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MEGAFONE1

VOTARÁS!


Os religiosos se organizam para  definir os rumos políticos do Brasil 


A linha de separação do estado e igreja pode estar cada vez mais tênue


 Por Joyce Silva

Quem disse que política e religião não se misturam? No Brasil se misturam tão bem que nem dá pra entrar na Câmara dos Deputados sem trombar com um, dois ou 60 deputados “pastores”. Longe de colocar suas crenças ou títulos religiosos de lado, os cristãos ganham cada vez mais forças dentro da política brasileira. Travando brigas contra grupos de minorias e religiões contrárias as suas, esses soldados de Cristo estão longe de parar por ai. Nas últimas eleições três candidatos cristãos estavam no páreo para o Palácio da Alvorada, a de maior destaque Marina Silva (PSB), foi um dos grandes nomes da eleição, chegando em alguns momentos a ser a primeira colocada nas pesquisas eleitorais. Pastor Everaldo do Partido Social Cristão, que pela primeira vez concorreu ao cargo e o “democrata cristão” Eymael,do PSDC, que recebeu o menor destaque dentre os três. Declarações recentes mostraram que a disputa pela faixa de presidente do Brasil pode ganhar mais dois nomes de peso em 2018: Jair Bolsanaro (PP) e Marco Feliciano (PSC).           

Os generais do exército de Deus são fáceis de identificar, pois dentro do Senado e da Câmara dos deputados eles têm lugar reservado. De acordo com a doutora Magali Cunha, especialista em religião e comunicação, da Universidade Metodista de São Paulo, em sua maioria, os políticos religiosos são conservadores, contrários a causas como a do casamento gay. Em sua ânsia por “salvar a família”, expressão muito usada por eles, acabam ficando de lado outras pautas como educação, reformas políticas e agrária. No fim, temas ligados ao direito da mulher ao próprio corpo como a legalização do aborto ou pesquisas de células tronco, que são considerados como “avanços sociais”, são os mais atacados e demonizadas por esses políticos.

 O Brasil é um estado Laico desde 1891, com a Constituição Republicana, o país para de se considerar um estado confessional da religião católica e passa a ser laico, sem interferência da igreja, qualquer que seja ela, e sem privilégios e influências da Igreja. Mesmo com a laicidade garantida na Constituição, os pastores não vêem problemas em colocar suas crenças em pautas no Congresso ou votar contrário a leis que defendem outras religiões.

           

 

 

O crescimento e entrada dos evangélicos na política começou nos anos 80, aponta Magali, antes disso, os religiosos se preocupavam muito mais com as questões pós morte, como a salvação e a elevação do espírito e a chegada ao reino dos céus. A partir da década de 80 essa situação muda, as igrejas pentecostais começam a crescer e levar seu “projeto de presença na arena pública” adiante, com isso os evangélicos “invadem” dois novos campos a mídia e a política. Com toda essa entrada dos evangélicos nesses meios, alguns se sentem no direito de desprezar ou “demonizar” as minorias sociais. 

 Para o professor e estudioso de religião, Leandro Ortunes, da Faculdade Nossa Cidade, a intolerância contra os grupos minoritários são um reflexo do medo que esses religiosos sentem, do avanço social e até mesmo das atitudes que são contrárias aos ensinamentos da sua religião, por isso, “começa a acontecer alguns debates contra os grupos de minoria, LGBT, MST, e principalmente na questão eleitoral, todo mundo que for aliado a esse tipo de minoria, vai sofrer com esse ódio também”. Essa “cultura do medo”, como Ortunes chama, é passada do pastor para os fiéis, de forma não intencional, mas pode ganhar grandes proporções “eles instigam a cultura do medo sem saber que estão fazendo isso, a liderança lança algumas coisas de medo e os seguidores replicam isso sem muita reflexão sobre tema, não é que os evangélicos provocam esse medo, eles sentem esse medo e provocam sem refletir sobre o tema”.

A maior amostra desse medo repassado e ampliado foi a repercussão das eleições desse ano nas redes sociais, milhares de compartilhamentos sem consultas de fontes, mentiras espalhadas e repetidas exaustivamente, para Magali as redes sociais permitiram que a população brasileira mostrasse seu “melhor e pior”, apesar dessa “preocupação de discutir política” a intolerância está presente na maioria dos discursos “elas se sentem protegidas pela tela, pra dizer o que sentem, o que pensam e o que não falariam no presencial, [como postagens] discriminatórias, preconceituosas, assim elas não vão se sentir atingidas pela repercussão do que dizem”.

E quem são os eleitores desses políticos? Teriam os evangélicos forças para eleger um presidente ou mudar os rumos da política nacional? “Essas eleições deixaram claro que não” segundo Magali, para ele se os evangélicos tivessem essa “força” que se pregou tanto durante a campanha, a nova presidente do país seria Marina Silva, porém a candidata não chegou nem mesmo ao segundo turno. O Censo 2010 aponta que 22,4% da população brasileira se intitula evangélica, os católicos são 65%, mas não é possível determinar um padrão de votos desse público, pois, afirma a doutora, que cada evangélico pensa diferente, e que os votos são determinados pelo pensamento político de cada um, e não unicamente, por sua religião. E também, os votos em políticos “pastores” não são apenas dos cristões, pessoas conservadoras que se identificam com esses candidatos, são grandes eleitores, defensores e disseminadores de seus pensamentos.

O pensamento que a eleição de um presidente evangélico prejudicaria o país é questionada e “derrubada” por ambos os estudiosos, para Magali devemos questionar essa eleição apenas “quando alguma parte do poder exercido pelo presidente, começar a colocar pautas religiosas no estado laico ai sim a sociedade tem que está atenta”.

Professora Magali Cunha

Ortunes tem uma visão parecida, ele aponta que “além dos evangélicos não serem maioria no país, eles não pensam demaneira uniformemente, muitos não compactuam com as ideias [desses candidatos] e se algum desses líderes fossem eleitos, eles não conseguiriam governar e fazer as leis, devido as próprias limitações do executivo, ele traça estratégias, mas tem que fazer várias concessões”.

 As batalhas enfrentadas pelos religiosos se mostram cada vez mais fácil de ganhar, guiados por Deus e pelos votos dos fies a bancada cresce e ganha maior notoriedade a cada eleição. A última que enfrentou, fez com que ela voltasse fortalecida, foram reeleitos 53% de seus deputados, e um crescimento de 3,00%, de acordo com a professora Magali, ela ainda ressalta que o crescimento da bancada foi muito menor do que o esperado, já que a meta era de um aumento de 30%. Apesar do aumento menor, do que o previsto, a bancada continua sendo a terceira maior dentro da Câmara. E os maiores “afetados” por esse crescimento são as minorias.

 

Minorias

“Africanos descendem de um ancestral amaldiçoado de Noé, isso é fato!”.  “A podridão dos sentimentos homo afetivos levam ao ódio, ao crime, a rejeição.”  As frases reproduzidas foram postadas no perfil do Twitter do Pastor e Deputado Federal Marco Feliciano, reeleito em São Paulo. Feliciano foi o 3° com maior votação, popularmente famoso por suas frases polêmicas o pastor foi eleito em março de 2013 Presidente da Comissão De Direitos Humanos e Minorias, seu mandato durou até fevereiro de 2014, porém sua última sessão presidida foi em novembro de 2014, quando os parlamentares entraram em recesso.

Pelo teor das publicações, que não foram poucas, o pastor não entendeu direito seu papel dentro da Comissão. Também em seu Twitter Feliciano disse na época não ter interesse na Comissão “mas como falaram muito” ele mudou de ideia. Esses posts continuam disponíveis no perfil do reeleito Deputado, está em dúvida? É só acessar @marcofeliciano e conferir.

 “nos não estamos pedindo para ninguém rezar conosco, ou acreditar na nossa fé, apensar nos deixem rezar!”

O que ninguém pode negar é que apesar de sua figura controversa e seu despreparo para o trabalho, nenhum outro presidente da Comissão teve tanta notoriedade pela mídia e movimentou tanto as redes sociais. Durante seu mandato, a aprovação de uma proposta voltada para as minorias, chamou bastante atenção, a chamada “Cura Gay”. O projeto prévia que os psicólogos teriam autorização para dar tratamento aos homossexuais que quisessem se “curar”.

No meio do turbilhão dos protestos de Junho, a Câmara dos deputados optou por arquivar o projeto. A “Cura Gay” poderia ser colocada em pauta em 2014 também, para uma nova votação, mas é arriscado demais polemizar em ano de eleição.

Hoje o Presidente da Comissão é o Deputado Assis do Couto, do PT/PR, e as pautas em tramite são referentes a ampliação da Lei Maria da Penha, tornar o Candomblé e a Umbanda religiões reconhecidas, reserva de vagas a negros em concursos públicos, dentre outras. Couto não chama tanta atenção quando Feliciano e sua comissão de direitos humanos para “humanos direitos”.

Atacados constantemente por suas crenças e discriminados por seus cultos e costumes, as religiões de minoria com raízes africanas, como Umbanda e Candomblé, são as mais “perseguidas” pela bancada evangélica, que muitas vezes são demonizadas e enfrentam preconceitos de leigos em suas crenças.

A futura mãe de santo (ebomi), Paula de Yansã, assumiu o terreiro Axé Ilê Obá em setembro. A futura líder do terreiro no bairro do Jabaquara herdou o posto de sua mãe biológica, Sylvia de Oxalá, falecida no último mês de agosto, agora o Axé Ilê Obá passará por um ano de luto pela antiga matriarca, e após esse período será a vez de Ebomi Paula se tornar a líder do local.

Jovem, Paula ressalta que tem “26 anos de idade e 25 de santo”, ou seja, teve sua iniciação na religião durante seu primeiro ano de vida, e segue até hoje os ensinamentos e costumes da religião. Escolhida pelos Orixás para assumir a casa, ela já sabia que seria sucessora de Mãe Sylvia.

A respeita líder Candomblecista, era uma história a parte, reconhecida internacionalmente por seus trabalhos, Mãe Sylvia foi merecedora da Medalha Anchieta, que é a maior honraria concedida pela Cidade de São Paulo, além de prêmios e horárias recebidas em Madri e Moscou.

O preconceito sofrido por causa da religião, ela diz que são constantes, mas que com o tempo aprendeu a lidar com isso, e não abaixar a cabeça para os religiosos que a tratam com preconceito. Ela conta que já bateram na porta do terreiro para tentar “evangelizar” os moradores do local, dessa forma ela se sentiu no direito de “candombléza-los” também, “eu não vou numa igreja evangélica falar da minha religião, eles têm que respeitar o nosso espaço e não vir até aqui pregar”.

Sobre a bancada evangélica Paula é incisiva, “nos não estamos pedindo para ninguém rezar conosco, ou acreditar na nossa fé, apensar nos deixem rezar!” As leis que prejudicam a religião muitas vezes não tem base em informações coerentes, um caso citado por Paula, é sobre a tentativa de proibição do sacrifício de animais nos terreiros, “ninguém está preocupado com os bois que as empresas de gado matam, mas querem nos impedir de fazer o sacrifício de uma galinha”. O que poucos sabem é que os animais sacrificados são transformados em alimentos para os candomblecistas.

A falta de conhecimento sobre a religião e seus costumes geram estranheza e preconceito sobre ela. Paula fala que o terreiro está aberto para todas as religiões, e que todos são bem vindos, para conhecer e entender mais da religião, apenas conhecendo, esse preconceito pode acabar.

 

\\ZZZZZ

Em maio deste ano, deputados se juntaram para criar a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Terreiro, em defesa das religiões Candomblé e Umbanda. O objetivo da Frente é defender as religiões minoritárias dentro do congresso.  O movimento ainda é muito novo, e pode ganhar forças com o passar do tempo,  porém sua criação e repercussão até o momento, são quase insignificantes na mídia. Essa frente pode ser uma “alternativa” e também uma possível opositora a bancada evangélica, tornando a política ainda mais enrolada.

 Os rumos e legados desses políticos para o Brasil ainda são muito difíceis de identificar, para Leandro Ortunes, essa eleição deixou as coisas mais complicadas, pois o embate entre a direita e a esquerda agora promete ser direto, “a discuta lá dentro agora está mais acirrada, a gente vai viver uns quatro anos de confrontos de ideias, e isso que é o problema, porque, talvez esses confrontos não tragam nenhuma solução”. A doutora Magali concorda apensar do crescimento a bancada não tem todo o poder que é dito, mesmo com os “nomes fortes” dentro da Câmara, é pouco provável que o “conservadorismo” pregado seja implantado na sociedade.

 

RETRATO 

 

A vida política e privada de Clara Averbuck

 

Escritora feminista gaúcha fala sobre o protagonismo de gênero na política

 

por Priscilla Sampaio

A escritora, cantora e feminista gaúcha Clara Averbuck não é uma das pessoas mais fáceis de descrever. Quem a conhece, mesmo que superficialmente, é recebido por uma vida intensa e com diversas experiências na bagagem. Hoje, aos 35 anos, Clara contabiliza seis livros publicados e um em andamento. Já teve dezenas de blogs e algumas bandas, como o Jazzie & Os Vendidos e famosinha Oneyedcats. É mãe solo de uma menina de 11 anos e cuida full time de um apartamento com seis gatos no centro de São Paulo. O seu negócio sempre foi escrever. E o feminismo fez ela se encontrar com o seu “eu político”.

Clara nasceu em Porto Alegre e cresceu em um ambiente de artistas. O pai é o músico e ator Hique Gomez, do famoso espetáculo gaúcho Tangos & Tragédias. O gosto por escrever começou cedo e sempre foi incentivada pelos pais. “Eles criaram a secretaria de cultura em casa. Não tinha mais mesada, eu tinha que escrever pra ganhar algum dinheiro.”

Um dos prazeres da adolescência era escrever poesias de amor na máquina elétrica do pai. Mas quem pensa que Clara era apenas uma jovem romântica se engana. A rebeldia também morava ali e nessa fase da vida, e, como ela mesma disse, fez muita merda. Aos 16 anos resolveu largar a escola, porque estava cansada daquilo e nunca  teve muita sorte com professores. Parte dessa experiência serviu de inspiração para o seu primeiro livro infanto-juvenil “Eu Quero Ser Eu”, publicado no começo de 2014. A história é sobre Iracema, ou Ira, uma menina de 14 anos, desajustada, que adora desenhar e ouvir bandas de rock.

“A Internet bagunçou minha vida”  

Ainda aos 16, Clara conheceu a internet e a partir daí a vida não foi mais a mesma. Ficava conectada da meia noite as seis da manhã com a amiga Mari, que é uma de suas parceiras e fundadoras do site Lugar de Mulher. Elas usavam o IRC, uma espécie de programa de conversas da era pré redes sociais e Clara espalhava seus textos ali. “Eu escrevia em arquivo txt e mandava para as pessoas. Uns dos primeiros que eu escrevi foi tipo um viral,chamava  ‘Como pegar mulher no IRC’. Eu comecei então a escrever assim, espalhando as coisas por esse meio”

E também foi ali na web que começaram os conflitos de pensar o que é ser mulher e problematizar isso. “A gente (Eu e a Mari) se sentia alienígena, principalmente lá no Sul onde o modelo de mulher é muito mais fechado do que em outros lugares com São Paulo ou Rio. A gente não gostava daquele estereótipo, não cabia naquele estereótipo e nem queria caber”

O tempo passou e Clara não se encontrou em nenhuma faculdade também. Fez um pouco de Letras, depois de Jornalismo, mas achou tudo uma “porcaria igual”. Trabalhava em uma agência de publicidade e foi mais ou menos nessa época que começou a escrever para o lendário mailzine “CardosOnline”, que revelou escritores como Daniel Galera e Daniel Pellizari.

Mas Clara não se enxergava vivendo a vida toda em Porto Alegre, muito menos viver na barra do sucesso do pai. Para Clara, ser filha de gente famosa só atrapalhava a construção da identidade criativa dela. Foi quando “fugiu” pra São Paulo.

“O lugar em que eu estou me influencia muito. Sair de lá foi libertador pra mim em muitos sentidos. Como artista, como mulher... Eu passei a escrever de uma maneira mais livre.”

O período de adaptação na cidade podia ser descrito com a primeira frase do prefácio de “Pergunte ao Pó”, do seu escritor preferido, John Fante: Eu era um jovem, passando fome, bebendo e tentando ser escritor. Pois é, Clara não teve o que comer e passou muito perrengue – segundo ela, ainda passa. Mas, para ela a escolha foi mais do que certa. “O lugar em que eu estou me influencia muito. Sair de lá foi libertador pra mim em muitos sentidos. Como artista, como mulher... Eu passei a escrever de uma maneira mais livre.”

Mais tarde, em 2002, veio o seu primeiro sucesso e primeiro livro “Máquina de Pinball”, no qual Camila, uma espécie de alter ego, vive uma fase meio ferrada. Foi com essa obra que Clara ganhou destaque na literatura underground brasileira e de lá pra cá foram mais cinco títulos: “Das Coisas Esquecidas Atrás da Estante”, “Vida de Gato”, “Nossa Senhora da Pequena Morte”, “Cidade Grande no Escuro” , “Eu Quero Ser Eu” e agora, em vias de terminar, o Toureando o Diabo, sucesso na plataforma de financiamento coletivo no Catarse.

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Clara e Catarina

E,claro, a vida de mãe não parou por isso. Há 11 anos atrás teve Catarina e hoje, Clara tem uma relação muito especial e lúcida sobre a maternidade. Ela se equilibra  entre os freelas, o livro que está para terminar, o cuidado com os gatos e a rotina de educar e sustentar a filha adolescente. O pai, o empresário Marcelo Schenberg, mora em outro país e Clara mantém a roda girando sem ajuda de ninguém. “É complicado ter filho sozinha, você tem que ter estrutura pra isso.”

 Catarina é adolescente mesmo, com direito a música pop e ídolos teen. Mas, apesar de absorver e escutar tudo o que Clara fala, Catarina não vive em uma bolha e o conflito é inevitável. E Clara precisa de solidão, pra escrever, pra viver. Em outro texto, publicado no Lugar de Mulher, ela afirma que “A maternidade é um relacionamento, e, como em todo relacionamento, as partes precisam ter a individualidade preservada pra dar certo.” De fato, é assim que acontece, mas, segundo ela, isso não diminui o amor. Mãe precisa ter liberdade e ter espaço pra respirar, curtir, ser.

 A Política, a imprensa e as mina

Em meados de 2008, Clara encontrou a obra da escritora Carmen da Silva, o seu caminho para o feminismo. Também gaúcha, Carmen foi uma das responsáveis por introduzir o feminismo na imprensa brasileira lá nos anos 60, com a sua coluna  “A Arte de ser Mulher “, na Revista Claudia. Clara ficou tão vidrada nela que até hoje não se conforma por nenhuma editora ter republicado as obras da escritora.

Em um texto publicado na revista Brasileiros, em 2010, Clara fala que durante a ditadura militar a coluna de Carmen na revista nunca foi censurada. “Para os militares, assuntos de mulher não influenciavam em nada politicamente. Não se davam conta de que a colunista envolvia-se em propostas da nova imprensa feminina, abordando temas como pílula anticoncepcional e o fato de que a mulher devia deixar de ser coadjuvante da vida do marido para se tornar protagonista da sua própria.”

 

Foto: DIVULGAÇÃO/FACEBOOK / Catarina e Clara se amam apesar das diferenças

Mas, apesar dessa postura combativa de Carmen, Clara acredita que há ainda pouco espaço para o feminismo na imprensa brasileira, principalmente nas revistas femininas. “Revista feminina é um coisa bastante nociva e o feminismo compromete muito do que elas vendem. Você não pode vender libertação      numa publicação que precisa te prender num padrão.”

Uma coisa que Clara observa nestas revistas é que muitas estão usando o feminismo como uma estratégia de marketing. “Eu não vejo problema, desde que não distorça o feminismo. Tipo a Beyoncé. Acho que é super importante uma mulher como ela se posicionar feminista em um mundo que fala ‘feminazi’” e completa “Eu particularmente prefiro que empresas e marcas comecem usar o discurso feminista pra vender do que seguir um discurso sexista nojento.“

Pegando carona no assunto e direcionando para o assunto eleições, perguntei a Clara se ela se tornou mais política quando conheceu o feminismo. Ela contou que tirou o titulo de eleitor quando tinha 16 anos em um ano que nem tinha eleição. Ela só queria ter o título por que realmente se importava com aquilo. Mas quando veio para São Paulo, se afastou dos interesses políticos e se tornou uma pessoa mais individualista. “Depois que eu me aproximei do feminismo, eu me reaproximei destes interesses. Eu vi que a gente precisa de lei pras coisas funcionarem. Não adianta eu viver no meu mundinho enquanto tem um monte de mulher morrendo.”

Não basta ser mulher, tem que estar do lado certo

Uma das coisas que também preocupa Clara é a questão da subrepresentatividade da mulher no poder público. “Tem muita mulher que está na política e é tipo laranja. Ela não ta representando  nada ali. Só está cobrindo a cota do partido dela ou de quem ela está relacionada. Enquanto não tiver uma reforma política, isso vai continuar a acontecer.”

 

 

O termo bancada feminina é extremamente bizarro para Clara, assim como literatura feminina. Este ano foi para Brasília e acabou conversando com algumas deputadas dessa bancada, como a Érika Kokay (PT). Ela conta que a maioria disse que é muito complicado a questão do financiamento de campanha para mulheres“ De fato, ninguém quer financiar campanha de mulher que quer falar sobre direitos humanos. Quem é que vai apoiar uma campanha de quem vai atrapalhar? Lá ta tomado pela bancada dos ‘Fidélixs’, da família.”

 “Não gosta da ideia do aborto? Pois bem, não faça um."

Uma grande bandeira que também Clara defende é a questão do aborto. Para ela, esse assunto não é uma questão de opinião. Em um texto de sua autoria, publicado no Lugar de Mulher, a escritora coloca contra a parede: “Não gosta da ideia do aborto? Pois bem, não faça um. A sua opinião não vai mudar o fato de que mulheres abortam.”

E sobre o assunto na campanha de 2014, Clara aponta que os governantes  tratam o aborto como moeda de troca e não como uma questão de saúde pública. “Todos são contra, só a Luciana Genro  (PSOL) e o Eduardo Jorge (PV) se posicionaram de uma forma bacana”. Segundo ela, o aborto tem que ser legalizado de qualquer forma. ¨Se o cara se preveniu ou não, ninguém se importa, a culpa é sempre da mulher.” 

Assista o documentário "Clandestinas" (2014) no qual Clara participa falando sobre aborto
Feminismo Prático

Agora, em outubro, o Lugar de Mulher completou 6 meses de existência. Clara é uma das “mães” do site, que foi feito para mulheres  “que também cansaram das velhas fórmulas, dos velhos conceitos e das velhas cagações de regra de como uma mulher deve ser, se portar, falar, existir.”

É nele que Clara escreve (quase) semanalmente e põem na roda muitos assuntos que deixam ela de cabelos em pé.

“As regras afastam muito a mulher do feminismo. O feminismo que a gente quer mostrar não é feminismo light, mas uma maneira que faça com que as pessoas consigam transpor pra vida delas."

Essas “cagações de regra” que elas falam na bio do site, são as famosas limitações impostas culturalmente para as mulheres. Aquela coisa de “não pode isso” ou “tem que ser desse jeito” permeiam muito o universo feminino e muitas vezes atingem mulheres até dentro do próprio feminismo.

 

Criou-se um conceito de competição entre as mulheres e muitas ainda reproduzem isso no movimento. Ou, também, alguns segmentos criam “regras de comportamento”. “Eu acho que tem uma correntes bem erradas no feminismo. Tipo o lesbianismo político. Eu gosto de homem, vou fazer o que? É a mesma coisa de querer curar um gay.” E assim, Clara finaliza “As regras afastam muito a mulher do feminismo. O feminismo que a gente quer mostrar não é feminismo light, mas uma maneira que faça com que as pessoas consigam transpor pra vida delas. É feminismo prático. É fazer as mulheres perceberem que tudo aquilo tem a ver com elas sim.“

Polly, Mari e Clara fundaram o
"Lugar de Mulher" este ano

 

 

 CARA LIMPA

 

{A sessão fotográfica “Cara Limpa” nasceu da ideia de fotografar personagens eleitores da cidade de São Paulo que estão fora dos holofotes, para mostrar a posição deles referente aos seus votos. Além disso, perguntamos a cada um sobre as suas expectativas para um possível “candidato ideal”. O resultado você confere abaixo, vem!}

 

 Por Nadia Munhoz

Aposentada




A APOSENTADA


Maria Bernadete, aposentada, tem 74 anos e fez questão de votar nas últimas eleições presidenciais. Bernadete diz que foi às urnas porque queria exercer o seu direito ao voto, e que acha que todos deveriam fazer o mesmo, porque só assim o país melhorará. A aposentada conta que votou na Dilma, porque ela fez muita coisa boa no nordeste, e que sendo nordestina, ela quer ver isso continuar. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Criança

 



O ADOLESCENTE


O estudante Rafael Santos, 16 anos, foi às urnas pela primeira vez nas eleições de 2014 e conta que fez isso porque acredita que o voto não deve ser obrigatório, por isso não quis esperar completar a maioridade para exercer a democracia.











Feminista

 

 

 

 

 

 

  

A FEMINISTA
 

A jornalista Carolina Garcia, 22 anos, conheceu o feminismo há pouco tempo, mas conta que sempre esteve em defesa das mulheres. Carolina acredita que os diversos movimentos que vêm surgindo, estão abrindo caminho para que a sociedade enxergue a urgência no combate ao machismo.











 






 

O NEGRO


O estudante Lucas Almeida, 18 anos, é negro e afirma que faltaram propostas dos candidatos desta eleição, que focassem em eliminar o preconceito racial. Ele diz que o preconceito ainda é muito presente em sua vida, mas que ainda tem esperança no fim do racismo no Brasil. 









 

 

 

 

 

A MÃE 

 

A administradora Maria Eloiza, 45 anos, é mãe de dois rapazes, ambos homossexuais. Eloiza diz que não teve problemas nenhum em aceitar a sexualidade dos filhos, mas que ficou muito receosa quanto a aceitação externa e aos preconceitos que ele poderiam sofrer. Nestas eleições, Maria se preocupou em votar em um candidato que tivesse propostas referente a diversidade de gênero, para que seus filhos possam viver em um país que evolua e caminhe contra o preconceito e a intolerância. 

No centro do debate


Demandas LGBT ganham espaço nas eleições deste ano, provocam
reações extremas e se tornam marco da disputa

por Caio Delcolli

No programa de governo de Dilma Rousseff (PT), presidente da República reeleita neste ano, você encontrará apenas quatro linhas do documento de 42 páginas dedicadas aos direitos humanos. A discriminação LGBT aparece brevemente com os termos “orientação sexual” e “identidade de gênero”, em relação aos desafios institucionais que, como afirmado pela própria presidente, serão enfrentados nos próximos quatro anos. E para por aí.

Os principais adversários dela no coliseu das eleições presidenciais de 2014, e seus respectivos programas de governo, não ficaram muito atrás. Aécio Neves (PSDB) cita objetivamente os LGBT em cinco itens genéricos e insatisfatórios numa lista de 28 diretrizes para direitos humanos e minorias. Marina Silva (PSB) chegou a fazer propostas mais interessantes e completas que seus rivais, embora pouco depois tenha protagonizado um dos maiores vexames da corrida presidencial – e logo no que se refere a esse tema.

Em agosto, quando a candidata evangélica publicou seu programa de governo, para surpresa de quem achava que ela misturaria religião com política, as propostas LGBT eram, até aquela ocasião, ótimas. Tanto que o deputado federal Jean Wyllys, colega de partido da candidata Luciana Genro (PSOL), elogiou publicamente o programa de Marina. Coincidência ou não, pouco depois de um punhado de tweets do pastor Silas Malafaia, houve um recuo da então candidata. Sob a alegação de um  “erro de editoração”, a parte LGBT do programa foi transformada num rascunho de si mesma.

De início, propunha defender o casamento civil igualitário no Congresso Nacional, criminalizar e combater a homo e transfobia na educação, e aprovar a lei que facilitaria a troca de nomes de travestis e transexuais (Lei João Nery), entre outros itens. Depois, o documento bastou-se em, basicamente, garantir o que já foi conquistado.Apenas entre os “nanicos” Luciana, Eduardo Jorge (PV), pastor Everaldo (PSC) e Levy Fidelix (PRTB) as demandas LGBT foram trazidas à mesa e discutidas com vigor. No caso dos dois primeiros, por defenderem os direitos da minoria e oferecer as melhores propostas das eleições. Os dois últimos, por assumirem papéis de caricaturas extremas num absurdo show de conservadorismo.

Um mês depois do episódio, Marina foi superada por Fidelix, eterno candidato do aerotrem. Em debate transmitido pela tevê Record, quando perguntado pela psolista sobre direitos LGBT, Fidelix reagiu com falas asquerosas: “Pelo que eu vi na vida, dois iguais não fazem filho. Aparelho excretor não reproduz”. O candidato bigodudo recorreu àquele velho argumento da preservação da família tradicional e associou homossexuais a pedófilos. Não perdeu a oportunidade de pôr uma cereja no topo: “Vamos combater essa minoria!” Conseguiu ser mais apelativo que Everaldo, candidato da cruzada pela família “como está na Constituição”, e cujo partido tem figuras do naipe de Marco Feliciano. O caso foi parar no Ministério Público e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

Para Renan Quinalha, jurista na Comissão da Verdade Rubens Paiva (SP) e militante pelos direitos humanos, a fala de Fidelix colocou a questão LGBT no centro do debate. Apesar de o candidato ter dito “absurdos”, o assunto foi pautado de maneira importante. “Se seguiu uma reação muito forte que colocou o assunto em outro patamar. O tratamento político foi muito superior em relação às eleições de 2010. Essa questão e outras tidas como ‘morais’, como aborto e violência contra a mulher, por exemplo.”

Apesar da repulsa coletiva, Fidelix ganhou considerável adesão à sua candidatura. Ele teve 446.878 dos votos válidos (0,43% de todo eleitorado), contra os 57.960 da eleição presidencial anterior (0,06%).

Quinalha vê um lado positivo no ocorrido: na população LGBT, foi acentuado um processo de tomada de consciência política que já estava em andamento. Houve auto-organização e protesto. “A situação vai ficar cada vez mais difícil e esse grupo precisa se unir e agir politicamente para impedir esses avanços conservadores que estão no horizonte hoje”, explica. Uma das reações ao episódio foi um beijaço na Paulista. Agendado via Facebook, mais de 300 manifestantes apareceram, segundo o Estadão.

           Para o militante Renan Quinalha, o tratamento da questão LGBT nas eleições deste ano foi superior em comparação com 2010

O deslize de Fidelix serviu de trampolim para os outros candidatos. Poucos dias depois, Dilma e Aécio, adversários no segundo turno, disseram publicamente pela primeira vez ser pró-criminalização da homofobia e finalmente publicaram propostas nesse sentido.

Direita, volver!

A socióloga da PUC-São Paulo Carla Cristina Garcia vê os direitos sociais em situação delicada no Brasil. “Vivemos um momento altamente conservador na nossa história. O retrocesso à direita está inimaginável.” Carla exemplifica o quadro citando recente abaixo-assinado de moradores do Jardim Europa, bairro nobre de São Paulo, contra o Museu da Imagem e do Som (MIS) por “transtornos” causados por uma exposição que atrai milhares de visitantes.

Aprovar uma lei que criminalize a homofobia vai ser difícil em um Congresso que, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), não é tão conservador desde 1964, ano do golpe civil-militar. Só a bancada evangélica teve um aumento de 14% no número de deputados federais eleitos. Com atuais 70 representantes, a partir de 2015, terá 80.

Dos 270 candidatos a cargos no Congresso que são favoráveis às demandas gay (conheça-os aqui), apenas 37 foram eleitos. Jean Wyllys é um deles. Reeleito deputado federal pelo Rio de Janeiro, ele obteve expressivos 144.770 votos. É evidente que Wyllys enfrentará dificuldades ainda maiores nos próximos quatro anos.

Para o advogado Paulo Iotti, presidente do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual (GADvS), “o voto LGBT é uma catástrofe em termos de união da comunidade, porque na verdade, é uma desunião completa”. Segundo Iotti, o setor social não coloca a própria cidadania em primeiro lugar. É preciso priorizá-la. “É claro que cada LGBT tem sua ideologia própria, se identifica mais com um partido e menos com o outro”, explica. “E é importante eles estarem em todas as representações partidárias. O problema é que você tem um sectarismo de militância em que as pessoas colocam as grandes lutas de seus partidos acima da causa LGBT.”

Os impressionantes 1.612.186 votos de Luciana Genro, principal candidata alinhada aos LGBT e direitos humanos em geral, não a encaminharam ao segundo turno. Enquanto Aécio Neves articulava-se a Everaldo, Feliciano e setores direitistas na disputa do novo round, Dilma era apoiada por Wyllys, que tem sido um dos principais atores na luta pelos direitos gay e minorias em todo País. Na ocasião, foram divulgadas 13 propostas específicas para a minoria, abrangendo criminalização da homofobia, diagnóstico para sua situação no mercado de trabalho e investimentos em políticas de segurança pública para prevenir e enfrentar a violência homofóbica. O candidato tucano publicou pelo Facebook suas promessas, ainda genéricas, propondo criminalizar a homofobia, criar um Fórum Nacional de Diálogos e mais participação do movimento no Programa Brasil sem Homofobia, entre outros itens.

Para a causa gay, a gestão Dilma tem sido considerada a mais infrutífera desde que o PT chegou ao Palácio do Planalto. Para se ter uma ideia, só nesse período, a presidente vetou o material de conscientização sobre homofobia destinado à educação (o “kit gay”), e o projeto de lei da Câmara 122/2006, que propõe tornar crime a discriminação homofóbica, foi considerado enterrado em sua anexação ao Código Penal. Apesar da ligação histórica e pioneira com causas de minorias, as articulações do partido com a bancada evangélica para assegurar uma suposta “governabilidade” impediram avanços sociais.

Luta

Em 2013, segundo levantamento do Grupo Gay da Bahia, um LGBT foi assassinado por motivações homofóbicas a cada 28 horas. Foram 312 mortes, no total. A mesma entidade, que é referência nacional para emissão de dados sobre o tema, registrou que pelo menos 216 foram assassinados só neste ano. O blog Quem a homotransfobia matou hoje? coleta alguns desses crimes.

Uma vez que o casamento civil já foi viabilizado, a principal demanda da comunidade gay, atualmente, tem sido a criminalização. Inclusive, esse foi o tema da Parada Gay de São Paulo deste ano: País vencedor é país sem homolesbotransfobia: Chega de mortes! Criminalização já! Cem mil pessoas compareceram, de acordo com registro da Polícia Militar.

 

Segundo Renan Quinalha, o gesto de criminalizar a homofobia é simbólico, pois “o direito penal tem uma legitimidade muito grande na sociedade. Uma conduta que é criminalizada tem uma carga maior de repulsa”. Caso do racismo, da violência contra a mulher e da xenofobia, por exemplo. Para o especialista, criminalizar a homolesbotransfobia é necessário porque faltam instrumentos de ação política ou defesa legal para defender a população LGBT. O poder simbólico do direito penal, de identificar condutas como moralmente aceitáveis ou não, teria grande impacto positivo na luta.

Dentre os vários projetos de lei com esse objetivo, o mais famoso é o PLC 122, que propõe equiparar a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero ao crime de racismo. Desde que foi criado em 2001 na pela deputada federal Iara Bernardi (PT-SP), o PLC 122 circula sem ser aprovado. Depois de várias passagens pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), da Câmara dos Deputados, só em 2005 obteve parecer positivo.

No ano seguinte, foi encaminhado ao Senado, onde está estagnado desde então, depois de passagens por comissões. Desde março deste ano, aguarda parecer da CCJ, cujo relator é o senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) – que votou pelo fim do projeto no ano passado. Na mesma ocasião, a bancada evangélica também impediu a iniciativa, por fim anexada à reforma do Código Penal.

O senador Paulo Paim (PT-RS), relator da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), disse que o projeto não foi “enterrado”, como muitos acusaram em redes sociais. A nova passagem pela CCJ aconteceria mesmo se a CDH (onde o projeto também deu o ar da graça diversas vezes) o aprovasse. Paim afirmou que o projeto será discutido novamente ainda neste ano.Box.Caio

(Confira a epopeia do PLC 122 no Senado na aba “tramitação”. Respire fundo antes de clicar.)

A bancada evangélica, por sua vez, não economiza intolerância para impedir a aprovação do PLC 122, sob a desculpa de que o projeto interferiria na liberdade de discurso em culto.

Mediante tamanha violência sofrida pela população LGBT, é difícil endossar o discurso da bancada e dos setores conservadores. Direitos constitucionais podem colidir em determinadas situações, e isso não é novidade alguma para cortes internacionais. A liberdade de expressão gera efeitos e pode ferir a honra e a intimidade de alguém. É aí que ela pode se transformar em discurso de ódio. E deve-se assumir responsabilidades pelo que se fala, razão para o anonimato ser vedado.

Em julho deste ano, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou ao Supremo Tribunal Federal a sugestão de enquadrar atos homo e transfóbicos nas punições da Lei de Racismo, por causa da equivalência entre as discriminações. Mas isso até que o Congresso aprove uma lei específica. Na omissão quase total da gestão Dilma, até campanhas de conscientização sobre doenças sexualmente transmissíveis (DST) e aids também foram afetadas.

Segundo Gabriela Junqueira Calazans, psicóloga no Centro de Referência e Treinamento em DST/aids de São Paulo (CRT-aids), nos últimos anos, encontra-se no País uma postura dúbia ou, até, de certo retrocesso nesse sentido. Para ela, é importante haver campanhas de circulação nacional para legitimar práticas, comportamentos e identidades desse grupo. “É uma forma de você mostrar que aquele país, aquele governo, entende que essa é uma população legítima, merece cuidado e deve ser respeitada.”

Gabriela defende que LGBTs devem ter atenção particular em campanhas por formarem um grupo que pratica sexo predominantemente entre si, em uma rede mais ou menos fechada. A psicóloga sugere que se use um discurso que vá além do clássico “use camisinha”, aconselhamentos mais qualificados em serviços de políticas de saúde, e o combate à homofobia. “O contexto social desfavorável é um dos elementos que dificultam a incorporação de métodos preventivos”, afirma.

Homofobia que não é de hoje

Renan Quinalha confirma que a Comissão da Verdade terá um capítulo específico em que será trazida à tona a repressão que LGBTs sofreram na ditadura civil-militar, período em que a homofobia teve respaldo do Estado para ser praticada. A criminalização imediata será sugerida no documento. A pesquisa emplacada na Comissão rendeu o livro Ditadura e Homossexualidades: Repressão, Resistência e a Busca da Verdade, organizado em parceria com o brasilianista James N. Green, que será lançado dia 27 de novembro pela editora da Universidade Federal de São Carlos (EdUFScar).

Já sobre o futuro, para Quinalha, a criminalização será conseguida na pressão. Segundo ele, em breve, o Supremo Tribunal Federal deve pautar a questão e criminalizar através do mandado de injunção sugerido pelo procurador-geral da República, o que pode deixar o governo mais à vontade para pressionar o Legislativo. “Estou um tanto otimista, mas obviamente, isso vai depender muito da luta pro próximo período em relação a esse tema.”

 

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A (re)construção da identidade brasileira

 

por Cecilia Demarque

Quantas vezes você já usou os termos “esclarecer” e “denegrir” para solucionar um problema ou complementar uma frase? Para a jornalista Rosangela Malachias, ideias e termos como estes estão tão impregnados em nossa cultura que sequer paramos para questionar seu real significado. Na entrevista a seguir, somos desafiados a quebrar paradigmas em relação a palavras e ações do cotidiano que costumam carregar conceitos opressores e preconceituosos.

Rosangela tem um currículo e tanto, o que lhe confere autoridade para falar sobre racismo e identidade. Ela é doutora em ciências da comunicação, pós-doutoranda na Cátedra Unesco/Metodista em Comunicação para Desenvolvimento Midiático, pesquisadora do Núcleo de Pesquisas e Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro (NEIMBE/USP), integrante do núcleo de educação e pesquisa da ECA/USP e também ativista do Movimento Negro. Atualmente, seu foco de trabalho é a educomunicação, mais especialmente no papel dos educadores no combate ao racismo.

M- Como explicar a total ausência dos temas étnico-raciais nas campanhas e debates das eleições presidenciais de 2014?

RM- É um reflexo do racismo institucional que o Brasil ainda tem. Historicamente, a população negra que foi escravizada, que construiu o país por mais de 450 anos e que sempre lutou por políticas públicas, conseguiu uma vitória de transformar a sociedade. Então, se hoje nós olharmos a agenda política brasileira, as grandes transformações que aconteceram politicamente vieram dos movimentos sociais organizados por negros e mulheres. Exemplos são as políticas públicas nas universidades em relação às cotas. Mas tratar desse assunto implica, muitas vezes, perceber que pouco se fez na prática para que o racismo deixasse de existir. Então, é um assunto que, ainda, o candidato precisa estar bem preparado para poder resolver, inclusive assumir políticas que não foram realizadas pelos governos anteriores.

 

 M- o Brasil é o maior país negro fora do continente africano, com mais de 100 milhões de cidadãos, segundo dados do  IBGE de 2010. Como você enxerga o desenvolvimento da identidade étnica e seu impacto na política?

RM- Eu não sei se ela constrói essa identidade de forma clara ou se ela tem mais clareza. Ela concebe sua identidade, no caso de negros, de forma escura.

M- Como assim, escura?

RM- Porque você está falando e já indicando no seu vocabulário palavras que começamos a prestar atenção o quanto o racismo pode estar impregnado na linguagem. Porque “clareza” ou “claro” são indicações muito usadas para mostrar alguma coisa explícita, óbvia. Então, a identidade racial de pessoas brancas, por exemplo, em minha opinião, é uma identidade de privilégio. Os brancos constroem a sua identidade num lugar de conforto e de neutralidade.

M- E como isso impacta a política?

RM- O impacto que temos agora, de "não tocar no assunto". Porque, para os brancos, ser branco é normal, e aí eles não tocam no assunto e não falam dos negros.

M- E como seria essa situação para os negros, por serem maioria no brasil e ainda assim encontrarem mais dificuldades do que os brancos?

RM - São várias as identidades raciais e eu não posso falar por todos os negros. Eu posso falar por mim mesma. Então, a minha identidade negra foi construída positivamente desde criança. Na medida em que fui crescendo e estudando, conheci ativistas do movimento e pude identificar, com "escureza", ou de forma explícita, o quanto o racismo no Brasil é violento. Nessa perspectiva, eu me considero politizada. Quem não toca no assunto é quem tem direito à voz: os brancos, representados pela maioria dos candidatos. Ações e conquistas como as alcançadas pelo movimento negro são demoradas, porque não há parcerias dos brancos, que se omitem. 

M – Os brancos se omitem na construção social?

RM- A responsabilidade dos negros já foi assumida faz tempo e foi o que mudou o Brasil. A gente tem o estatuto de igualdade racial, temos uma lei que mudou a constituição federal na perspectiva da educação. Acho que nós negros é que mudamos o Brasil para melhor. Agora os brancos precisam fazer sua parte. A responsabilidade de quem tem as empresas, quem está nos meios de comunicação e controla a polícia que mata jovens negros não está nas mãos dos negros. E é mais simples e fácil responsabilizar outra pessoa do que assumir uma estrutura política que é historicamente preconceituosa, na perspectiva de raça e de gênero.

M- Empregamos o racismo na linguagem mesmo sem perceber. Como identificar e combater esse tipo de atitude?

RM-  É pejorativo muito do que se fala, se aprende e se observa na mídia e na escola,  em relação à população negra. É só prestar atenção nos estereótipos. As pessoas tendem a associar tudo que é do negro à negatividade. Os jornalistas fazem isso o tempo inteiro. O verbo denegrir, por exemplo, significa tornar negro, mas ao longo do tempo, seu uso virou sinônimo de falar mal, prejudicar. O mesmo se aplica para as expressões: “a situação está preta”, "fazer negrice", ou "sujar na entrada" ou "na saída". Isso sem falar nas características físicas: cabelo de negro é ruim, cabelo de branco é bom. Traços de brancos são finos, traços de negros são grossos.

M - Como é possível transformar essas questões de linguagem?

RM- A mudança é estrutural, mas é também educativa ou, como eu tenho trabalhado, educomunicativa. As pessoas tendem a naturalizar a invisibilidade do negro, então quando sou questionada sobre a construção da identidade do negro, eu respondo com outra pergunta: como os brancos constroem sua identidade?  Os brasileiros precisam estudar sua identidade, que é miscigenada, mas os brancos que estão no poder deveriam saber mais disso, assim como fizeram os ingleses, os sul-africanos, os norte-americanos, porque, talvez aí, as pessoas percebam um pouco o lugar de privilégio que os brancos ocupam.

M- Como o estudo da identidade dos brancos poderia ser feito aqui no Brasil?

RM- Algumas pessoas já começaram, perceberam que o racismo precisa ser combatido nas políticas nacionais  e essa consciência nasceu da leitura de ativistas. Na medida em que você faz parcerias, consegue não discriminar. As respostas difíceis para as situações de desigualdade não somos nós, negros, quem temos que dar. Nos países onde o racismo é explícito, a própria lei cobra o ônus da prova de quem descriminou, porque a pessoa que é discriminadora tem que provar que não discriminou. No Brasil, quem sofre a discriminação precisa provar que foi discriminado e quem é testemunha não quer ser, porque isso, muitas vezes, pode implicar em punições, como uma demissão, por exemplo.

M- Como seu trabalho com a educomunicação procura abordar esses temas?

RM- O que tenho trabalhado nos últimos anos, além do conhecimento histórico e cultural do ativismo negro no Brasil e no mundo, é uma perspectiva de autocrítica de educadores a partir de práticas educomunicativas. O profissional de educação percebe-se como alguém que reproduz o racismo, preconceitos ou estereótipos de forma extremamente naturalizada. Como, por exemplo, ao chamar o cabelo de “pixaim” ou de “ruim”, ou ao só passar a mão na cabeça da criança branquinha, ou só escolher brancos para o protagonismo em sala de aula, e até nunca manifestar qualquer afeto em relação às 

crianças negras. Esses relatos surgem das professoras que dizem, “nossa eu nunca percebi o quanto eu faço isso”.

M – Você nota um desejo de mudança nos educadores?

RM- Em alguns, mas o que interessa é que existe a lei e esta precisa ser cumprida. O tratamento igualitário é direito de todas as crianças. Para alcançar isso é preciso respeitar as dif

erenças, porque nós não somos iguais, mas a igualdade é um processo que pode ser construído e vivenciado. Dentro da escola, precisa ser exercitado com equidade e isso implica que uma professora não pode, por exemplo, somente tratar um determinado conteúdo e desconsiderar outros. A história africana e afro-brasileira também precisa ter o mesmo valor que tem a história europeia. Se a professora não tem essa condição, e

la precisa buscar formação e este é um dever do estado, de fornecer a formação, para que crianças brancas e negras aprendam a conhecer e a respeitar com igualdade todos os povos formadores do país.

 M - É possível uma pessoa deixar de ser racista através da escola?

RM- Não se trata em transformar as pessoas em “não-racistas”, mas sim de questões estruturantes e transformadoras na educação. A transformação acontece, tanto é que já existem muitas práticas e relatos de que a criança que não aprendia, que era retraída, passou a se interessar, mudou a postura quando as atitudes de racismo cessaram. A criança não se reconhecia como negra e agora se identifica positivamente e diz “eu sou negra, né prô?!”, quando tem uma atividade. Às vezes, ela nem fala que é negra, mas vê uma figura ou imagem negra em um livro, aponta e diz “olha eu aqui, este sou eu”, porque aquela figura está bem representada. A educação se dá na medida em que você questiona a atual situação e é muito legal, porque há mudança, eu tenho testemunhado positivamente muitas delas.

 PALANQUE


{Seção dedicada às notícias sobre minorias sociais; mudanças nas constituições ou criação de políticas afirmativas que beneficiem estes grupos; notícias que envolvam temas considerados polêmicos no país, como descriminalização/legalização de drogas e do aborto. O objetivo é trazer os assuntos mais recentes, compactados em 6 pequenas notas e imagens.}  

 

por Letícia Justino         

                                                                                                                                                                                                             

                                                                                                                                                       

 Ética na política, no consumo e no cinema é o tema da oficina coordenada pelo produtor de cinema Renato Bulcão que está sendo ministrada desde 1 de agosto e acontecerá até o dia 05 de dezembro no MIS - Museu da Imagem e do Som de São Paulo. O curso aborda a ética nas três esferas e é dividida em módulos. No módulo "ética na política" é discursado sobre conteúdo de filosofia política e tem como objetivo oferecer um repertório conceitual sobre os principais dilemas teóricos da política brasileira. A oficina está acontecendo às sextas-feiras, das 19h às 22h no auditório LABMIS. Saiba mais no site: www.mis-sp.org.br

DIVULGAÇÃO / DING MUSA / Política é uma das esferas abordadas em oficina no MIS  

 

Urnas eletrônicas destas eleições tiveram áudio para facilitar o voto dos eleitores com deficiência visual. A medida, que foi adotada pela corte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) após uma solicitação do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), possibilitou a esses eleitores escutar o que está sendo digitado na hora do voto. No momento em que o deficiente visual conectou o fone de ouvido à urna, o equipamento passou a emitir um sinal sonoro com a indicação do número do candidato escolhido. A partir deste ano, todas as urnas no Brasil disponibilizarão o recurso.

 Uso medicinal da maconha e tráfico de drogas podem estar agora em diferentes definições, de acordo com novos critérios da Lei de Drogas no Brasil aprovados pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) no dia 29 de outubro. A norma poderá passar a permitir a importação de produtos e derivados à base de canabinoides — princípio ativo da maconha — para uso terapêutico e a indicar um parâmetro mínimo de porte de droga para diferenciar usuário e traficante. As mudanças, no entanto, ainda passarão pelo exame de mais quatro comissões temáticas. 

Foto: REUTERS

 

Em todo o Brasil apenas 80 candidatos que estavam na disputa por cargos nas eleições deste ano se declararam índios quando perguntados a respeito de cor ou raça no registro de candidatura, de acordo com as estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgadas por meio do site oficial. Os estados da Bahia e de São Paulo foram os que mais contribuíram com candidatos indígenas, com oito postulantes cada um. Outros estados que tiveram mais de cinco candidatos cada são Amazonas, Roraima, Mato Grosso do Sul e Pará. Entre as cinco raças citadas no estudo, a indígena ficou em último lugar, com a menor porcentagem de representantes (0,33%). Atrás de outras minorias como negros (9,27%), com 2.420 políticos, e amarelos (0,46%), com 116.

"Tensão racial: o negro no cinema” é o nome da mostra que exibirá filmes gratuitos no Mês da Consciência Negra. O evento, promovido pelas bibliotecas públicas Paulo Setúbal, Álvares de Azevedo, Pedro Nava, Roberto Santos e Adelpha Figueiredo, trazem filmes nacionais e estrangeiros que serão exibidos no dia 20 de novembro. Durante a mostra, são exibidos diversos longas que retratam as tensões raciais e sociais no Brasil e no mundo, um exemplo é o filme "Preciosa - uma história de esperança", dirigido por Lee Daniels. O filme narra a história de Claireece "Preciosa" Jones (na foto abaixo) uma adolescente afro-americana de 16 anos que passa por uma série de conflitos durante a sua juventude. Confira a programação completa do evento no www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/bibliotecas

Foto: REPRODUÇÃO / Bibliotecas de São Paulo promovem mostra no mês da consciência negra 

 

Mulheres nos Quadrinhos foi o movimento que surgiu há dois anos no Facebook após uma página criada para divulgação de trabalhos feitos por mulheres que criaram histórias em quadrinhos. A página tem hoje mais de 83 mil seguidores e se tornou plataforma que não só publica a produção de novas autoras e de quadrinistas já consagradas como reflexões sobre questões de gênero. “Vocês acham que só os garotos entendem de quadrinhos? Vai ver que não é bem assim”, afirmam as organizadoras da página. Você pode conferir o trabalho de algumas das produtoras abaixo:

 

Foto: REPRODUÇÃO/FACEBOOK / Didi Helene – Dona da página Um dia ainda viro cartunista


Foto: REPRODUÇÃO/FACEBOOK / Elisa França - Dona da página Inconstantina


 

Foto: REPRODUÇÃO/FACEBOOK /  Laura Athayde dona da página Boobie Trap


Foto: REPRODUÇÃO/FACEBOOK / Mariana Sales dona da página Marionete


 

Foto: REPRODUÇÃO/FACEBOOK / Sarah Héricy, assina como Sahr


 

Foto: REPRODUÇÃO/FACEBOOK / Sirlanney criadora da personagem alter ego Magra de Ruim



 

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