A educação e a política
Política
Escolas e o desafio de discutir o assunto
Luana Massuella
Em uma das melhores escolas do Brasil, a Sylvio Romero, o futuro já chegou. Ela obteve nota 8 no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) entre as instituições de ensino da região no primeiro ciclo do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano). A meta era atingir esse nível só em 2022. Ela supera, de longe, a média das municipais (6,6), estadual (5,7), nacional (5,2). E a Sylvia Romero é pública e fica no Bairro Oswaldo Cruz em São Caetano, no ABC paulista. Há vários pequenos segredos que fazem dela uma campeã na educação. Mas um deles, em especial, faz muita diferença. Democracia e política são parte da rotina. Alunos, professores e pais participam de assembleias para debater sobre demandas e expectativas de cada grupo. Em épocas de eleições, isso fica ainda mais evidente.
“Não focamos só no aprendizado multidisciplinar, queremos que nossos alunos aprendam, mas também que saibam conviver e consigam agir em situações de conflito”, diz Sandra Martins, Coordenadora Pedagógica da escola Sylvio Romero. “Somos a única escola do ABC que trabalha desta forma e acredito que a aposta nesse projeto pedagógico que complementa o currículo multidisciplinar e unificado da rede de ensino é a grande receita do nosso sucesso.”
A implantação das oficinas por escolha é a grande proposta do colégio. Para isso, a escola funciona em período integral, das 7h30 às 16h40, com aulas do currículo básico pela manhã e oficinas opcionais à tarde, nas áreas de Italiano, Robótica, Leitura, Redação, Artes Cênicas, Música e Esportes. Para constituir essa grade curricular, existe uma votação em que os alunos escolhem o que querem aprender dentro das oficinas.
O que se vê na Sylvio Romero e em outras escolas preocupadas com a discussão da política em sala de aula é exceção. E isso acaba refletindo na percepção que os adultos têm da própria política. Uma pesquisa sobre os interesses do brasileiro na política mostra um cenário nada favorável: 62% da população tem pouco ou nenhum interesse em saber sobre os rumos da política nacional. De acordo com o levantamento da agência Hello Research, que entrevistou 1 mil pessoas em 70 cidades das cinco regiões do Brasil , um dos maiores índices está entre os jovens de 16 a 24 anos, 69% deles não buscam nenhuma informação sobre o assunto.
Muitos especialistas atribuem esse fenômeno ao fato das escolas públicas e privadas trabalharem superficialmente ou até mesmo ausentarem a discussão política dentro do currículo escolar. “A grande problemática que vemos na educação hoje em dia, é que as matérias como filosofia e sociologia estão perdendo espaço no estudo dos jovens”, diz Diógenes de Freitas, professor da rede estadual e conselheiro da rede estadual desde 2000. “É necessário que essas disciplinas sejam trabalhadas em conjunto com a área de humanas, como por exemplo, nas aulas de português, história e geografia.”
“A grande problemática que vemos na educação hoje em dia, é que as matérias como filosofia e sociologia estão perdendo espaço no estudo dos jovens”, diz Diógenes de Freitas, professor da rede estadual.
Para Lívia Sales, Cientista Política na Universidade de Brasília (UnB), o ensino desses conhecimentos é crucial para que os estudantes não cresçam com ideias pré-concebidas ou preconceituosas sobre política. “Alguns conhecimentos básicos como processos de decisões políticas, o funcionamento da sociedade, eleições, modalidades de votação e regimes de governo precisam ser ensinados desde os anos iniciais, no período de formação da criança”, diz a especialista.
Segundo a Cientista Política, a falta de conhecimento sobre esse assunto, a longo prazo pode gerar desinteresse e uma visão limitadora dos aspectos negativos da política no dia-a-dia, o que pode resultar em um bloqueio nos indivíduos, que na sua essência têm condições de se tornar agentes políticos de transformação social.
O Brasil ainda não possui um currículo escolar unificado, que determine o que e em que momento os conteúdos devem ser ensinados a estudantes do ensino básico. O que torna essa questão tão sensível é o fato de que os mesmos alunos são periodicamente submetidos a avaliações que cobram os conhecimentos supostamente transmitidos. Como é o caso da Prova Brasil, que mede o aprendizado de estudantes do ciclo fundamental e do Enem.
Além da Sylvio Romero, outros colégios investem no ensino da política para seus alunos. No Colégio Piaget, localizado na Grande São Paulo, há mais de 15 anos os estudantes participam de atividades com questões ligadas à cidadania, à democracia e à responsabilidade social. “Nosso objetivo é preparar nossos alunos para viver além dos muros da escola, queremos que nossos alunos falem e entendam sobre política e que essa discussão esteja mais presente na vida deles”, diz Silvana Franco, diretora do Colégio Piaget.Hoje, Estados e municípios são responsáveis pela elaboração do currículo usado nas escolas públicas. Na rede privada, cabe a cada instituição determinar as expectativas de aprendizagem dos alunos. Há, portanto, milhares de currículos espalhados pelo país. De modo geral, esses programas de estudo se apoiam em livros didáticos e material apostilado, e nada garante que uma escola de Alagoas, por exemplo, ensine equações de segundo grau na mesma série que uma unidade de São Paulo.
Já no projeto "É tempo de eleição na escola”, os estudantes preparam murais com notícias sobre os candidatos à Presidência da República e incluem fotos e comentários pessoais, a partir de uma intensa pesquisa sobre a política atual. “Para as crianças é interessante repassar o conhecimento sobre política por meio de atividades lúdicas, demonstrando o quanto a política é importante em decisões simples da sua vida, como por exemplo, a decisão de construção de uma estrada pode afetar a viagem de férias da família. Assim às crianças vão começar a entender a essência da arte da política e não apenas limitar o tema às propagandas que assistem durante o período eleitoral”, afirma a Cientista Política, Lívia Sales.
Desde 1995, o Colégio Piaget trabalha com as disciplinas de sociologia, filosofia e psicologia no Ensino Médio - mesmo com a retirada das matérias no regime militar. “Também possuímos uma disciplina chamada “Projeto Viver”, do 6º ao 9º ano, em que são trabalhamos a psicologia e sociologia levantando discussões sobre o papel social de cada cidadão”, diz Silvana Franco, Diretora do Colégio.
No Colégio Fênix Santa Paula, em São Caetano do Sul, o tema política aparece em diversas atividades extras: aulas especiais, palestras ou especialistas convidados. No Projeto “Núcleo de Formação Humana”, organizado pelo Departamento de Direitos Humanos, os alunos de todas as séries tem uma aula por semana onde são discutidos temas envolvendo cidadania e política. “As escolas em geral, preparam os alunos para passar no vestibular, portanto sobra menos espaço para se discutir essas questões, aqui, achamos importante trabalhar política, pois sabemos que faz parte do nosso dia a dia, e no caso dos alunos do Ensino Médio, pode auxiliá-los na escolha da profissão”, diz Rafael Dutra, Professor de Ensino Fundamental II e Ensino Médio.
“A imagem de política que passamos na escola contrapõe a ideia que geralmente a mídia passa, de que ela é cheia de corrupção, escândalos. Com um embasamento histórico, nós ensinamos nossos alunos a serem críticos, a exercerem papel de sujeitos ativos na construção do seu próprio conhecimento”, comenta Isabel Oliveira, Diretora do Colégio Fênix Santa Paula.
A Diretora conta que as aulas especiais sobre política são iniciativas dos professores de história. O ensino da política no Ensino Fundamental II começa nas aulas de História, e é trabalhada progressivamente no Ensino Médio nas disciplinas de Filosofia e Sociologia, em que se refletem questões fundamentais para a formação política do indivíduo, como a questão dos direitos iguais, direito a um emprego e a justiça como base da organização social.
Há seis anos, as escolas públicas da cidade de Pedra Branca, a 263 quilômetros de Fortaleza, em pleno sertão cearense, apareciam entre as 150 piores do Estado, segundo o Spaece, sistema de avaliação utilizado pelo governo para monitorar as unidades de ensino básico. Cada escola ensinava o que queria, e os professores não conversavam entre si.
Algumas unidades apresentava o básico, outras iam além. Para mudar a situação, o município decidiu, entre outras ações, rever os conteúdos que eram apresentados aos alunos. Em 2009, os professores passaram a escolher, junto com colegas de outras escolas, os livros que seriam usados em todas as séries e disciplinas, material que serviu de base para a criação do currículo escolar da cidade. Em 2013, todas as escolas saíram do grupo de atenção e nove passaram a figurar entre as 150 melhores do Ceará.
As crianças que participam do Política na Escola, projeto de extensão da Universidade de Brasília, têm demonstrado como resultado melhor convívio em sala de aula e em sua participação na escola, principalmente quando descobrem que eles são responsáveis e parte integrante da sociedade e do meio que vivem. “Em ações simples, observou-se que estas crianças ficaram mais atentas e colaboradoras nos trabalhos em equipe e na disseminação de hábitos saudáveis na escola, como lavar as mãos antes das refeições, destinar corretamente o lixo,etc.”, comenta Lívia Sales, Cientista Política na Universidade de Brasília (UnB).
A Câmara Municipal realizou a 13ª edição do Parlamento Jovem Municipal de São Paulo, atividade que tem como objetivo proporcionar aos estudantes do 6º ao 9º, de escolas públicas ou particulares, uma vivência por um dia como vereador. Durante o evento, eles têm a oportunidade de apresentar projetos e expor suas ideias, debatê-las e também votar naquelas apresentadas pelos colegas.
Segundo especialistas, o papel da educação não é apenas preparar os alunos para os exames nacionais, mas também, prepará-los para vida e formá-los como pessoa, ajudando a criar uma identidade pessoal. ”Para se integrar na sociedade, primeiro o estudante deve compreender suas exposições políticas , como funcionam as leis, quem são os governantes, o que faz cada político, e só depois que entender esses conceitos é que estará pronto para votar”, diz Paulo Sérgio Garcia, assessor pedagógico.
A preparação política começa já na educação infantil, entre 0 e 6 anos, em que as crianças começam a ter noções de cidadania, resoluções de conflitos, e começam a exercitar a compreensão e aceitação de opiniões divergentes. No Ensino Fundamental as questões políticas são tratadas principalmente em História e Geografia, mas brevemente. Já no ensino médio o adolescente já têm uma capacidade maior de compreensão , e por isso algumas escolas adotam palestras, até aulas para discutir a fundo essa questão .
“A forma adequada de praticar isso na escola é através das próprias palestras, de seminários entre professores e aluno, e com a organização de debates, onde os professores põem os alunos frente a frente para exporem e trocarem suas ideias, então essas medidas são um bom exercício para a construção do conhecimento e argumentação crítica do aluno.”, comenta Paulo Sérgio Garcia, assessor pedagógico.
Assim com toda esta bagagem de informações esperasse que o sistema educacional tenha contribuído para que os futuros eleitores possam ter condições de estabelecer suas preferências no processo de escolha eleitoral, bem como no acompanhamento das ações de seus representantes e na fiscalização dos gastos públicos.
A Escola Materna, no bairro Nova Petrópolis, em São Bernardo, entrou no clima das eleições e realizou com os alunos uma votação para escolher quem seria o próximo presidente da instituição. Ao todo, seis crianças concorriam ao cargo de presidente da escola. Os educadores trabalharam com os alunos a importância do voto consciente, explicaram o papel do presidente e vice-presidente e como funciona o processo eleitoral.
Uma das principais medidas para elevar a qualidade de nossas instituições é o controle social. “Assim a condição essencial para que o indivíduo possa conseguir fiscalizar e interagir com as instituições públicas, gestores e sua própria comunidade é o conhecimento, pois não é possível exigir algo que desconhecemos”, comenta Lívia Sales, Cientista Política.
Segundo especialistas, por tais razões as regras básicas de funcionamento de nossa sociedade devem ser claras transparentes e ensinadas a todos, pois é a partir da consciência para o convívio em sociedade que os cidadãos poderão cooperar para o fortalecimento de nossa estrutura democrática e para a redução desigualdades informacionais. Já que aquele eleitor que não conhece minimamente seus direitos e as regras do jogo de nossa sociedade, infelizmente vira massa de manobra.
Em continuação as atividades desenvolvidas nos anos iniciais do ensino fundamental, é ainda necessário aprofundar o conhecimento de questões mais complexas acerca do tema ao longo dos anos escolares, com uma programação definida em conjunto com a coordenação escolar e linguagem adequada para que o aluno termine o ensino fundamental com habilidades de análise critica do contexto sócio político em que vive, e ainda, antes de completar 16 anos saiba quais são regras do processo eleitoral; o que é voto majoritário e voto proporcional; o quê os candidatos podem e não podem fazer durante as eleições. Este tipo de atividade atualmente é compatível com o modelo de educação integral, que se encontra em fase de expansão no Brasil.
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Guilherme Felix
Advogado, jornalista e professor universitário. Clóvis de Barros Filho é mestre em ciências políticas formado por universidades de São Paulo e Paris. Defende a ética nos cursos de Direito e Comunicação em que leciona. Já escreveu diversos livros, e atualmente alimenta o site “Espaço Ética”, onde também ensina sobre os conceitos de ética, moral, política e cidadania.
Na sociedade de hoje existe um preconceito com a palavra Política?
A palavra política tem dois significados: processos eleitorais e o exercício de alguma autoridade do Estado. É claro que tanto os processos eleitorais quanto o exercício da autoridade do Estado excluem o cotidiano das pessoas, a vida das pessoas de certa maneira e o conceito de politica é vitima de uma profissionalização da política. Como diria Max Weber, a política é que faz governador, senador, presidente da república e etc. Então, o entendimento da palavra política se tornou restritivo por conta dessa progressiva profissionalização de um certo uso do poder.
Isso abriu um espaço de nomenclatura propriamente e a palavra cidadania acabou preenchendo esse espaço. Quer dizer, a política acabou se tornando uma atividade de profissionais da política, e cidadania é o que era a política quando feita por não profissionais. Política é tudo o que diz respeito a polis, e é claro que o que diz respeito a polis diz respeito a todo mundo e não a meia dúzia de profissionais. Soma-se a isso o fato de que o trabalho desses profissionais vem sendo paulatinamente solapado, na sua legitimidade, por conta de certa cobertura jornalística que enfatiza o ilícito o mal feito, a coisa ruim e etc. Dando a impressão de que o profissional da politica é 100% do tempo e todos eles corruptos, desonestos, nefastos e etc. O que sabemos esta longe de ser verdade. Então você vê que passamos por um processo em duas fases. Primeiro a restrição do conceito e depois a deslegitimação do conceito.
A palavra política produz asco nas pessoas, mas quando você ouve a palavra cidadania isso é entendido como tudo de bom. No final das contas foi isso que acabou acontecendo. Eu entendo que esse encaminhamento das nomenclaturas foi empobrecedor. E isso, o que é pior, tem como consequência o fato das pessoas acreditarem mesmo que o que os profissionais da política faz é uma coisa e o que o cidadão faz é outra coisa. “Eu só me meto com isso aqui, aquilo lá é outra coisa.” Isso, evidentemente, retira de nós essa corresponsabilidade da “coisa pública”. Dá a impressão mesmo que não temos nada a ver com a politica, o que é uma estupidez. Por isso a ideia central do livro do professor Cortella e do professor Janine é uma ideia central auspiciosa e o livro é muito bom.
Você acredita que o desinteresse pela política é cultural ou realmente é falta de iniciativa na formação dessas pessoas?
Eu penso que esse tipo de assunto é pessimamente tratado nas escolas de maneira geral. É evidente que haverá aqui e ali uma ou outra exceção, mas isso só confirmara a regra. A regra é que os temas que não caem no vestibular são desprezados pelo currículo e, portanto, desprezados pelos estudantes. Eu usei a palavra vestibular, mas a ênfase agora é muito maior no ENEM. A impressão que eu tenho é que enquanto nós não tivermos questões ligadas à ética, política, ou a cidadania dentro da escola numa perspectiva de não só fazer parte oficial do currículo, mas de fazer parte da ideia central do currículo, você tem dois sistemas perversos. A política passa a ser alguma coisa sem importância e a escola passa a ser como uma instituição que ensina para um mundo que não existe. Você entendeu?
"Você imagina que, se a escola não ensina para participar da vida pública, vai ensinar para que então? "
Quando a escola não trata da política, os dois perdem: a política perde e a escola perde. Você imagina que, se a escola não ensina para participar da vida pública, vai ensinar para que então? Você imagina que possamos passar um ano da escola aprendendo sobre o romantismo e o barroco na literatura, mas agente não estuda as competências de um deputado. Quais são os poderes de um deputado? Quais são as diferenças das prerrogativas de um deputado e um senador? As pessoas vão votar e, é engraçado, mas elas não sabem o que o cara vai fazer ou pode fazer. Eu me atrevo a dizer mais. Não é só o eleitor que ignora, o próprio candidato não sabe bem. “Você sabe o que um deputado faz? Não, então eu também não sei. Quando eu chegar lá depois eu te conto!” Isso que o Tiririca faz em tom de jocosidade é apresentado em tom de brincadeira, mas só é engraçado justamente por que boa parte dos candidatos e dos eleitos também ignora. Porque, se os candidatos não ignorassem, não diriam o que dizem nas suas campanhas.
Boa parte do que é prometido nas campanhas não pode ser cumprido e não é nem por má vontade, é porque, juridicamente, não faz parte das suas atribuições. O emissor e o receptor se unem na ignorância a respeito das condições reais de exercício do poder. Mesmo que você queira ensinar isso no colégio ou no ensino médio, não teria professores para isso.
Você ensina em suas aulas na ECA, temas como: “Competências da União”, “O que é um Sistema”, “O que é política”. Você acha interessante abordar esses temas no colégio? Em qual período do ensino de base você acredita que deve se iniciar esse tipo de debate?
Sim! E eu vou insistir. Poderia chegar aqui e dizer “é muito importante que isso seja trabalhado no ensino médio e fundamental”. Não pega bem? Não fica bacana? Seria ótimo, mas não tem como! Não tem professor para isso. Você tem noção da quantidade de professor que você precisa na rede pública e na rede privada? São centenas de milhares de professores para atender as necessidades desse país. Onde você vai arrumar isso? Precisaria sair à caça dos formados por aí. E quem tem competência para ensinar sobre prerrogativas do legislativo? Quem tem competência para ensinar isso? São pessoas que passaram pelo curso de Direito Constitucional em faculdades de Direito, mas sabemos que o cara que estuda Direito tem um encaminhamento profissional que não é exatamente esse de dar aula no ensino fundamental. Mais possivelmente os formados em Ciência Sociais na parte de política e etc, mas os ingressos desse tipo de curso é uma quantidade irrisória para o que precisaria.
"Esse jovem brasileiro que acha que na politica só tem corruptos, é quem vai entrar em uma grande empresa mais tarde, é quem vai levar dinheiro para comprar um deputado mais tarde em nome da própria empresa. "
Não basta deliberar assim, “olha a partir de agora vamos ensinar as prerrogativas de um deputado e de um senador no ensino fundamental e médio”. Seria ótimo, você pode até ter uma boa intenção em fazer isso, mas precisa começar antes. Precisaríamos pensar em formar os professores para ensinar isso. Eu chamo a sua atenção para o fato de que não temos nem professores de química, que é uma disciplina tradicionalmente presente. Hoje, boa parte dos professores de química não são formados em química, boa parte dos professores de física, não são formados em física. O que dirá um curso dos moldes desse que eu tenho na Universidade. Quem é que vai ensinar isso? Nós não temos mão-de-obra academicamente autorizada para ensinar isso. Então eu vejo como extremamente difícil, muito difícil acabar com essa ignorância especifica e com as outras também.
Você acredita que, no modelo político do Brasil, a democracia está em decadência? E até que ponto isso é culpa da mídia ou dos políticos e da sociedade?
Eu não concordo com isso. Pelo contrario, para quem viveu em um regime militar, nos só podemos estar em ascensão. A política hoje é melhor do que já foi. Se você for atrás do regime militar era um horror também. Tinha a República Velha, depois eram os militares, segundo império... Portanto nunca foi tão bom como é hoje, a corrupção nunca foi tão pouca como é hoje. O que nós temos hoje é uma sadia cobertura da mídia dos casos de corrupção, ideal seria que ela fosse ainda mais extensa. O que temos hoje é consciência, visibilidade da corrupção. Ela ficou tangível. Até outro dia, a corrupção era invisível, seja por que não interessava exibi-la, ou porque era proibido exibi-la. Agora ela se tornou visível e é fundamental que ela seja combatida.
Isso é sinal de saúde da política, e não doença. É sinal de que estamos no caminho certo e é preciso continuar investindo para que a corrupção seja denunciada e inibida. Se nos tivéssemos hoje aqui discutindo e nós disséssemos que no nosso país não existe corrupção e, portanto, nossa sociedade é excelente, aí sim, estaríamos em plena decadência. Estaríamos em uma situação de ignorância e ingenuidade absoluta. A corrupção sempre existiu em qualquer lugar do mundo, ela sempre existirá em todos os lugares do mundo, e nós aqui estamos aprendendo a identificá-la, denunciá-la e combatê-la.
Uma das grandes desilusões dessa juventude na política é a questão da corrupção, mas não podemos esquecer que os políticos são eleitos pela população. Uma pesquisa do Ibope divulgada em 2006 mostra que 75% dos entrevistados, se fossem eleitos, cometeriam ao menos um delito em uma lista de treze possibilidades. Deles, 69% já terem transgredido leis para levar vantagem (sonegar imposto, inflar gastos médicos para o seguro-saúde, etc.). Não são só nossos políticos que são corruptos e antiéticos e corruptos, isso é cultural do povo brasileiro?
Existe uma tendência psicologicamente confortável que é eleger um bode expiatório, longe de mim como causa de todos os males! Esse jovem brasileiro que acha que na politica só tem corruptos, é quem vai entrar em uma grande empresa mais tarde, é quem vai levar dinheiro para comprar um deputado mais tarde em nome da própria empresa. A corrupção é uma relação que precisa da participação do capital. Existe uma tendência em acreditar que a corrupção é alguma coisa que esta longe daqui e é uma prerrogativa de pessoas moralmente inferiores, diferentes de nós e que deveriam ser todas confinadas e presas em um lugar longe daqui. Não é verdade. Como você mesmo disse: a corrupção esta em todo lugar. Mesmo a corrupção do Estado e burocrática, ela só existe por conta por conta de agentes corruptores, que quase sempre tem alguma coisa para oferecer, e esses estão muito mais perto de nós.
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Bruna Toledo
A Escola Materna, no bairro Nova Petrópolis, em São Bernardo, entrou no clima das eleições e realizou com os alunos uma votação para escolher quem seria o próximo presidente da instituição. Ao todo, seis crianças concorriam ao cargo de presidente da escola. Os educadores trabalharam com os alunos a importância do voto consciente, explicaram o papel do presidente e vice-presidente e como funciona o processo eleitoral.
Pingue-Pongue
Tatiane Elói
Além de professora e pesquisadora, Mônica Sodré Pires é, também, colaboradora de organizações não governamentais relacionadas à política. A jovem de 28 anos é o exemplo perfeito de que a política não é coisa só de “gente mais velha”. Graduada em Ciências Sociais, mestre em Ciência Política, ambos pela Universidade Federal de São Carlos e doutoranda em Relações Internacionais pela USP, Mônica, junto com colegas, criou o projeto #vemprapolítica, que tem como objetivo levar a educação política para crianças e jovens, principalmente da periferia do Brasil.
Hoje em dia as escolas não têm disciplinas com conteúdos voltados especificamente para a política. Como você enxerga o impacto disso na vida do jovem em formação?
Acredito que a ausência desses conteúdos, sobretudo quando conectados à realidade dos alunos, contribui para que a política seja vista de forma tão negativa.
"A gente cresce ouvindo que política, assim como religião e futebol, não se discute."
Há uma certa visão deturpada por parte da sociedade em geral de que política é somente aquilo que se faz nos espaços institucionalmente reconhecidos como a Prefeitura ou a Câmara dos Vereadores, e de que a ação política se resume a ir às urnas de 2 em 2 anos.
No caso dos jovens, a falta desses estímulos terá impactos diretos na sua maneira de enxergar o mundo, na sua inserção na sociedade e na sua maneira de se relacionar com o outro. A política é, por natureza, um espaço de conflito, no sentido de que há diferentes visões, paixões e interesses na vida em sociedade. É preciso dialogar, fundamentar pontos de vista, defender posições, argumentar, convencer e se deixar convencer. A sociedade ganharia muito com a formação de alunos mais críticos e com maior habilidade de diálogo.
E o ensino de Filosofia e Sociologia?
Foi uma excelente iniciativa. É ótimo que o aluno tenha um espaço para discutir valores e questões que encontra no dia-a-dia. No entanto, há dois problemas bastante recorrentes. Primeiramente, nem sempre o professor responsável pelo conteúdo possuiu formação e habilitação específicas nas áreas. Em segundo, acredito que haja algumas vezes, um descompasso também em relação à forma que o conteúdo é ministrado. As escolas que temos hoje não são muito diferentes das escolas que tínhamos há 20 anos. O mundo mudou, mas as nossas escolas, em geral, não acompanharam a mudança. E eu não falo aqui de haver um tablet disponível por aluno, mas de se pensar em novas maneiras, sobretudo de forma, de levar esse conteúdo e diálogo às salas de aula, de maneira mais horizontal inclusive.
Em entrevista recente você aponta a educação, e a educação política, como o gargalo mais importante para o crescimento do país. Quais são suas ideias para que os jovens adquiram essa base política?
Eu não acredito na existência de um único gargalo para o crescimento ou desenvolvimento do país. Seria simplificar demais nossos problemas e correr o risco de acreditar que as soluções também são simples. A educação, e aí falo de maneira tão ampla e genérica quanto possível, é somente um dos nossos desafios e um dos caminhos a ser enfrentado.
Para além dos diagnósticos tradicionais sobre o tema, defendo a inserção de conteúdos de educação política [ou educação para a cidadania] nas escolas, de maneira mais lúdica e relacionada a valores nos níveis iniciais. E é necessário que haja um grande cuidado com o conteúdo, que não pode ser resultado de ideologias ou de compromissos partidários, por exemplo, em defesa ou benefício de determinados grupos.
Você acha que o desinteresse dos jovens na política vem dessa falta de informação, dos escândalos dos governos ou são reflexo do desinteresse que as famílias vivenciam também dentro de casa?
Eu não falaria em desinteresse e sim em algo mais próximo de desencantando, descontentamento. A gente cresce ouvindo que política, assim como religião e futebol, não se discute, que o jornal é só aquilo que passa antes da novela, que todo político é ladrão e que menina não deve se meter em política. É triste e esse desencanto é também (mas não exclusivamente) o resultado de uma sociedade que não tem entre suas prioridades educar politicamente seus cidadãos.
Um dado interessante, divulgado agora em novembro de 2014 por meio da pesquisa O Sonho Brasileiro da Política, promovida pela Agência Box 1824, ajuda a desmistificar essa falta de interesse do jovem pelo assunto. 65% dos entrevistados gostaria de ter conteúdos relacionados a política na escola ou na Universidade. Estamos falando de uma pesquisa com escopo reduzido, mas ainda assim é interessante notar que a maioria desse universo tem sim interesse no tema.
"O mundo mudou, mas as nossas escolas, em geral, não acompanharam a mudança."
Ano passado, tivemos as manifestações de junho que se eclodiram contra o aumento do preço da passagem do transporte público. Você acredita que os jovens que saíram às ruas compreendiam as mudanças que estavam pedindo? Tinham conhecimento suficiente para fazer esse tipo de protesto?
Se estamos falando em medidas que significam melhor qualidade de vida para todos (melhoras na saúde, combate à corrupção etc), a conscientização dessas pessoas sobre seu potencial, traduzida na ocupação das ruas, é um excelente indicador. Esse jovem mostrou que é perfeitamente capaz de se mobilizar, e se fazer ouvir e se enxergou como um ator político. Acredito que estamos testemunhando um momento histórico, no qual a maneira que a representação está pensada não mais nos atende e a sociedade, facilitada pela tecnologia, clama por maior participação na tomada de decisão.
E vale destacar que essa tão comentada crise de representatividade que nos acomete não é uma característica somente nossa. Um exemplo disso é o 15M na Espanha, conhecido como “movimento dos indignados”. Se é possível fazer uma comparação entre as manifestações lá e aqui, acredito que seja exatamente isso: o desejo de maior participação da sociedade na política.
Recentemente você foi uma dos oito finalistas de um prêmio oferecido pelo Fundo Monetário Internacional e pode acompanhar as reuniões da organização em Washington. Foi possível sentir um retorno positivo dos outros participantes sobre esse tema da educação política?
Além dos investimentos em educação, abordei na minha redação a necessidade de se educar politicamente o cidadão para que tenhamos uma sociedade mais participativa e igualitária. A opinião de alguns dos meus colegas finalistas sobre seus respectivos países é de que há, em geral, um distanciamento da população com a política, em parte devido ao desconhecimento e em parte devido ao descontentamento resultado de sucessivos escândalos de corrupção. Há, também entre nossos vizinhos, a conhecida troca de favores que acaba relegando à política o papel de atender a interesses particulares. O animador foi notar que todos os meus colegas acreditam que as mudanças que esperamos passam, necessariamente, por um fortalecimento da cidadania.
Perfil
Felipe Calbo
No segundo semestre deste ano, Thiago Aguiar, 25, estava em reta final da sua campanha para deputado estadual. Em Agosto, foi marcada uma panfletagem com a presença da candidata a presidente e correligionária de Thiago, Luciana Genro, do PSOL. Thiago chegou à Avenida Paulista de Metrô, vestido como sempre: calça jeans e uma camiseta básica, nesse dia era do JUNTOS. Como sempre, cumprimentou todos colegas militantes. De um lado, Luciana Genro era entrevistada pela mídia, do outro Thiago era abordado por militantes jovens para discutir assuntos políticos. Thiago é um rapaz alto e magro que carrega no rosto um sorriso sereno e sincero e, mesmo quando a chuva apertou e impossibilitou a panfletagem, ele recolheu tudo com os militantes animados e convocou todos para o comitê da campanha.
Nasceu em São Paulo, na Zona Norte, que é praticamente um Feudo da grande cidade, e foi criado pelos pais, que eram trabalhadores da classe média. O curioso é que ele narra sua história de vida sempre contextualizada a momentos políticos. “Vivi em um período de crise econômica, nos governos FHC, e havia um anseio de todos pela mudança e vitória do Lula, em 2002, quando eu tinha 13 anos.” Aos 16 anos, no colegial de uma escolha particular, tinha boas notas em todas as matérias. Sua mãe nunca teve problema na criação do filho. O gosto pela política Thiago afirma que surgiu primeiro por curiosidade, que depois se transformou em uma vontade de aprender e entender mais como funcionava nossas vidas. “A escola que eu estudei tem o método muito tradicional, ou seja, não tinha canais para o um movimento estudantil, só na faculdade que comecei a fazer política”, disse. Até lá, Thiago lia pensadores antigos e estudava sobre o tema.
E foi em 2007, quando passou na Fuvest, e ingressou no curso de ciências sociais na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letra e Ciências Humanas) da Universidade de São Paulo, que iniciou sua participação politica. “Nós entramos na faculdade e se discutia que ela estava em risco, por conta de erros na gestão do Serra [José, governador de São Paulo].” Thiago contou que na época existia o Diretório Acadêmico, mas que os calouros se reuniram por conta própria e em maio daquele ano eles fizeram parte da ocupação da reitoria. No final do ano, após participar de debates e palestras do PSOL, decidiu filiar-se ao partido.
Com o término da faculdade, Thiago participa de uma chapa que se torna vitoriosa nas eleições para a UNE. Ao mesmo tempo, organiza com outros idealizadores um novo movimento nacional de juventude, o JUNTOS, que tem o objetivo de ser ator político de forma apartidária, constituído por jovens estudantes. No começo o movimento era forte em apenas algumas universidades federais, agora estão presentes em vários estados e, em São Paulo, está se inserindo nos cursinhos e recebendo adeptos desde o ensino médio. Esse método atual para conquistar integrantes mais novos ao movimento é essencial para cobrir o buraco deixado pelas instituições de ensino. O movimento debate as causas sociais, tem encontros nacionais e um jornal impresso.
Thiago fala inglês e espanhol, e mais uma vez, conta suas histórias sobre viagens internacionais que fez mostrando o contexto histórico em que o país se encontrava. A primeira foi para a Venezuela, em 2010, enviado pelo PSOL para um encontro da juventude socialista. “O socialismo estava desmoralizado. Hugo Chávez trouxe de volta chamando de socialismo do século 21 com a Revolução Bolivariana. Essa viagem foi muito inspiradora” Depois, Thiago foi para a Grécia ver a crescente da Syriza, uma coalizão de partidos de esquerda que tenta tirar o país do fundo do poço que se encontra. Na Grécia, Thiago participou de uma jornada de manifestações realizadas pelo Syriza, que quase chegou ao poder.
No ano passado, em janeiro, o JUNTOS se programava para as jornadas marcantes de manifestações que aconteceram em Junho daquele ano. Em 2011, o então prefeito Gilberto Kassab (PSD) já havia aumentado a tarifa do transporte público de São Paulo. Em 2013, era para ocorrer outro aumento, normal no inicio do ano, mais foi vetado pelo governo federal e adiado para o meio do ano. Com isso, os movimentos conseguiram se organizar melhor para lutar contra o aumento da tarifa. Em Porto Alegre, o Juntos foi linha de frente e derrubou o aumento, fortalecendo as participações em outras grandes cidades, como São Paulo.
Thiago se diz satisfeito com quase oito mil votos recebidos nas eleições deste ano para deputado federal. “É um número expressivo para uma primeira candidatura, que contou só com a força da militância”. Ele deseja lutar por um país melhor, que está esgotado pelo método econômico de crescimento do Brasil. O socialismo, não este que estudamos na história, segundo Thiago, é um modelo diferente que pode levar o Brasil para um avanço. O seu programa era baseado em temas polêmicos, mas considerados por muitos sociólogos um avanço para o bem estar social como a desmilitarização da polícia, legalização do aborto, criminalização da homofobia e a legalização da maconha. Seus principais desafetos, tanto nas épocas de movimento estudantil, quanto na disputa política atual, sempre foram os reacionários e conservadores, como ele rotula, que são contra as maiorias das ideias dele.
Nos próximos anos, Thiago e os movimentos que ele faz parte, o JUNTOS e o PSOL, organizarão debates ao redor dos problemas sociais e se fortalecerão. Atualmente mestre, Thiago quer começar a ministrar aulas, ao mesmo tempo em que concorre a uma bolsa, sua fonte de renda desde a pós-graduação, para o doutorado em Sociologia aprovado. Quando perguntado se os jovens são o futuro político do país, ele diz: “Nossa geração está desmoralizada. Ir para as ruas manifestar era piada ou coisa de idiota. Agora temos experimentado novas formas de participação e até isso se transformar numa plataforma política demanda tempo”.