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Os Excluídos

 

INFOGRÁFICO

PING PONG

“Eu não trocaria esse país por nenhum outro”

 

MARIANA FONTAINHAS

É muito comum ouvir brasileiros falando que gostariam de mudar de país. Pessoas reclamam do calor, da criminalidade, da falta de recursos, entre outros. O tópico principal de reclamação dos brasileiros, porém, é a política.

Quantas pessoas você já ouviu falando que gostaria de ir morar nos Estados Unidos? E na Europa? E você, já pensou em olhar da perspectiva de quem vem de fora para o Brasil? Decidimos ouvir dois estrangeiros, de países diferentes, para saber qual é a visão deles sobre o Brasil e sobre a tão polêmica política brasileira.

 

 

 

 

 

 

R

alf nasceu na Alemanha em 1967, mas não tem memórias de seu país natal. Devido a dificuldades financeiras, seus pais, em busca de melhores condições de vida, optaram por se mudar para o Brasil em 1969, quando ele tinha dois anos. Hoje, ele avalia como essa decisão impactou no seu destino. 


Sua família passou por dificuldades quando chegou aqui?

Não passamos dificuldades. Eu era pequeno e o emprego do meu pai era garantido através de uma empresa, que forneceu casa e todos os trâmites para minha família toda conseguir o visto permanente. Éramos meus pais, eu e minha irmã.

Como foi sua adaptação?

Apesar de eu ser pequeno, a maior dificuldade foi não falarmos o português. Meu pai falava alemão e minha mãe espanhol, então na escola eu confundia o aprendizado do português principalmente com o espanhol, mas com a ajuda e paciência insistentes dos professores consegui ir aprendendo.

Você se interessa por política?

Sim, além de interessante é um tema polêmico, principalmente no Brasil. Mais ainda em época de eleição.

O que você acha do voto?

Acho uma excelente forma de expressão do povo. Porém, voto obrigatório com democracia não combina. Tudo que é obrigatório por parte da política nos recorda a ditadura, tempo este que eu presenciei aqui no Brasil.

Quem está no poder pode influenciar sua vida aqui?

Claro que sim, tanto positivamente como negativamente. Até meados do ano 2000, os estrangeiros residentes possuíam o RG modelo 19 que, para quem tinha o visto permanente, não era necessário renovação. Agora com a desculpa de se ter um maior controle nos cobram R$400,00 para renovação do RNE a cada oito anos. Oras, não é visto permanente?

Não seria mais fácil se naturalizar?

Porque eu deveria me naturalizar? Os únicos direitos que não tenho são de não poder votar e de exercer cargos políticos. Não tenho interesse em nenhum deles.

Você sabia que, para se naturalizar, um estrangeiro deve esperar 15 anos?

Acho tempo demais. A burocracia brasileira impera na maioria das leis e órgãos públicos com regras e leis arcaicas. Sou alemão de nascença, mas brasileiro de coração. Não preciso de um documento para me sentir brasileiro, o povo deste país, amigos e família me tratam como brasileiro que sou.

Sente vontade de votar?

Eu não, porque o que se assiste na TV e nos debates não nos incentiva a participar. Até porque eles próprios somente se concentram em denegrir a imagem dos seus concorrentes e a forma com que se apresenta o plano de governo não apresenta credibilidade.

Existe alguma semelhança política entre Alemanha e Brasil?

Com certeza, mas a principal diferença é de que os políticos e órgãos públicos trabalham em benefício do povo e suas cidades.

O voto deveria ser obrigatório também para os estrangeiros?

Não. A liberdade das pessoas não se expressa através do direito de ir e vir? Não é obrigando que se conquista o objetivo. O voto tem que ser de livre escolha do povo, e independente de ser estrangeiro ou não, como no meu caso, todos pagamos igualmente todos os impostos.

Tem vontade de voltar para a Alemanha?

Gosto de morar aqui e eu não trocaria este país por nenhum outro. Vivemos em um país abençoado por Deus, com sua natureza maravilhosa, clima tropical e o povo mais acolhedor de todos, onde reina a simplicidade e a felicidade.







Manuel nasceu em uma aldeia em Portugal e veio ao Brasil em 1957, em busca de melhores condições de vida com seus pais. Agora, vivendo há mais de 57 anos no Brasil, ele avalia como essa decisão mudou sua vida.


Você passou por dificuldades quando chegou aqui?

A gente passou dificuldades porque estávamos acostumados na aldeia com um tipo de alimentação, e aqui era completamente diferente. Lá não tinha feijão preto. E aqui tinha. Ensinaram minha mãe a misturar o arroz com o feijão preto. Eu via e tinha nojo. Cheguei a apanhar por causa disso.

 Como foi sua adaptação?

Foi muito difícil porque nós morávamos em uma aldeia que tinha muita criança para brincar. E quando chegamos aqui, fomos para Petrópolis, que era uma fazenda onde não tinha criança. As pessoas moravam distantes umas das outras. Então comecei a trabalhar com 12 anos.

Você se interessa por política?

Não. Inclusive, uma época, depois que eu estava aqui e tirei meus direitos de igualdade, até tive um cunhado que queria que eu fosse político. Mas eu nunca quis ser. 

O que você pensa sobre o voto?

Eu acho muito importante. Porque na situação que estamos é preciso escolher os governantes que levem o Brasil a um patamar melhor do que ele está. Porque é uma terra que tem dinheiro e é farta, mas não tem governantes em condições.

Você acha que quem está no poder pode influenciar sua vida aqui?

Eu acho que pode sim.

E você vota?

Eu voto porque me interessa poder escolher os governantes que eu acho que são os melhores para o país.

Mas você é naturalizado?

Não sou naturalizado. Tenho os direitos de igualdade. Não deixei de ser português. Tinha 18 anos quando tirei meus direitos de igualdade, foi muito difícil. Precisava de muita documentação.

Você sabia que, para se naturalizar, um estrangeiro deve esperar 15 anos?

Olha, 15 anos? Nossa! Mas acho que é certo. Porque às vezes a pessoa nem gosta do país e se naturaliza por nada, sem motivo.

Existe alguma semelhança política entre Portugal e Brasil?

Lá era péssimo. Era a época da ditadura portuguesa. Quando cheguei parecia com a do Brasil. Naquela época, começou a ditadura aqui. Não podia abrir a boca em Portugal, e nem aqui.

Você acha que o voto deveria ser obrigatório também para os estrangeiros?

Eu acho que o estrangeiro deveria votar se ele gosta do Brasil. Se ele está aqui é porque ele gosta, e o Brasil é um país que recebe todo mundo. Se ele votasse seria melhor.

Você sente vontade de voltar a morar em Portugal?

Adoro morar no Brasil. Amo esse lugar. Amo de paixão. Eu voltaria para Portugal só para visitar. Isso é uma terra fantástica. Não tem lugar igual no mundo.

 

 

ESPECIAL 

Restrição ao voto: a realidade de quem depende da acessibilidade

ANNE MIRANDA
ENRIQUE HENRIQUEZ 
GILBERTO PACHIONE

Domingo de eleição. Você pega o carro e vai até o colégio eleitoral. Chegando ao local, é só entrar, caminhar até a seção e votar. Muito simples, não é? Pode ser para quem não tem nenhuma restrição física. Para mais de um milhão de brasileiros, contudo, a realidade é outra. São pessoas deficientes que necessitam de recursos para exercer o direito de cidadão. E muitos deles deixam de ir às urnas pela falta de acessibilidade no caminho até os colégios eleitorais. Alguns até conseguem chegar, mas enfrentam problemas nas seções eleitorais espalhadas por todo o Brasil.

O resultado dessa falha nas eleições é que não faltam histórias de eleitores frustrados com um ato que deveria ser simples para todos. E sem restrições.

Foto Divulgação

O problema começa ao sair de casa. Rampas nas ruas, calçadas esburacadas, placas de sinalização e postes no meio do caminho. Esses obstáculos são encontrados durante todo o percurso que Edson Santi faz até o local de votação. Ele é cadeirante há seis anos e não abre mão do direito de votar. “Estou exercendo minha cidadania e fazer parte de uma sociedade democrática não tem preço”, disse, seguro da importância do ato.

E quando o assunto é acessibilidade nas ruas de São Paulo, mais reclamações vêm à tona. Rafael Pimenta tem 25 anos, mas já é experiente quando a questão é locomoção. Para ir às urnas, o jovem enfrenta a demora dos coletivos especiais. “Existem poucos ônibus adaptados e o intervalo entre eles é de aproximadamente uma hora e meia ou duas”, contou.

Contabilizando o tempo que Rafael espera um ônibus para votar, sabe-se que, em um domingo de eleição, ele gasta pelo menos 6 horas para ir até as urnas e voltar para casa. E o tempo não é seu único inimigo... Andar em um ônibus adaptado em São Paulo requer um coração em bom estado de saúde. O que não falta são aventuras. “Na maioria das vezes as travas (que seguram a cadeira de rodas) se encontram quebradas e no decorrer do caminho, com os trancos do ônibus, tenho que forçar a mão para a cadeira não andar”, disse, relatando os problemas que aparecem durante o trajeto.

Apesar de ser a cidade com o maior número de cadeirantes do país, existe pouco investimento em infraestrutura para essa parcela da população. Em seu site oficial, a Prefeitura de São Paulo afirma ter uma frota de 8.500 ônibus adaptados. Mas, pelo tempo de espera do Rafael, percebe-se que metade deles não deve estar circulando pela cidade. Em dia de votação então, é pior ainda. Aos domingos a frota já é reduzida. Se, para uma pessoa que não necessita de um coletivo especial já fica difícil ir votar de transporte público, imaginem para os deficientes. Tem que ter muita vontade.

A barreira do deficiente visual

E por falar em dificuldades, já parou pra pensar que a urna eletrônica pode ser um contratempo? Difícil imaginar. Afinal, o aparelho que revolucionou a história das eleições brasileiras é completo. É totalmente eletrônica, você digita o número, aparece o candidato, você confirma e pronto. Facilitou a nossa vida, certo? Pode ter ajudado a grande maioria – mas muitos não gostaram da novidade.

Lúcia Santos é deficiente visual desde que nasceu. Ela é prova de que as barreiras não são exclusividade dos cadeirantes. Além de limitações no trajeto, ela sofre com as urnas eletrônicas. “A tecla braile não é suficiente”, afirmou categórica. E ela está certa. Como um deficiente pode saber se o número que digitou estava correto? Afinal, o fantástico recurso de ver a foto do candidato, para eles de nada serve. No caso dos deficientes visuais, deveria haver um elemento que garantisse o voto. “Queria poder levar alguém de minha confiança para a cabine de votação”, sugeriu, pedindo a garantia da legitimidade do voto.

Acontece que, desde quando implantaram o sistema da urna eletrônica em 1996, nunca houve uma técnica para garantir o voto do deficiente visual. Essa foi a primeira eleição em que eles puderam confiar. Foram disponibilizados fones de ouvido nas seções onde votam esses deficientes votam. Claro que houve muitas falhas. Mas já é um bom começo. Isso significa que Lúcia teve que esperar 18 anos para ter a legitimidade do voto garantida. Até hoje, ela não sabe em quem votou em outras eleições. E se o voto foi anulado? Ela nunca saberá...

Programa de Acessibilidade

A acessibilidade entrou definitivamente na pauta do TSE há dois anos, em 2012, instituiu o Programa de Acessibilidade da Justiça Eleitoral. Tudo isso para atender os eleitores que têm algum tipo de deficiência ou mobilidade reduzida.

Muito superficial, o projeto determina que os tribunais regionais eleitorais (TREs) devem facilitar o acesso aos locais de votação.

Claro que nada ainda é “automático”. Os deficientes devem comunicar a demanda especial com burocráticos 151 dias de antecedência. Só assim o TRE poderá encontrar uma sala pronta para atender o deficiente.

Não importa se há a indicação na inscrição de muitos eleitores como deficientes, já que muitos são portadores de necessidades especiais desde que nasceram. Se não avisar, o eleitor dependerá da disponibilidade do tribunal em responder ao pedido.

E após longos 18 anos, desde que a urna eletrônica foi implantada, o Tribunal Superior Eleitoral enfim enxergou os deficientes visuais. Foi determinado que as urnas eletrônicas tivessem um sistema de áudio. Agora esses eleitores podem ouvir as instruções da urna e ter uma maior autonomia na hora de votar. Apesar de todas as urnas terem esse sistema, são os tribunais regionais que devem fornecer fones de ouvido nas seções eleitorais. Na dúvida, melhor garantir e levar seu fone de casa.

A urna possui um software que indica o número escolhido pelo eleitor com um sinal sonoro. Mas as máquinas não funcionam sozinhas. Elas liberam o áudio somente mediante a digitação de um código por parte do mesário presidente da mesa de votação da seção. E esse áudio se encerra logo após a votação do deficiente. Enfim, as eleições deste ano são as primeiras a ter o recurso disponibilizado para os deficientes visuais. Isso acontece na regra, mas a dificuldade ainda aparece de fato.

Já no caso dos eleitores que têm mobilidade reduzida, a lei vai além do pavimento térreo, o que já é muito difícil de encontrar. Está determinado que as seções devem oferecer rampas, corrimão e estacionamentos adaptados às necessidades de locomoção. Tudo de acordo com as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Mas quem dera se as normas fossem cumpridas em todo o país.

Outro direito dos deficientes físicos é ter um acompanhante para levá-los até a urna de votação. E esse recurso não precisa ser pedido antecipadamente ao juiz eleitoral. Além de poder entrar na cabine de votação, a pessoa que prestar o auxílio pode digitar os números na urna. Tudo o que os deficientes visuais queriam, não é mesmo?

Arte: Mariana Fontainhas

Eleições 2014

Neste ano, um total de 430 mil eleitores brasileiros declararam à Justiça Eleitoral que têm algum tipo de deficiência. Desse número, apenas 150 mil pediram um atendimento especial para ir às urnas.

Os outros 280 mil tinham esperança de obter o apoio automático dos tribunais eleitorais.

A falha na acessibilidade da Justiça Eleitoral, infelizmente, vai além. Segundo estimativa do TSE, há no país cerca de um milhão de eleitores com mobilidade reduzida. Ou seja, menos da metade declarou a deficiência à Justiça. Isso significa que muitos não querem sequer ir às urnas. Ou foram e tiveram muita dificuldade na hora de votar.

O TSE relata que, ao todo, foram 32.267 seções eleitorais especiais. O que, para eles, representa um aumento de quase 80% em relação a 2010, quando ainda não havia o programa de acessibilidade do Tribunal Superior Eleitoral. Nesse caso, as seções especiais somavam apenas 18 mil. Resta saber, então, qual é o número de seções especiais que realmente funcionaram.

O objetivo da criação desses dispositivos de acessibilidade pelo TSE é diminuir a abstenção dos deficientes por falta de mobilidade. Resta, porém, uma pergunta: é apenas o dispositivo ou os problemas vão muito além disso? 

PERFIL

Léo Áquilla 

 

CAMILA TRAMA
AMANDA FERREIRA
 
  

Sua aparência é impecável. Com o corpo mais em forma do que muita mulher, depois de uma dezena de intervenções cirúrgicas plástica, ela assumiu sua personalidade e optou deixar de lado o pronome pessoal no masculino. Com uma agenda de shows coreografados em ritmos eletrizantes e com gastos em figurinos que chegam a R$ 40 mil, Jadson Mendes de Lima, mais conhecido como Léo Àquilla, é eclética: apesar de ser jornalista pela universidade Anhembi Morumbi, com pós em jornalismo político pela PUC, nem piscou seus cílios postiços para aceitar integrar a fauna do reality show “A Fazenda”.

Caricatura Léo Aquilla
Oportunista para alguns, verdadeira para outros, aproveitou a exposição midiática como oportunidade de representar a classe LGBT na política. Venceram os primeiros: foram três tentativas fracassadas.  Na primeira tentativa, em 2006, candidatou-se para deputada estadual de São Paulo pelo Partido da República (PR) e obteve 21.778 votos. Número expressivo, mas insuficiente para sua vitória. Em 2010, a queda para 14.382 votos pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Nessas eleições deste ano, agora para deputada federal, estacionou nos 29.695 votos, com uma reincidente mudança de sigla, para Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Dessa vez, com mais apoio da população LGBT.

Apesar de representar nitidamente a classe LGBT, Léo Àquilla ergue não só a bandeira gay, mas luta com unhas e dentes contra todo e qualquer tipo de preconceito. Durante a campanha desse ano, uma de suas principais propostas para defender os que sofrem com ações discriminatórias, era implantar nas escolas, no ensino infantil e fundamental, uma matéria que ensinasse a felicidade, amor ao próximo e respeito à diversidade.

Léo Àquilla, muito popular, chama atenção por si só em qualquer lugar que freqüente. Durante a campanha atraiu as pessoas com sua simpatia e isso claramente atribuiu para a sua crescente quantidade de votos esse ano. O seu método não se baseou em cavaletes pelas ruas, e sua imagem espalhada pelas cidades. Com a falta de verba, e muito carisma, Leo expôs seus ideais corpo a corpo por todo o estado de São Paulo e através de vídeos nas redes sociais. Esse método virtual fez com que Leo recebesse apoio de pessoas do mundo inteiro, e um de seus vídeos bateu seu recorde de 1 milhão de visualizações.

Em sua primeira tentativa a um cargo público, a foto em que aparecia na urna eletrônica era de um rapaz de terno chamado Leo Àquilla. Oito anos após a derrota, e com sua personalidade transexual assumida, a candidata bate na tecla contra os julgamentos pela aparência que só fazem com que a pessoas se esqueçam dos reais motivos da votação.

Se apresentar “montado” talvez não tenha falado ao coração dos eleitores de esquerda, por mais que esses tenham adotado a bandeira gay como fiel da balança para se diferenciar da “direita”. Preconceito? Bem, foram 115.305 votos a menos do que outro defensor das causas homossexuais o ex-bbb Jean Wyllys.

 

EXPEDIENTE

Professor Orientador
Jorge Tarquini

Repórteres
Amanda Ferreira. Anne Miranda, Camila Trama, Diego Rodrigues, Enrique Henriquez, Gilberto Pachione, Mariana Fontainhas

Editor
Diego Rodrigues
Flávia Rakoza
Mariana Fontainhas 


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