americano negro que foi enforcado até a morte por policiais, foi o estopim da campanha “Black Lives Matter”.
O liga de basquete mais famosa e mais disputada do mundo, a NBA (National Basketball Association) acontece no país e as equipes, em sua grande maioria, são compostas por atletas negros. Devido a esta onda de protestos, os atletas da competição decidiram se posicionar contra a entidade que organiza o campeonato, por não aderir à campanha.
“Agora você vê os atletas da NBA forçando a própria NBA, para que na fase final do campeonato, aderisse à campanha do Black Lives Matter”, disse Juca. O jornalista contou algo que aconteceu com ele um pouco antes da Copa do Mundo de 2014, que ocorreu no Brasil. “Meu telefone ligou e eu ouvi uma voz de fundo (achei que era trote). Daniel Marc Cohn-Bendit (líder estudantil protagonista da massiva movimentação popular em maio de 1968, em Paris) me disse que estaria vindo ao Brasil para fazer uma matéria marginal sobre a Copa do Mundo de 14.
Daniel perguntou a Juca o porquê de o os jogadores de futebol do Brasil serem ativistas políticos exemplificando Afonsinho, Tostão, Sócrates, Wladimir, Paulo André, Reinaldo e Casagrande. Juca, inconformado com Daniel, por achar que o Brasil é repleto de atletas que são ativistas políticos, diz: “então, Daniel, você me disse apenas sete nomes, não chega nem a dez”.
Por sua vez, Daniel retruca: “agora, Juca, me diga dez atletas do futebol europeu que sejam ativistas”. Juca diz que diria com exatidão, no máximo, dois nomes: o de Paul Breinter, jogador alemão da década de 1970, que era equivocadamente tachado de maoísta e o de Eric Cantona, jogador francês da década de 1980, que sempre foi a favor das questões habitacionais de seu país.
Juca Kfouri contou sobre este episódio em sua vida (ligação de Daniel) para exemplificar como é a realidade no mundo do esporte que, para ele, é um mundo totalmente conservador com uma superestrutura conservadora, corrupta e corruptora. “João Havelange, Ricardo Teixeira, José Maria Marin, Marco Polo Del Nero, Carlos Arthur Nussman – exemplos de corruptos em meio ao esporte, citados por Juca”. Para ele, o processo de mudança no mundo do esporte, com relação ao ativismo político, é lento.
O jornalista citou o exemplo recente da jogadora de vôlei de praia, Carol Solberg, que está sendo julgada pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) por gritar “fora Bolsonaro” em uma entrevista após cerimônia de premiação de uma etapa do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia. “Este exemplo da Carol Solberg virou algo de grande importância à defesa da liberdade de expressão, tanto que a defesa de Carol será feita por Felipe Santa Cruz (presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB)”, acrescentou Juca.
O Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), em seu artigo 258, trata sobre as condutas contrárias à disciplina ou à ética desportiva não tipificada pelas demais regras do código, que devem ser assumidas pelo praticante, no caso, por Carol Solberg. A atleta foi denunciada com base neste artigo e no artigo 191, que trata das infrações relativas à administração desportiva, às competições e à justiça desportiva. Para ele, o comitê olímpico pensa em uma forma de afrouxar as regras que impeçam os atletas de se expressarem politicamente.
“Política é inseparável de tudo, inclusive do esporte”. Juca Kfouri criticou o comentarista Caio Ribeiro por ser contra o posicionamento do diretor do São Paulo, Raí, ao criticar o presidente da república Jair Bolsonaro. Juca disse que, estas pessoas que dizem que futebol (esporte) não se mistura com política, são as que fazem o pior tipo de política.
O individualismo de Carol Solberg se diferencia do coletivismo dos atletas da NBA, que paralisaram uma rodada da competição em protesto com relação à morte de um jovem negro fuzilado dentro de seu carro. Juca Kfouri cita a cartolagem dos diretos da NBA, que só concordaram com a suspensão da rodada, porque sabiam dos prejuízos que teriam com a falta de jogos.
O jornalista citou o exemplo do Bom Senso Futebol Clube, um movimento de mais de 300 atletas de grandes clubes do Brasil em prol da melhoria das condições do futebol brasileiro, tanto com relação aos calendários de jogos e o fair play financeiro, quanto às férias dos jogadores. “O líder era o Paulo André, que foi exportado para o futebol chinês, por conta de ser o idealizador deste movimento”. O jogador chegou a opinar sobre o fim do Bom Senso Futebol Clube: “o país agride quem pensa e se posiciona”.
Juca Kfouri criticou a postura do Brasil na Copa do Mundo de 2014. “Nós devíamos ter feito a Copa do Mundo no Brasil para o Brasil e não a Copa do Mundo no Brasil para Alemanha, Japão, Coreia, etc”. Com esta crítica, o jornalista quis dizer que não era necessária a construção de 12 sedes para a Copa, mas sim a utilização e adaptação de estádios já existentes. Ele citou a Arena Neo Química, na época conhecida como “Itaquerão”, que foi construído para a competição e apontou o Pacaembú e o Morumbi, que existiam há mais tempo e não foram utilizados naquela edição de Copa do Mundo.
Para muitos que pensam que o esporte é separado da política, os casos recentes do “Black Lives Matter” e de Carol Solberg evidenciam o erro em se ter este tipo de pensamento. Os casos de Éric Cantona e de Paulo André mostram que os jogadores podem fugir do padrão de atleta citado por Juca Kfouri, de que nunca vão contra a elite, e evidenciam que a alienação não acontece com todos no mundo esportivo e que o engajamento deles, por terem grande visibilidade, pode mudar a postura e o posicionamento da elite e dos demais atletas.
*Daniel é estudante de jornalismo na Universidade Metodista de São Paulo e estagiário da cátedra UNESCO/UMESP de Comunicação para o Desenvolvimento Regional.