Coordenadora do NetLab da UFRJ explica a atuação dos robôs que manipulam o debate político nas redes sociais
16/06/2020 23h07
João Gabriel Fiasche
Em entrevista ao Sonar, blog do jornal O Globo que analisa a influência das redes sociais no debate político, Rose Marie Santini, fundadora e coordenadora do laboratório NetLab, vinculado à Escola de Comunicação da UFRJ, falou sobre o “Gotcha”, ferramenta desenvolvida pelo laboratório em parceria com a Twist (empresa de Data Science) que utiliza inteligência artificial para identificar a presença de “social bots” nas redes sociais.
O algoritmo do Gotcha é treinado para identificar contas falsas que postam e interagem em português no Twitter. Segundo Santini, outras redes como Facebook, Instagram, Whatsapp e LinkedIn não disponibilizam seus dados para análise, o que restringe a ferramenta a identificar a atuação de robôs apenas no Twitter.
Santini afirma que há uma estimativa de que 51,8% do tráfego na rede é feito por bots, sendo 22,9% de bots benignos, com proprietários visíveis, sendo a maioria empresas que os usam para automatizar tarefas e 28,9% de bots malignos, que geralmente se camuflam como usuários comuns na tentativa de organizar movimentos para derrubar páginas e alterar resultados do Google Trends, por exemplo.
A coordenadora do NetLab também explica que para calcular o contágio social das redes são usados modelos matemáticos muito parecidos com aqueles utilizados no cálculo de uma dinâmica de contágio viral, como na pandemia de coronavírus, por exemplo. Ela explica que embora seja raro e demorado um processo de contágio orgânico, ou seja, uma situação em que usuários reais levantam determinada hashtag no Twitter, é muito comum e rápida a viralização de conteúdos orquestrados automaticamente por bots, trolls, perfis falsos e influenciadores contratados.
O debate político é constantemente influenciado pela atuação de robôs. Segundo Santini, a “indústria da desinformação”, responsável pela ampla disseminação de fake news como estratégia de manipulação, movimenta anualmente cerca de 78 bilhões de dólares no mundo todo, e em decorrência da importância política e econômica que essas atividades estão atingindo, a programação de bots está ficando cada vez mais sofisticada.
A Califórnia criou em 2019 uma lei para tentar regular as redes, protegendo seus usuários de bots, mas não obteve sucesso devido às estratégias adotadas pelos programadores dessas contas, para dificultar a identificação dos robôs.
Santini também afirma que a influência dos bots não pode ser desprezada apenas pelo fato de serem usuários irreais. A presença de robôs disseminando massivamente ofensas e conteúdos falsos pode alterar a maneira como os usuários reais se comportam, moldando o comportamento das pessoas para que elas fiquem cada vez mais parecidas com esses robôs. A chance de viralização de um conteúdo postado por um bot é 2,5 maior do que a do ser humano.
Na entrevista Santini ainda aponta que embora os robôs sejam peças chave na estratégia de manipulação virtual, a indústria da desinformação não se limita a eles. Sites de notícias hiper-partidários, influenciadores pagos e usuários voluntários, que constituem as chamadas MAVs (Milícias Anônimas Virtuais) também integram esse processo, que culmina na contaminação do debate público nas redes sociais.