Magali Cunha relata sua experiência na Nigéria em seminário

10/04/2017 13h40 - última modificação 10/04/2017 17h20

Grupo da Peregrinação de Justiça e Paz (arquivo pessoal)

Vittória Cataldo

O Núcleo de Estudos em Comunicação Comunitária e Cidadania (COMUNI), da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) promoveu na terça-feira, dia 04 de abril, o II Seminário de Comunicação e Desenvolvimento. A reflexão do seminário partiu do contexto de falta de paz e da incomunicação na Nigéria e foi conduzida por Magali do Nascimento Cunha, professora doutora, docente do programa de Pós-graduação em Comunicação Social da UMESP.

A experiência da professora Magali na Nigéria aconteceu no âmbito da Peregrinação de Justiça e Paz promovida pelo Conselho Mundial de Igrejas (CMI) naquele país, entre os dias 19 e 26 de fevereiro de 2017. O grupo formado por 25 pessoas visitou duas cidades na Nigéria: a capital Abuja e Kaduna, na região centro-norte.

O CMI elegeu juntamente com a Organização das Nações Unidas (ONU), seis lugares no mundo, que estão em situação limite na questão da violência e nas mais diversas formas de intolerância e falta de paz e justiça. Portanto, por decisão do CMI, as reuniões sobre essas questões ocorrem nesses lugares. São eles: Palestina, três países da África (Nigéria, Congo e Sudão), Colômbia, Paquistão e, por fim, Coreia do Norte e do Sul.

A Nigéria é um país localizado no oeste do continente africano conhecido como África Saariana, banhado pelo Oceano Atlântico. É constituída por 36 estados e há cerca de 550 etnias diferentes. Em 1472 aconteceu nessa região o domínio português e conseguintemente o tráfico de pessoas para a escravidão. No século 19, iniciasse a dominação britânica as terras nigerianas. A independência do país só foi possível, em 1960.

O país possui duas grandes religiões em seu território que dividem a população, como podemos observar no infográfico:

Infográfico 1
Religiões na Nigéria em 2011 (imagem por Pedro Zuccolotto)

Os cristãos são fundamentalmente protestantes, com uma pequena parcela católica. As outras religiões são tradicionais dos povos locais. “A religião é um elemento bem forte na realidade desses grupos e há expressões tradicionais presentes no cristianismo e no islamismo”, declara a professora, citando os exemplos da relação com a natureza e a crença nos Orixás. “As pessoas vão à igreja, mas tem seu Orixá em casa, vão na mesquita, mas tem a relação com o rio que tem perto de casa de onde virá uma benção”, afirma.

O extremismo islâmico provoca tensões desde 2000, quando aconteceu a instituição da sharia (lei islâmica) em 12 dos estados do norte do país. Grupos extremistas de cristãos têm surgido e também amplificado a violência. “O que a gente fala dos traficantes no Brasil, é a presença dos extremistas em certas áreas lá”, comenta a professora.

A questão da militarização do país produziu grupos extremistas islâmicos como Boko Haram, que fez crescer a violência dos Tocadores de Gado Fulani (tribo nômade).  Ataques sangrentos do Boko Haram e dos Fulani têm gerado resposta dura dos militares: cerca de 6 mil civis foram mortos até 2014 e centenas de milhares obrigados a fugir (aproximadamente 2 milhões de pessoas de 2000 até 2016). Os nigerianos vivem em constante medo de assassinato e sequestro pelos extremistas. Além, das prisões arbitrárias, detenção ilegal, tortura e até mesmo de execução pelas mãos dos militares.

Os extremistas por muitas vezes matam morados de vilas e povoados na Nigéria, apenas para reafirmar o seu poder sobre a vida da população. Na cidade de Kaduna, no centro-norte do país, aconteceu um massacre em um bairro, todos os homens foram mortos. Hoje o bairro é habitado somente por viúvas. Mata-se por matar, não se tem um objetivo”, comenta a professora.

A violação dos diretos humanos no país passa pela lógica da desigualdade na concentração de renda da população. Em 2013, a economia cresceu 12% e se manteve até 2016, mas a taxa de desemprego está acima dos 20%. Cerca de 60% da população vive com menos de US$ 1 por dia.

A riqueza da Nigéria está concertada na mão de poucos. As pessoas muito ricas detêm esse dinheiro e grande parte da quantia vai para fora da região, ou seja, a maior parte dos recursos financeiros não é investido no país. Outra questão complexa é a presença das empresas petrolíferas, que poluem as terras e os rios dos quais um grande número de pessoas retira sua subsistência.

Infográfico 2
Violação de Direitos Humanos na Nigéria (imagem por Pedro Zuccolotto)

A professora Magali falou ainda sobre a incomunicação e a falta de paz na Nigéria. O ponto de partida da reflexão foi a apresentação de alguns números sobre os meios de comunicação no país. Atualmente são cerca de 80 estações de TV, centenas de rádios e 80 jornais de grupos privados. “E as mídias servem aos grupos que as detém”, afirma a professora.

Nos conflitos graves de 2001, na cidade de Jos, a principal rádio do país não informava sobre as mortes e danos causados por muçulmanos. Da mesma forma, os jornais cristãos não relataram os danos e mortes causadas por cristãos, mas sim focaram no terror islâmico. “Uma necessidade fundamental na Nigéria é desfazer a ideia de que os massacres e as ações terroristas ocorrem em nome de Deus”, finaliza a professora Magali. 

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