Da necessidade de compreender e incluir o corpo nos estudos de comunicação
26/04/2019 17h48
Somos formados a partir de um repertório de rituais corporais que implicam o cestabelece um processo comunicativo por meio da linguagem corporal. Foto: Ahmad Odeh/ Unsplash
Amanda Zanco
Vivemos em um mundo de "conexões". O termo conexões refere-se a à ideia de que somos parte de uma teia inseparável de relações, onde os olhares, os gestos, a fala, o cheiro nos colocam em relação a alguém. Nosso corpo emana algo para outro. As ideias aqui apresentadas partem do princípio de um discurso do corpo e no corpo que dispensa suporte tecnológico.
No livro Corpo como expressão e fala (2009), Marleau-Ponty apresenta o corpo como produtor simultaneamente de pensamento e expressão. Essa ideia nos aproxima do que Le Breton, no livro Sociologia do Corpo (2007), entende por corporeidade, ou seja, o ser humano faz do mundo a extensão de sua experiência, de modo que o corpo produz sentidos continuamente e nos insere em um espaço social e cultural. Somos, portanto, formados a partir de um repertório de rituais corporais que implicam o compartilhamento das experiências com o outro e, ao mesmo tempo, estabelece um processo comunicativo por meio da linguagem corporal.
Para Norval Baitello Júnior, inspirado em Pross, o corpo é uma mídia primária, de tal forma que a comunicação nele começa e também nele termina. As mídias secundárias, segundo a Teoria da Mídias de Harry Pross, são as máscaras, pinturas, adereços corporais, roupas, logotipo, bandeiras, ou seja, objetos diversos que usamos para nos comunicar. Esses itens podem ser pensados como amplificadores da potência comunicativa do corpo.
No livro Comunicação e Corpo (2004), Lucia Santaella discute a respeito do corpo no campo comunicacional em relação à arte, à mídia, à tecnologia e à cultura. Nas mídias, aquilo que fornece as ilusões do eu são sobretudo as imagens do corpo. Para ela, existe uma consonância de comprimento do padrão ideal, modelizado e retificado do corpo como uma promessa de felicidade.
A autora explica ainda que as imagens corporais estão ligadas às questões de auto-estima, de poder pessoal e também de representação social. Nosso corpo pode ser pensado como imaginário, simbólico, real e como um sintoma da cultura. Esta última percepção refere-se aos modos contemporâneos de gozo que se relacionam com o corpo, como o exibicionismo exacerbado dele nas mídias. O corpo, assim, é um sintoma da cultura. Como ressalta Santaella, o corpo virou uma ancoragem entre o gozo e os imperativos da vida em sociedade.
A partir dessa perspectiva, notamos muitos estudos da comunicação que discutem o poder das mídias na construção do corpo objetificado da mulher. Esses estudos são fundamentais para entender a relação do corpo com a mídia e as questões de gênero. No livro Dominação Masculina (2002), Bourdieu comenta que a lógica de dominação é exercida pelo princípio simbólico conhecido e reconhecido pela língua, estilo de vida e propriedade corporal. A diferença entre o corpo masculino e feminino é entendida como uma justificativa natural para as diferenças socialmente construídas entre gêneros em todas as práticas sociais.
Outro campo que explora as questões corporais na comunicação é a fotografia, que trouxe a possibilidade de contemplação do corpo de todos os ângulos e a reprodutibilidade das imagens dele. É fascinante a diversidade de superfícies, aparências e faces do corpo que a fotografia se apropria. Quando decodificamos uma foto, podemos entender o corpo como um suporte de textos culturais. O papel mnemotécnico dos textos culturais, sob o olhar da semiótica da cultura, é sua função simbólica, que aciona formas e sentidos existentes na cultura armazenadas previamente pelo receptor. O corpo, neste sentido, é também um espaço de memória. Por isso, as fotografias, especialmente as fotorreportagens de jornalismo humanitário, podem nos comunicar tantas coisas.
A Teoria Corpomídia desenvolvida por Christine Greiner e Helena Katz, pesquisadoras e professoras da PUC/SP, não poderia deixar de ser exposta nesse texto. O conceito é uma abordagem interdisciplinar que considera o corpo como mediador, no sentido de re-apresentar informações que “capta” do ambiente. Nas ciências cognitivas, a relação do corpo com o ambiente ganha uma nova configuração, cada aprendizado traz ao corpo uma rede particular de conexões. Tal teoria considera o corpo uma espécie de mídia em que a informação passa por ele e desenha suas interfaces. O corpomídia é resultado de acordos entre mecanismos de produção, armazenamento, transformação e distribuição de informação. Na compreensão da vida como uma rede de troca de informações e conexões, a ideia de corpo como mídia é essencial.
Importa a esse texto mostrar, de maneira breve, as possibilidades das relações do corpo nos estudos de comunicação. Nosso corpo é o nosso suporte para as relações, conexões e expressões, sendo para Foucault um sítio em que os discursos se inscrevem resultantes de contínuas negociações de informações com o ambiente. Ressaltamos a importância de questões corporais na comunicação como uma forma de compreensão dos outros e de nós mesmo. Essa dialética é necessária para abrir as pesquisas de comunicação para o engajamento social. O olhar humano deve contribuir para nossa relação/conexão como o mundo, pois o corpo não é somente nossa mídia primária… É o refúgio de nossa alma; o suporte da nossa vida.