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PolíticABC

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AMANDA SOUZA
NATÁLIA BLANCO
VINÍCIUS REQUENA

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empre ouvi as lideranças do PT tratarem o ABC quase que como um curral eleitoral fechado. Venho aqui para dizer que nessa eleição eles vão provar do próprio veneno, porque vamos ganhar aqui.” A frase do tucano Aécio Neves foi uma profecia que se realizou. Dos sete municípios do ABC, ele ganhou em Santo André, São Bernardo, São Caetano e em Ribeirão Pires no primeiro turno, e no segundo turno a cidade de Mauá se juntou a esta estatística em um total que representa 56,22% dos eleitores da região. O voto no PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) também se manifestou na eleição para governador. Os sete municípios elegeram o candidato tucano Geraldo Alckmin, variando a porcentagem de votos de 38,44% a 60,33%.

A fala do então candidato à Presidência, proferida em São Caetano no mês de abril, soa como uma afronta e projeta uma nova configuração política no ABC, o berço político do PT (Partido dos Trabalhadores). Foi em São Bernardo que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou sua carreira política como sindicalista. Foi em meio às greves e lutas por melhores condições trabalhistas que brotaram as ideologias do partido.

A candidata à presidência em 2014, Luciana Genro (PSOL), falou sobre o PT perder as eleições no ABC e o novo desejo político dos eleitores da região, ouça:

O cenário que um dia foi industrial e abriu margem para o movimento dos trabalhadores anos atrás vem mudando ao longo do tempo – e a derrota para o PSDB é apenas um sintoma. A região do ABC vem sofrendo sérias mudanças em seu setor econômico, influenciando também, nas preferências políticas da população.

O ABC que elegia lideranças sindicais não existe mais, pois a região está mudando sua economia. Comparando o ano de 1970 com 2000, no primeiro período a PEA (População Economicamente Ativa) do setor industrial representava 58,35% do total da região. No segundo, o número caiu para 32,43% enquanto o setor de serviços subiu de 41,13% da década de 1970 para 67,39% em 2000.

Estas mudanças se devem a um longo processo de desenvolvimento. Com o aumento da produtividade do setor agrícola e a diminuição da necessidade de mão de obra, os trabalhadores foram absorvidos pela indústria e pela manufatura. Depois, o mesmo acontece com o setor de indústria, por conta da estabilização da oferta de empregos ao longo dos anos, e o setor de serviços passa a absorver esses trabalhadores.

O movimento dos trabalhadores nasce na época em que a indústria era mais forte na região. Mesmo com leis de proibição de greve por causa da ditadura militar, os metalúrgicos iam para as ruas lutar por suas ideias e suas reivindicações.

“A política no ABC até o início do PT não existia. Você tinha uma política de luta sindical de esforços reivindicatórios, conquistas sociais pra criar dignidade nesse mundo de imigrantes que chegou pra cá e isso cria um grande processo político”, afirmou o professor e membro da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, Luiz Roberto Alves. “Mas não é político de maneira partidária, é um outro tipo de política.”

Até a década de 1950, o eixo de crescimento do Estado vinha da estação da Luz, depois o Brás, Mooca e Ipiranga e expandia, então, para São Caetano e Santo André. A construção da Rodovia Anchieta, fez o eixo se deslocar para São Bernardo. “A modernização da indústria automobilística preferiu ficar perto da Anchieta. Com isso, as ideias trabalhistas que vinham de antes, continuaram até 1964, quando veio o golpe militar”, contou Antonio de Andrade, professor da Universidade Metodista de São Paulo e pesquisador da Cátedra Unesco de Comunicação.

Com o início da ditadura no Brasil e o péssimo caminho que a economia seguia, a primeira greve acontece em 1978, na Scania. Além de reivindicar salários, foi pioneira em revelar um clamor por democracia e por participação popular. No ano seguinte, em 1979, a greve se repete mais intensa, com mais participação. A pauta reivindicações cresceu. “Havia uma ansiedade de participação democrática, que desaguou em um movimento grande de políticos e de artistas contra a ditadura.

LINHA_DO_TEMO_FINALHouve a cassação dos dirigentes sindicais, Lula na época era presidente do sindicato. Eles foram presos, e houve intervenção no sindicato, então o pessoal começou a realizar as assembleias dentro da Igreja Matriz”, explicou Luiz Silverio, Coordenador da Cátedra Gestão de Cidades da Universidade Metodista de São Paulo.

Com a ajuda da igreja, os trabalhadores conseguiram se reunir e realizar as famosas marchas da Igreja Matriz até o Paço Municipal, ou até o campo do Primeiro de Maio, onde faziam as assembleias com milhares de pessoas. A partir dessas greves, criou-se um novo sindicalismo no Brasil. Tanto os empresários como os trabalhadores começaram a aprender a conversar, negociar, e essa atitude atingiu todo o país. “Do ponto de vista político, começou realmente a explosão nacional, de maneira pública, contra a ditadura, foi um movimento que impulsionou o que ia acontecer em 84, com as ‘Diretas Já’”, contou Silvério.

A política do tipo partidária na região nessa época era muito fraca, pois a única manifestação de oposição ao regime militar se dava pelo MDB (Movimento Democrático Brasileiro), que era nacional e se opunha à Arena, partido do governo. Esse cenário só começa a mudar com o nascimento do PT, em 1980. O partido foi fundado em São Paulo, no Colégio Sion, mas suas bases ideológicas nasceram no ABC, com os trabalhadores.

De acordo com o Luiz Alves, a criação de um partido provoca mudanças, mas o movimento dos trabalhadores poderia ter continuado como estava, sem necessariamente a criação de um partido. “As circunstâncias do tempo e o debate entre intelectuais e trabalhadores, acabam levando a um caminho partidário. O pessoal fazia bem, afinal de contas tínhamos líderes trabalhadores 20 anos antes do Lula. Ele [Lula] não tinha a mínima consciência de trabalho, quando já estiveram aqui outros trabalhadores inteligentes e sindicais que enfrentaram Getúlio Vargas. Tudo isso aconteceu independentemente dos partidos”, explica.

O PT nasce como um partido ligado à questão da representação dos trabalhadores urbanos, mais ligado à indústria automobilística, tendo uma presença muito forte do Sindicato dos Metalúrgicos. “Foi esse espaço aqui que criou as condições para apresentar o Lula para todo o Brasil e se lançar na carreira política. Então, eu acho, que sem ABC, não que não existiria PT, mas provavelmente iria demorar muito mais para nascer”, afirmou o cientista político, Nilton Tristão, diretor do Instituto Opinião.


Amor e ódio

O ABC sempre viveu uma relação de amor e ódio com o PT. Em São Bernardo, por exemplo, a principal cidade do movimento dos trabalhadores, o primeiro prefeito do partido só foi eleito em 1993, com Maurício Soares. O melhor desempenho do partido acontece nas eleições em 2000 para prefeito, para a gestão 2001-2004, em que quatro municípios da região elegeram prefeito do PT. arte_prefeitos

Essa relação inconstante com o partido se da pelo crescimento da classe média na região. De acordo com Tristão, à medida que a classe média sobe o PT perde apoio político. “O PT não avança sobre classe média. O seu governo adotou uma abordagem mais assistencialista, voltado à questão de projetos sociais fazendo com que o partido, em um conjunto total tenha uma dificuldade de dialogar com a classe média”, afirmou.

Tristão afirma que o ABC continua tendo um peso muito significativo. A região continua tendo uma particularidade econômica muito forte. “Eu não tenho a menor dúvida que o ABC é passagem obrigatória para todo e qualquer candidato, seja da cidade de São Paulo, seja a nível nacional.”

Para o atual vice-presidente da República, Michel Temer, o ABC também é de extrema importância para uma decisão na política e tem como principal característica expor seu apoio. “As pessoas têm um sabor político extraordinário e uma participação política muito grande. Quando a população daqui pende para um lado, tem um peso fundamental.”

A região hoje representa o segundo PIB do Estado de São Paulo. A maior parte da economia do país acaba passando pela região, pela proximidade do porto de Santos e pela localização das indústrias e isso acaba refletindo na política. “A região hoje é um reflexo do que vai acontecer no país em relação à política. Aqui temos um misto de todo o país, do sul, centro-oeste, norte, nordeste e vejo que as cidades hoje estão com um bom encaminhamento para a renovação”, disse Lauro Michels (PV), atual prefeito de Diadema.

De acordo com o prefeito, essa importância que o ABC tem, vem decaindo com o tempo por causa das diversas crises que o país vem enfrentando, tanto na economia, como na questão do desemprego, inflação, indústria e no principal polo que a região possui, o setor automobilístico. “Diadema e São Bernardo são as cidades que mais geraram desemprego, porque é onde se concentra o maior número de indústrias”, afirmou.

 

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Além do PT

A criação do PT foi resultado de uma demanda que estava sendo imposta pelo contexto político da época. Em um regime militar, marcado pela opressão e falta de liberdade, era necessário que a classe trabalhadora tivesse uma referência, “era inconcebível para o operário votar no mesmo candidato que o patrão”, diz Lígia Gomes, candidata a deputada estadual não eleita e representante do diretório do PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado) no ABC. O PT surge a partir da junção de vários movimentos, como o movimento estudantil e operário, que traziam consigo algumas tendências, chamadas de correntes.

No entanto, com o passar do tempo, iniciou-se o processo de ruptura com algumas correntes dentro do partido, pois as transformações revolucionárias que muitos intelectuais e militantes defendiam não aconteceram. Para estas correntes, era visível a raiz do “velho sindicalismo”. A corrente Convergência Socialista era uma das correntes que passou a fazer a crítica pelo modo com que o PT estava sendo conduzido, e que saiu do PT com um novo partido, o PSTU, criado em 1994, assim como o PCO (Partido da Causa Operária).

Para o cientista político Tristão, era inevitável que não ocorresse a ruptura dentro do partido, uma vez que ele surge a partir de várias correntes, que mesmo de esquerdas, possuem suas particularidades e algumas diferenças. “Foi a junção de correntes que vinham de mais diferentes lados, você via os movimentos ligados à igreja e a teologia da libertação, como tinha o marxista que pregava a revolução do proletário”.

Segundo Lígia, o movimento “saiu muito maior do que entrou. Entramos com talvez 200 estudantes, e saímos com um partido com mais de mil. E não foi só a convergência socialista, várias outras correntes participaram deste processo”.

A ruptura se deu pelo fato de que para estes grupos, o PT estava perdendo seus valores iniciais. A grande crítica gira em torno das alianças que foram feitas e não beneficiaram mais a classe operária.  A Central Única dos Trabalhadores (CUT), criada em 1983 em São Bernardo do Campo, surge com o propósito de unir a classe, porém após os processos de rompimento passou a ser vista por alguns como mais um mecanismo político do partido e que beneficia o “patrão”.

Hoje, já existem outras centrais sindicais atuantes não só no ABC, mas no Vale do Paraíba, como a Conlutas – Central Sindical Popular, que procuram trazer benefícios para a classe que hoje sofre com o desemprego causado pelo crescimento do setor de serviços, e pela deterioração da qualidade de vida. As assembleias nos sindicatos não têm mais o mesmo valor que tinham anos atrás. O que gera um enfraquecimento e acaba “freando” a categoria, e como se vê, os votos com motivação política também migraram dos partidos de esquerda.

Para Tristão, o crescimento do setor de serviços afeta a estrutura política da região. Houve uma perda de força dos sindicatos, e o fato da CUT ser um braço de atuação do PT, causa um distanciamento entre a categoria. “Na medida em que existe um enfraquecimento do sindicato, o PT perde instrumentos para se fazer política, a representatividade do PT dentro do setor de serviços é mais restrita”, acrescenta.

Mas para Lígia, apesar destes fatores, “o ABC tem uma história de luta que ninguém esquece. O sindicato dos metalúrgicos do ABC ainda é a principal organização política e sindical, e ainda tem um peso muito importante no próprio partido dos trabalhadores, além da CUT”.

 

Nova configuração

Que a região teve muita expressividade política no passado, principalmente com as influências do PT, isso todo mundo sabe. A cidade de São Bernardo, por exemplo, é conhecida em todo o Brasil como berço sindicalista, e observada com certo respeito por muitas pessoas, principalmente nordestinos, que até hoje apoiam massivamente o partido de Lula. Hoje é nítido que a influência do PT na região cai a cada dia, e novas opções de lideranças passam a ser a principal escolha do eleitor. E no futuro? O PT deixará completamente de obter alguma expressividade, ou o cenário tende a mudar drasticamente? O que vai mudar no ABC?

O irmão do ex-presidente Lula e ex-sindicalista, Frei Chico concorda que o ABC tem um papel importante na política nacional, mas precisa repensar a forma de girar a economia na região. “O ABC é muito importante para o Brasil e deverá continuar sendo. Só que nós temos que nos adaptar a realidade do país e do mundo, hoje, o automóvel passa a ser um obstáculo se a gente não tiver outros meios de desenvolvimento para a região”, afirmou.

O senador eleito José Serra (PSDB) admitiu a importância da região para a política e lamentou a desindustrialização sofrida no atual governo do PT, ouça:

Em relação à estagnação de um só partido no poder das sete cidades, Nilton Tristão discorda. Para ele, o poder tende a se alternar daqui pra frente, constantemente, não havendo mais nenhum tipo de monopólio. “A alternância de poder é algo que vai continuar acontecendo. Muitas cidades da região adquiriram forças antipetistas, o que exclui totalmente a possiblidade do partido voltar a ter o poder soberano. Hora o PT ganha, hora perde, não acho que vai mudar muito do que a gente tem hoje, a política vai ficar nessa zona de equilíbrio”.

O prefeito de Santo André Carlos Grana (PT) ressaltou que além da importância política, a região é muito influente economicamente, ouça:

A região não será mais ativa sindicalmente, e consequentemente não possuirá outro grande movimento político, mas, segundo Luiz Alves, o ABC tende a abranger seu desejo de política para todo o país, que terá que responder a população com políticas inovadoras, que mostrem mudanças atuantes na região, mas sem reformas profundas, para evitar as bandalheiras, a má fiscalização do governo e consequentemente, a corrupção. (colaborou Rafael Pezzo)

Assista ao documentário "Do Sindicalismo à Política Partidária", que mostra a trajetória de Djalma Bom e Expedito Soares do sindicato ao parlamento:

 

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BRENNO SOUZA
SERGIO NETO
VINÍCIUS REQUENA

Atual prefeito de São Bernardo do Campo e cumprindo o segundo mandato como presidente do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, Luiz Marinho é o principal nome da política da região. Nas décadas de 1970 e 1980 participou das lutas contra o regime militar ao lado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2003, assumiu a presidência da CUT (Central Única dos Trabalhadores). Dali caiu nas bênçãos do poder em Brasília. Foi duas vezes ministro, do Trabalho (em 2005) e da Previdência Social (2007). Em 2008, foi eleito prefeito de São Bernardo do Campo no primeiro turno. Reeleito quatro anos depois, foi coordenador de campanha da presidente Dilma Rousseff, em 2014. Na entrevista a seguir, Marinho fala sobre o seu papel dentro do PT (Partido dos Trabalhadores), o papel do ABC nas eleições e sobre o futuro econômico e político da região.


Marinho_montagem_2PolíticABC: O senhor trabalhou na Volkswagen e fez parte do movimento sindical no ABC nos anos 70, em plena ditadura. Quais são as suas principais lembranças?

Luiz Marinho: A ditadura militar se reproduzia de forma feroz dentro das fábricas, a pontos de generais, coronéis, tenentes e sargentos aposentados serem dirigentes das empresas. Lula liderou um processo de rompimento contra essa reprodução da ditadura nas empresas. Há relatos de que em um dos acordos, provavelmente em 1979, os generais pressionaram as empresas a não fazerem acordo, pois iria valorizar a liderança do Lula. Mas, logo o movimento sindical do ABC se reproduziu nos bancários de São Paulo, nos petroleiros do Brasil inteiro, na construção civil, nos movimentos do Rio Doce, nos mineiros. Muita gente pensou em fazer o mesmo em outros lugares. Aquele foi um processo que conquistou a sociedade, uma conquista do processo democrático.

 

PolíticABC: O senhor acha que o sindicato ainda tem essa força hoje em dia?

LM: Tem. Hoje o sindicato influência mais na vida da política pública do que naquele momento. A situação da economia globalizada não permite mais uma greve de longo prazo de categoria como tinha na década de 1970 a 1990. Antigamente, para realizar uma greve era necessário planejar e trabalhar o ano inteiro em torno dela. Hoje é bem mais simples. As mesas de conversação existem permanentemente hoje. Problemas que eram tratados na década de 1990, hoje mal chegam ao sindicato, pois o pessoal resolve ali no local de trabalho na hora que ele surge. A representatividade existe e é mais organizado do que era.

 

PolíticABC: Em 2001, o senhor fez um acordo com a Volkswagen para evitar mais de 3.000 demissões em que teve que ir para a Alemanha. Como foi essa negociação?

LM: Tinha um dirigente que botou na cabeça que tinha que desmembrar a Volkswagen, pois queria transferir para São José dos Pinhais, no Paraná. A direção mundial da empresa era contrária. Esse dirigente veio pra cá e começou a desmontar a Volks, fez um papel muito forte de mídia chamando atenção que o ABC tinha ficado insuportável de continuar produzindo por causa do salário, o sindicato atrapalhava, entre outras coisas. Quando ele anunciou as demissões, a gente abriu o processo de negociação, e ele rechaçou solenemente todos eles, consolidando as demissões. Resolvi chamar a imprensa e explicar o que estava acontecendo. Expliquei que os problemas não eram os apenas salários, pois a Volks havia perdido mercado para concorrentes como a Ford e a GM. Os jornalistas compreenderam aquilo, fazendo com que a gente ganhasse a guerra da comunicação. A partir daí, resolvi ir pra Alemanha. Lá, disse que desejava que a Volks respeitasse o trabalhador brasileiro do mesmo jeito que respeitava o trabalhador alemão. Expliquei que o gerente estava acabando com a Volks no Brasil, a imagem deles estava no chão. Fechamos um acordo e o sujeito foi demitido após 45 dias.

 

PolíticABC: Esse ano foi complicado para a indústria automobilística. O senhor acha que o polo industrial do ABC ainda é muito forte e tende a melhorar?

LM: Esse ano foi muito difícil, não só para a indústria automobilística. Esse ano foi complicado para a economia global e está refletindo em toda a economia brasileira, que reflete no parque industrial do ABC paulista, que reflete na indústria automotiva. O setor aqui ainda é muito forte e ele foi nacionalizado, especialmente a produção de automóveis. Produzimos metade da produção de caminhões de todo o Brasil, totalizando Mercedez, Scania e Ford. A participação determinante no setor de caminhões que tem um valor agregado maior do que os outros carros. Nos automóveis, temos a ordem de 20% de produção de mercado nacional, o que é uma produção importante. E ainda temos uma nova fábrica a se instalar aqui, a Toyota, que está trazendo a produção do Prius, a partir de processos das novas fontes energéticas, um modelo híbrido de motores elétricos e de combustão.

 

PolíticABC: Além disso, tem a entrada da Saab, na parte de aviões, e o aeroporto anunciado pelo senhor. Como o senhor vê isso? É uma tentativa de trazer um novo setor para a região? Qual a importância disso?

LM: É a lógica de pensar em uma atualização de tecnologias, atrair setores que busque estar em sintonia com a inteligência que nós montamos na região a partir das presenças das universidades, especialmente as de engenharia. A capacidade intelecto da região e a qualidade da mão de obra favorece esse processo. De fato, quando o Brasil tomou a decisão de comprar o Gripe, foi muito benéfico à nossa região. Isso seguramente vai influenciar no futuro, daqui uns 10, 20 anos. A lógica é da mesma forma que aconteceu com o setor automotivo, a descentralização do ABC para o Brasil, é a lógica de pensar a indústria aeronáutica e descentralizar do Vale do Paraíba e ter o ABC e outra região presente nesse processo.

 

PolíticABC: Como o senhor vê a relação hoje em dia entre o PT e o Sindicato?

LM: O sindicato é uma coisa e o PT é outra completamente diferente. O sindicato tem uma importância política grande. A base do sindicato não é só os moradores de São Bernardo, mas sim os trabalhadores da categoria metalúrgica espalhados pelo ABC inteiro e São Paulo, Baixada Santista e etc. Tem influência, mas não na dimensão imaginada. E o projeto político é um projeto de conquista da maioria da sociedade, que pode até te considerar representativo, mas como insuficiente para dirigir um projeto político. O PT tem consciência de não ser a opção, mas ser a possibilidade de construção de aliança para dirigir o país, Estados, municípios. Ou você tem um processo de construção de alianças que dê base para você ganhar e dirigir, ou não cria a base política pra sustentar o governo.


PolíticABC: O senhor foi especulado como possível candidato a governador. Quando o senhor sair da prefeitura de São Bernardo, pretende assumir outros cargos?

LM: Nessas eleições, o candidato Padilha iniciou um processo recente de crescimento. Isso me coloca como cabo eleitoral número 1 dele. Pensamos em projetos políticos e não de pessoas. Se desejasse ser candidato a governador, muito provavelmente teria sido. O próprio Padilha veio me perguntar se eu não queria mesmo. Não vou renunciar mandato, mesmo se o Lula me pedir. 


PolíticABC: Mas o senhor não tem nenhuma vontade própria, um desejo?

LM: Eu sou daqueles que não precisa antecipar as coisas. Se tiver que ser, será. Não preciso ser governador. Estou preparado para os desafios? Acho que estou. Agora, não precisamos antecipar nada. Por que vou ficar perdendo sono em casa pensando em como seria se fosse governador, ou isso ou aquilo, se eu tenho outra preocupação agora. Vou governar a cidade até o último minuto, com muito entusiasmo. Se eu desfocar, a equipe inteira desfoca, os projeto não saem. Eu sei do meu tamanho no partido, sei do carinho que tenho no partido, sei que vou fazer parte de algum projeto. Eu não preciso dessa preocupação antecipada.

 

PolíticABC: O Consórcio é muito interessante na gestão da região pois valoriza o ABC. Como o senhor vê esse projeto e esse sistema? Pode ser levado para outros lugares?

LM: O Consórcio foi inspirado pelo Celso Daniel na década de 1990, num momento muito difícil da região. Um conjunto de prefeitos conduziu esse processo. Ele tinha um formato que hoje já é um pouco diferente na medida em que o processo democrático foi conquistando mais espaço. O Consórcio está indo para outros Estados e outras regiões. É um processo crescente e muito interessante no país, e que ajuda a formatar vários projetos que sozinhos os prefeitos não conseguem.

 

PolíticABC: O senhor vai cumprir dois mandatos como prefeito e foi coordenador de campanha da Dilma. Como o senhor vê a importância do ABC nas eleições, tanto estadual como federal?

LM: O ABC é importante pelo seu tamanho, sem muita explicação. Sua economia, o tamanho de mercado de consumo da região, as nossas cidades são grandes. São Bernardo é o 4º orçamento do Estado, estamos bem colocados em investimentos e no ponto de vista per capita. O ABC tem um forte papel histórico, cultural, político e social. Por si tem sua importância. O ABC goza de prestígios nos debates políticos, seja no Estado, seja na união, por essas características.

 

PolíticABC: Como o senhor vê o futuro do ABC na política? E aonde o ABC pode chegar?

LM: O ABC tem sua presença no cenário político a partir das suas lideranças. O papel do governo sindical, CUT...Não tem como falar sem citar o ABC. Por mais que ainda não tenha criado as condições de ter alguém do ABC como governador do Estado, existe uma relação de interação muito forte. A nossa presença geográfica também interfere, pois está entre o principal porto da América Latina e a principal capital da América Latina, influenciando no mercado de consumo, influenciando também a economia. Eu acho que a nossa presença está garantida sempre.

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CAIO DOS REIS

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e 12.507 para 164.760 votos em dez anos. Um aumento de mais de 13 vezes. Esta é trajetória de Alex Spinelli Manente (PPS), atual deputado estadual e federal mais votado do ABC em 2014. Filho de político, desbancou Vicentinho (PT), tradicional liderança sindical da região. Manente é a tradução do novo cenário político no berço do sindicalismo moderno brasileiro.

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Alex Spinelli Manente tem uma vida ligada à política. Mais exatamente todos os seus 35 anos. Filho de Otávio Manente, ex-secretário de obras e vereador de São Bernardo, ele cresceu já sabendo que herdaria um sobrenome de peso. “O Otávio foi muito importante na vida política de Alex, e o nome Manente foi reconhecido depois que o pai dele fez uma série de obras que beneficiaram a cidade de São Bernardo”, lembra Henrique Latarullo, 74 anos, síndico do prédio da família Manente.

Até os 7 anos, Manente, o filho, só pensava em ser jogador de futebol. Depois, advogado. Cursou a faculdade de Direito na UniABC, mas a política o perseguia e nem chegou a exercer a profissão. Aos 18 anos, filiou-se ao PPS, e, um ano depois, assumiu a presidência da Juventude do partido em São Bernardo do Campo. Seguia a trajetória do pai.

Manente representa uma guinada na história política do ABC. A região nacionalmente conhecida como berço do sindicalismo moderno brasileiro tinha por tradição projetar lideranças sindicais para a política. Lula, Jair Meneguelli, Vicentinho, Luiz Marinho, Expedito Soares, Djalma Bom, Gilson Menezes, entre outros. Todos participaram da greve da Scania, em 1979. 

arte_votos_manenteEm 2005, foi eleito vereador com a força do sobrenome Manente. Foi o mais votado da história da região com 12.507 votos. Ao pautar um mandato na criação de leis para beneficiar a população do ABC, ganhou vida própria e se elegeu deputado estadual. Na Assembleia, ele criou a Lei da Transparência, que obriga qualquer recurso conveniado do governo do Estado com prefeitura ou entidade a ser amplamente divulgado e de conhecimento. “Essa lei foi muito importante, porque às vezes você manda o recurso e não sabe exatamente onde está o dinheiro e quando fiscaliza o dinheiro público, certamente a qualidade do serviço é mais eficiente”, disse.

A deputada estadual Ana do Carmo, do PT (Partido dos Trabalhadores) e com base eleitoral no ABC, falou sobre o relacionamento com Manente. “Ele é um deputado muito presente na Assembleia e muito carismático. Eu me dou muito bem com ele, não tenho nenhuma dificuldade de relacionamento. A gente tem divergências ideológicas, políticas. Mas ele é uma boa pessoa e a gente se dá muito bem”, disse.

Manente foi autor de outras leis aprovadas na Assembleia paulista, como a do Fast Food e das Calorias. A Lei da Introdução do Estudo do Direito foi vetada no âmbito estadual, mas Manente pretende levar a ideia para o Congresso. “Acho importante no ensino médio as pessoas terem noção de direitos e princípios, até para poder saber competências, o que representa cada poder e de fato cobrar com propriedade aquilo que é seu direito e saber das suas obrigações. Hoje não temos nenhuma matéria que rege sobre isso”.

Como deputado estadual, Manente obteve recursos para a abertura da Santa Casa de São Bernardo, finalização das obras do Hospital de Clínicas, a modernização de equipamentos do Hospital Estadual Mário Covas e novos equipamentos para o Hospital Serraria, em Diadema.

O mandato de Manente desenha uma estratégia muito representativa das transformações pelas quais o ABC vem passando nos últimos anos. As indústrias perdem a força, e as áreas de serviço já despontam como as maiores empregadoras. Entre ir a um centro comercial de uma das sete cidades ou a uma porta de fábricas para pedir votos, Manente opta pela primeira.

A partir de 2015, como deputado federal, ele terá a missão de representar os habitantes das sete cidades da região no Congresso. Logo após ser eleito em 2014 com expressivos 164.760 votos – 75.759 a mais que Vicentinho –, ele assumiu a presidência estadual do PPS (Partido Popular Socialista) em São Paulo.

A expressiva votação de eleitores do ABC foi fundamental para Alex se eleger deputado federal. Do total de 164.760 votos que Alex Manente obteve, 77,2 % (127.272) vieram dos eleitores das sete cidades do ABC. São Bernardo, cidade natal de Manente, foi o município que ele teve mais votos, foram 88.540.

Mesmo assim, o deputado federal eleito considera um problema que os eleitores do ABC não optem por candidatos que possam representar a região no Congresso, mas candidatos denominados “midiáticos”. Segundo ele, aqueles que mais aparecem na propaganda eleitoral e já são conhecidos do público têm mais chances de serem eleitos.

“Nossa região tem 3,5 milhões de habitantes e vive da mídia da capital. Não temos retransmissor e a vida vista pela TV é da capital, não é a nossa”, afirmou Manente. “Nossos representantes têm pouca exposição de mídia e isso gera um problema porque quem é exposto na capital acaba tendo uma abrangência aqui no ABC mesmo sem relação com a região.”

Além da falta de uma TV local, Manente acredita que é preciso desenvolver junto dos eleitores o hábito de votar nos candidatos da região. “Precisamos inserir uma cultura de votar em candidatos de nossa região. É preciso ter um mandato proativo e estabelecer esse novo conceito.”

Em 2012, Alex concorreu à prefeitura de São Bernardo e conquistou mais de 31 % dos votos na oportunidade, sendo derrotado pelo atual prefeito do município e reeleito na oportunidade, Luiz Marinho (PT). A partir de janeiro de 2015, Manente se muda para Brasília. Casado e pai de duas filhas, de 6 e 13 anos, até hoje ele vê dificuldades em aliar a vida como parlamentar e a função de marido e pai. “O sábado e domingo são muito importantes para a família, mas para o politico esses são os dias para estar com a população”.

Manente afirma que vai trabalhar para trazer uma faculdade pública de medicina para a região e debater o Código Penal. “No futuro, naturalmente trabalhando bem terá outros mandatos, outras eleições. Disse durante toda a campanha: podem me cobrar porque essa não é minha última eleição, a menos que Deus me levar, e isso é importante porque as pessoas têm que ter perspectiva para o futuro e saber que você vai estar sempre enfrentando as urnas. É preciso mostrar resultado e quem não mostra a população elimina, a população não tem piedade e não pode ter, tem que observar o trabalho que é desenvolvido”, concluiu.

Sobre uma nova tentativa para a prefeitura em 2016, Manente é cauteloso. “Eu nasci em São Bernardo e minhas filhas nasceram aqui também e eu pretendo viver o resto da minha vida aqui e não tem como negar que todo homem público quer um dia governar sua cidade. Mas eu não tenho obsessão e nem ansiedade para que isso ocorra. Então, se tiver no rumo natural, avaliamos em 2016”. (colaboraram Brenno Souza e Gabriel Veronesi)

 

 

 

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