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Ágora

Carta do Editor

Ágora, a reunião de pensamentos

É com imenso prazer que apresentamos a primeira edição da Revista Ágora: uma publicação voltada para o público jovem político. Depois de muito trabalho produzido pela equipe de estudantes do 6º semestre de Jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo, trouxemos a você, caro leitor, a oportunidade de ler um conteúdo diferenciado, que aborde o tema político que os jovens da atualidade querem ler. O nome da revista vem de um termo da Grécia Antiga, que designa um espaço de cidadania, onde as pessoas se reuniam para discutir sobre política e questões populares. Espero que gostem e que nos apoiem com este novo projeto.

Murilo Toretta - Editor-chefe

Entrevista

DIRETO NA FERIDA

MARIANA VIEIRA
OSCAR BRANDTNERIS
RAFAEL SANDRÃO

Claudio Weber Abramo, diretor-executivo e um dos fundadores da ONG Transparência Brasil, monitora a política no país há 13 anos. O trabalho já obrigou os congressistas a aprovarem a Lei de Acesso à Informação e a Lei da Ficha Limpa. O feito é notável em um país que se acostumou a associar corrupção à classe política. Mas Abramo não parece preocupado em revelar um caso atrás do outro de propinas, caixa 2 e desvio de verbas que tanto são noticiadas pela imprensa. Sua luta é mais ampla. Ele quer facilitar o acesso da população à informação, criando uma fonte fácil e segura para que todos tenham capacidade de entendê-la. A esperança é que de posse desses dados qualquer um possa ficar por dentro do que acontece na política, ainda hoje um universo obscuro e restrito a poucos que giram em torno do poder. Bacharel em matemática pela USP e mestre em filosofia da ciência pela Unicamp, Abramo nos recebeu em sua confortável casa no Pacaembu. Em uma longa entrevista, apontou as raízes e até possíveis soluções para acabar com a corrupção no Brasil. Firme nas respostas, prefere não emitir sua opinião pessoal e revela irritação quando o entrevistado generalizava uma questão. Pudera, sua obsessão é pela precisão, porque é só a partir dela que se pode chegar às entranhas do problema.

Como se explica a corrupção e quais são as suas variáveis?

Abramo assume uma postura de ataque quando o assunto é corrupção - Foto: Thaís Valverde

Corrupção é, basicamente, quando você se aproveita de uma função pública para fins privados. Esse aproveitamento pode tomar várias formas, e a mais conhecida e noticiada é quando alguém assalta os cofres públicos, desvia dinheiro, ou direciona uma contratação de uma estrada para uma empresa qualquer que seja tratada como especial, e nisso, os indivíduos envolvidos ganham uma propina. Mas existem outras maneiras, que não precisam envolver diretamente o benefício financeiro, mas podem envolver, como, por exemplo, pagar a faculdade do filho, fazer viagens.

Quais as dificuldades de se perceber uma atitude corrupta?

A partir do momento em que você vai se afastando da transação monetária direta, o conceito de corrupção passa a ter menos nitidez. Por exemplo, um vereador, um senador ou deputado, ou alguém do Executivo, pode formular regulamentações, leis e decretos que vão beneficiar determinados setores. O benefício daquilo pode vir ao longo de anos, com favorecimentos não muito diretos e nem explícitos. E isso é muito difícil de detectar.

Já que o ato político é ajudar no cumprimento de interesses e necessidades, existe um peso e medida para as acusações?

O conceito de corrupção não é firme e completamente seguro em sua teoria, por isso não podemos generalizar, e precisamos sempre analisar as circunstâncias concretas profundamente. Não existe corrupção sem a pessoa que paga propina, e o que toma a decisão. Nem todo funcionário público é corrupto, como muita gente diz, mas todos são suspeitos. Não se trata de saber se a pessoa é ou não honesta, mas sim, descobrir qual a origem do problema, da decisão e do negócio.

Quais as formas mais eficazes de se combater atos suspeitos?

Digamos que seja identificado um tipo de corrupção que seja julgado ser prejudicial para a comunidade por beneficiar algum interesse privado. Uma das atitudes é realizar modificações nas leis, legislações, regulamentos e decretos para que o problema não ocorra mais. Eles carregam detalhes omissos e que permitem a abertura de algumas brechas. O outro é a presença de fiscalização durante todo o processo administrativo que sempre é abrangente. Para construir o Rodoanel ou um novo hospital, existem inúmeros detalhes que envolvem a construção ou a tomada de uma decisão, e aqui no Brasil, o acompanhamento não ocorre na administração pública brasileira.

Então existe um problema no processo de fiscalização?

Não é esse o problema exatamente, mas sim, de responsabilização das decisões. Pois, na hora de perguntar sobre o culpado, é claro que todos vão se omitir. Existem casos de projetos imensos, que envolvem bilhões de reais. Vão colocar a culpa em quem? No office boy trabalhador? Ele está envolvendo no jogo um dinheiro que é nosso, e não dele. E com a fiscalização fraca, a realidade é essa.

Sobre o processo de julgamento do mensalão, qual a sua opinião sobre a decisão final?

Eles foram julgados por conta de provas, certo? Então, não importa a minha opinião, mas sim, os fatos. O senhor João Paulo Cunha, do PT, recebeu R$ 50 mil reais de uma agência de publicidade para que ela fosse contratada pela Câmara dos Deputados. Não há nenhuma dúvida disso. É uma atitude de ladrão. Além disso, é bom eu explicar que aqui em São Paulo, no caso dos tucanos, deve acontecer exatamente a mesma coisa. Mas, infelizmente, a mídia não cobra e nem vai atrás.

''Quem tem dinheiro não é punido, e os políticos têm, é nosso dinheiro, aliás''

Como você vê o relacionamento das empresas com a política no país?

Nós vivemos em um regime capitalista, e por definição, ele serve para favorecer o capital. Nessa realidade, as empresas se acham heroínas e querem controlar tudo, inclusive a política. Os empresários pensam o seguinte: Se o regime é nosso, eu vou querer controlar. Isso é conhecido desde sempre. E existe a consciência de ser necessário diminuir essa influência. Ela é deletéria, e se esse poder aumentar, eles vão nos prejudicar ainda mais. Não pode.

Qual a consequência de se proibir o financiamento de empresas nas campanhas políticas?

Existe uma consideração feita por parte das pessoas que o dinheiro corporativo em eleições é prejudicial para o interesse da coletividade. Se não há limite para essas ações, as empresas também não terão limites na hora de agir por seus interesses. É reconhecido mundialmente que proibir o financiamento faz com que os desvios aumentem, e sempre haverá fluxo de dinheiro entre as empresas e os partidos, independentemente de uma lei. Isso tudo vai ser feito em caixa 2, no caso de veto. E você não consegue fazer o controle disso. Não é possível.

Então as leis não conseguem impedir um possível financiamento ilegal?

Os interesses dos empresários não estão ligados ao pedaço de papel que cita uma lei. Embora o ideal fosse que não houvesse capital empresarial de espécie alguma e nem de pessoas físicas em eleições, você não consegue materializar isso. Então, se não se consegue um ideal, vamos tentar conseguir alguma coisa que seja factível materialmente, ou seja, alterar alguns pontos, como a legislação eleitoral, para que sejam estabelecidos limites para as empresas. Por que isso é importante? Você tem algumas empresas que estão no alto, que dão muito dinheiro. Nessas eleições, eu acho que 32 empresas foram responsáveis por 50% do financiamento eleitoral, sendo que havia 6.200 empresas doadoras nas contas do TSE. Quer dizer, as poderosas, que representam 0,5% do total, são responsáveis por 50% do financiamento.

A área de influência do Maluf não é quase nada. Temos que esquecê-lo.

A Lei Da Ficha Limpa é, de fato, eficaz ou já deveria ser papel do judiciário banir esses candidatos?

A lei é muito ruim, muito mal escrita. Foi um pouco consertada, mas continua ruim e tem essa origem: os párocos pegam os fiéis que saem da Igreja e pedem para assinar. Dizem que é “lei de iniciativa popular”, não tem nada disso. Eu acho ruim o método. Mas essa legislação só é necessária, insisto, porque a justiça não funciona, porque o sujeito é condenado e não vai para a cadeia, não paga multa, porque existe um problema com o Código de Processo Penal, que garante a interposição de recursos até “o fim dos tempos”. Quem tem dinheiro pra pagar advogado não vai preso. Quem tem dinheiro não é punido, e os políticos têm, é nosso dinheiro, aliás. Se não houvesse esse problema da lentidão na justiça, não haveria necessidade dessa legislação e a melhoria do sistema judicial brasileiro enfrenta resistências insuspeitas. Quem é contra em primeiro lugar: os advogados, porque ganham dinheiro com isso. Mas quem lhes paga para colocarem recursos são os réus. Se o camarada soubesse que cumpriria pena de qualquer maneira, porque ele gastaria mais dinheiro com recursos? Ele está preso. Então os advogados não querem nem saber disso, são contra.

Baseado em tudo o que você comentou, como encontramos explicação para que Paulo Maluf, por exemplo, seja um dos mais votados durante a eleição?

É uma questão simples. Aquele ditado “Rouba, mas faz” não engana o brasileiro. Tem gente que acha que tudo bem, mas a maioria não. Não tem nada a ver com cultura. A questão é que o Maluf não vence uma eleição majoritária em São Paulo há muito tempo. Ele representa alguns “brucutus” direitistas e que votam nele, mas não são a maioria e estão acabando com o tempo. A área de influência do Maluf não é quase nada. Temos que esquecê-lo. Como votam no Collor? Ele é o dono das comunicações no Alagoas. Seria estranho se ele não fosse eleito. Não podemos nos impressionar com figuras.

A mídia está nas mãos de políticos. Isso faz com que ela não exerça um bom papel de fiscalizadora?

Empresas jornalísticas são empresas, têm um dono. O negócio delas é produzir informação. Algumas delas fazem isso um pouco melhor. Elas precisam de suporte financeiro pra viver e, em sua maioria, o dinheiro vem dos políticos. Imagina o jornal nos lugares mais distantes. É complicado. Os jornalistas precisam trabalhar e acabam sendo influenciados por essa necessidade. Existem muitas pessoas da bancada que são donos de veículos de comunicação. Então, no jornalismo, você trabalha em empresas, em primeiro lugar.

Você comentou sobre a fragilidade do Judiciário brasileiro. A melhora na situação atual do país passa por sua reforma?

Reformar o Judiciário é fundamental. Os códigos devem ser alterados. Existem privilégios absurdos. O STF deu auxílio moradia para juiz. Isso é inaceitável. O Judiciário tem que ser conservador, mas deve-se tomar cuidado. Porém, devemos alterar muitas coisas.

Você acha que nossa democracia ainda é muito recente?

Claro que não. Isso é muito abstrato. Poderíamos ter uma organização muito melhor em 5 anos e não em 25. O nosso grande problema está no equilíbrio econômico. Temos que ter dinheiro para progredir. Temos que enriquecer para resolver os problemas, inclusive dos pobres.

Destaque

 

A corrupção nossa de cada dia

ANDRESA VIDAL
MICHELLE ALESSIO
THAIS VALVERDE

Talvez você, ou pelo menos alguns de seus amigos, já tenha falsificado um documento de identidade para entrar em uma festa para maiores de 18 anos. No Brasil, quando uma pessoa encontra uma bolada de dinheiro e devolve, vira notícia de jornal – a verdade é que muitos nem pensam em procurar o dono. E aquela caixinha que as pessoas dão para um policial ou guarda de trânsito para não serem multadas? Esses atos são mais banais do que se imagina. E praticados por uma grande parcela da população. Mas os brasileiros, na teoria, são contra a corrupção na política. Então há algo de errado neste peso e nesta medida.

Famoso pela maneira de resolver as situações por meio da malandragem, de forma atípica, ou ilegal, burlando as leis, o brasileiro condena essas práticas. Segundo pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) entre setembro de 2012 a março de 2014, o “jeitinho brasileiro” foi apontado por 82% dos entrevistados como um método utilizado para tirar vantagem das situações – mas 16% das pessoas afirmaram que tomam a decisão correta mesmo quando recorrem à artimanha.

O termo “corrupção” refere-se à utilização do poder ou autoridade com o objetivo de obter vantagens financeiras, prejudicando o bem-comum e os interesses públicos. A palavra é um dos temas-chave quando associado a políticos, mas parece distante quando relacionado a pessoas comuns sem cargos públicos e que também praticam atos ilícitos.

“Os indivíduos não conseguem fazer a mesma vinculação ao considerar corrupção os atos corriqueiros, comuns, ‘normal e aceitável’ no dia a dia, isso porque em geral, nós indivíduos, acusamos aos outros e não percebemos o quanto reproduzimos o que fazemos”, afirma a psicóloga do Instituto de Psicologia da USP Nanci Fonseca. “Quando é para si mesmo tudo é justificável, nosso olhar é egocêntrico, nos colocamos como o centro das coisas.”


Na obra “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”, o pensador suíço Jean Jacques Rousseau, define que o homem nasce bom e a sociedade o corrompe. Isto é, as pessoas que o ser humano se relaciona ao longo da vida são determinantes na formação de sua postura dentro da sociedade e contribuem na formação da personalidade, caráter e valores de cada um.

Para a psicóloga Nanci, o debate é longo e gera discussões sobre as razões que levam uma pessoa a praticar atos corruptos. E um dos principais motivos vem da criação do homem. “O indivíduo precisa ter certas habilidades que o tornem capaz de discernir para fazer escolhas, compreendendo que elas repercutem em si mesmo, no outro e no coletivo”, afirma.

Inevitavelmente o problema da corrupção atinge todos os países de alguns em maior, outros em menos escala. Com o objetivo de medir esse nível, a organização Transparência Internacional realiza pesquisas que classificam a corrupção dos países. O Brasil ocupa a 72ª posição, com 42 pontos (numa escala de 0 a 100). Figura, portanto, na lista dos mais corruptos do mundo, ao lado de países como Sérvia, África do Sul, São Tomé e Príncipe, e Bósnia e Herzegovina. Esse grupo de nações só perde para Somália, Coréia do Norte e Afeganistão. Os brasileiros estão a anos-luz de países mais transparentes, como a Dinamarca, líder no ranking da Transparência Internacional, e da Nova Zelândia e Finlândia.

Para Nanci, a corrupção está relacionada a uma sociedade que privilegia a lei de mercado, a competição, que é pautada pela injustiça. Nela, o ser humano é visto como mercadoria. E enquanto houver forte desigualdade a corrupção será sua moeda de troca.

O Brasil é identificado como país corrupto, mas não é por falta de projetos para combater o problema. Mas até hoje nenhum governo foi capaz de desenvolver instrumentos que aumentem o controle social e permitir que haja transparência nas políticas públicas. Segundo um estudo da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), de 2002, a corrupção no Estado desvia entre R$ 50 bilhões e R$ 85 bilhões por ano, algo em torno de 2% da riqueza do país ou o suficiente para construir mais de 900 mil casas populares.

E por que a corrupção está entranhada em todas as esferas do governo? Especialistas identificam no Poder Executivo o problema na contratação elevada de pessoas em cargos de confiança, indivíduos que trabalham no governo sem a aprovação de concursos públicos. Partidos da base aliada, por exemplo, comandam ministérios ou secretarias, uma forma de compra de apoio político e os parlamentares podem não fiscalizá-los, aprovando facilmente ações legislativas indicadas pelo Executivo.

“Esta ação aumenta os casos de clientelismo e patrimonialismo. Não são funcionários de carreira que atendem a demanda do partido majoritário no executivo, tanto na esfera estadual e principalmente em Brasília”, explica Rita De Cássia Biason, professora e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção da Universidade Estadual Paulista.

No Brasil, mais de 3 milhões de pessoas ocupam administrações de forma direta e indireta. Cerca de 3% são cargos comissionados em gabinetes de governadores e secretarias, e 8,5% atuam de forma indireta nas autarquias, fundações e estatais.

Sérgio Praça, autor do livro Corrupção e reforma orçamentária no Brasil (1987-2008), afirma que existe muito menos corrupção no Legislativo, no que se refere ao Orçamento, do que 20 anos atrás, e isso não é mérito de apenas um partido. “Ao longo dos anos, quando esquemas foram descobertos [anões do Orçamento, sanguessugas], as regras ficaram mais duras, mais difíceis de desviar dinheiro”, explica.

Mas é nas prefeituras, principalmente dos pequenos municípios, que atos ilícitos acontecem quase que diariamente. Nos anos 2000, Ribeirão Bonito, interior de São Paulo, mostrou que é possível combater à corrupção. A organização não governamental Amarribo (Amigos Associados de Ribeirão Bonito) liderou um movimento de investigação que resultou na renuncia do prefeito da cidade, que foi preso e hoje responde a diversos processos judiciais.

Josmar Verillo, fundador da associação e um dos autores do livro O combate à corrupção nas prefeituras do Brasil, disse que em Ribeirão Bonito foi identificado fraudes em licitações, serviços prestados pela metade, superfaturamento, o uso de empresas fantasmas, desvios da verba destinada à merenda escolar, entre outros.  “Prefeitos recebem muito dinheiro do governo federal e possuem certa liberdade para gastar, pois, são pouco fiscalizados, justamente por não haver um tribunal de contas. Além disso, prefeito também tem apoio dos vereadores”, explica.

Verillo afirma que o maior controle da corrupção virá com pressão da sociedade, educação e mais punições. “ONGs e associações de bairro, por exemplo, são formas ideais e válidas para discutir a política e iniciar um processo popular por transparência.”

Impunidade

A ausência de punição funciona como um atrativo à ilegalidade e acarreta em um agudo crescimento da criminalidade. Das 548 mil pessoas presas no país, somente 722 são por corrupção. Isso equivale a 0,1% do total de presos no Brasil. Será que a corrupção é tão ínfima assim?

Pelo sim, pelo não, o Senado aprovou no ano passado um projeto de lei que altera o Código Penal para aumentar a punição para corrupção e tornar esse ato em crime hediondo, delito de maior gravidade. O projeto ainda não foi aprovado pelos deputados. Segundo o cientista político Sérgio Praça, a questão da punição é um problema do Judiciário, muito difícil resolver, mas novas leis podem amenizar. “O julgamento do caso mensalão, por exemplo, significou que existe a expectativa de punição, um avanço gigantesco”, comenta.

Pela Lei da Ficha Limpa, uma pessoa condenada por um órgão colegiado por improbidade administrativa pode ficar inelegível por oito anos, se a Justiça considerar que houve lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito com dolo (intenção do ato).

Em seu primeiro discurso após a vitória nas eleições de 2014, a presidenta Dilma Rousseff disse que a sua principal bandeira neste segundo mandato será colocar em prática as propostas de reforma política, que há mais de 20 anos são discutidas no Congresso. Um dos temas embutidos na reforma é eliminar brechas do sistema político. Atualmente, o país aceita o financiamento misto de campanha, em que há verba do Estado e doações de empresas e pessoas físicas. Dilma defende que as campanhas recebam apenas doações privadas de pessoas físicas.

A Comissão da Reforma Política do Senado lançou no final de outubro o PLS 268/2011, que determina o financiamento público exclusivo. A ideia é que sejam destinados recursos ao Tribunal Superior Eleitoral e este fique encarregado de distribui-los para os partidos e candidatos. O valor corresponde a R$ 7 reais por eleitor inscrito.

A coordenadora de estudos sobre corrupção da Unesp, Rita de Cássia, afirma que o financiamento de campanha totalmente público não é a solução. “Isso diminui a interferência do setor privado, mas não acaba com o caixa 2 - recursos financeiros que não são contabilizados”.

Já Sérgio Praça, que também é professor de Política Públicas da Universidade Federal do ABC, defende o financiamento público exclusivo, mas adverte que o “financiamento público fica mais caro para o cidadão e convence-lo de que isto vale a pena é um desafio”.

Mídia 

Se a discussão sobre reforma política nunca avança no país, o mesmo não pode ser dito sobre a avalanche de notícias de casos de corrupção. Afinal, como essas informações sobre esse problema estão na boca do povo? Pela mídia. Já dizia Luís Fernando Veríssimo: “Brasil: esse estranho país de corruptos sem corruptores”.

Como esquecer o envolvimento da revista de maior circulação do Brasil, a Veja, no escândalo de Carlinhos Cachoeira, por exemplo? Ou o escândalo do Banestado, um esquema que favoreceu o governador do PSDB do Paraná, que, com a ajuda do gerente, usava a agência do Banco do Brasil em Foz do Iguaçu para transferência de dinheiro para o exterior, beneficiando desde traficantes e contrabandistas até os próprios políticos. Neste escândalo chegaram a ser indiciados mais de 170 pessoas, entre eles jornalistas e donos de jornais.

O mestre em Comunicação pela Universidade de São Paulo Francisco Bicudo afirma que um dos piores problemas da cobertura midiática sobre política é a postura moralista que os grandes veículos de comunicação assumem. “Esse debate resume-se a uma espécie de confronto final entre bons e maus, num purismo tão superficial quanto empobrecedor”, afirma. “A grita dos ‘limpinhos’ contra os ‘sujinhos’ não se propõe a discutir, de fato e com profundidade, as raízes históricas e políticas da corrupção.”

Devemos lembrar, porém, que a imprensa nem sempre foi assim. De acordo com o apresentador e colunista do Observatório de Imprensa, Luciano Martins Costa, antigamente, a imprensa brasileira era movida pela concorrência, e essa concorrência fazia com que as redações procurassem mais qualidade para garantir a fidelidade do leitor. Há cerca de quinze anos, os jornais começaram a se alinhar a projetos de negócios comuns e a concorrência desapareceu. Ou seja, as grandes redações tonaram-se cada vez mais homogêneas, começaram a excluir os grandes pensadores, e se tornaram redações conservadoras.

“Acho mesmo que no Brasil a imprensa já não faz jornalismo puro e simples, faz panfletagem, faz propaganda eleitoral, faz manipulação. Mas jornalismo com certeza não.”

Segundo o apresentador, a imprensa possui três papéis fundamentais para a sociedade: a função utilitária, que é fornecer informações que são úteis para a população; a função de entretenimento; e a função mais nobre, que é a da educação cívica, de acordo com Costa é a que justificaria a existência da imprensa. “A imprensa está cumprindo muito bem os dois primeiros papéis, mas não cumpre bem o outro papel, que é o mais importante e fundamental, o da educação para a civilidade”, disse.

Como somos brasileiros, ainda pensamos se há esperança para que um dia esse cenário mude. Luciano Martins Costa vê a única centelha de luz nos jovens que estão se formando atualmente, que possuem um senso crítico já aguçado. Entretanto, para ele, isso ainda irá demorar muito para acontecer. “Faz tempo que não se vê uma diversidade na diretoria dos jornais, são todos ‘yes, man’, é todo mundo cordeirinho da vontade do chefe ou patrão. Eu acho mais fácil crescer um novo tipo de mídia, como a mídia digital cooperativada, ou surgir um investidor que crie um novo negócio, do que essa imprensa que está aí se recuperar.”

A mídia, apesar de defender seus interesses, ainda é a fonte de informação sobre os casos de corrupção política. É a partir das manchetes, que vão desde desvio de verba de merenda escolar até o recente caso da Petrobras, que indignam as multidões. O grito das manifestações de junho de 2013 clamou também pelo fim da corrupção, para que o dinheiro público fosse aplicado como se deve, em prol dos direitos dos brasileiros.

Os países menos corruptos ensinam que a transparência no Estado é o caminho, e que a educação foi fundamental para a mudança de suas instituições. Pressupõe-se, então, que um povo culto sabe cobrar e também respeitar o próximo.

Perfil

Nova capa do suplicy

A luta continua

ITALO CAMPOS
MURILO TORETTA

VAI SER DIFÍCIL SE ACOSTUMAR A VER EDUARDO SUPLICY LONGE DO SENADO. NOS ÚLTIMOS 24 ANOS, ELE ESTEVE LÁ. FOI TEMPO O BASTANTE PARA QUE TUDO ACONTECESSE NO BRASIL.

Teve impeachment de presidente, compra de votos de parlamentares para aprovar a emenda da reeleição, um professor da USP, um líder operário e uma ex-guerrilheira que foram eleitos e reeleitos, e colegas do Partido dos Trabalhadores, que ajudou a fundar, sendo presos por corrupção. Suplicy passou por tudo isso com o mesmo jeito sereno e calmo. É como se Brasília fosse sua casa e após quase duas décadas e meia, é hora de mudar.

Na plenitude de seus 73 anos, a aparência de quem comete deslizes durante as sessões legislativas representa a figura alegre do senador. Suplicy é um jovem por trás dos fios grisalhos que ainda lhe restam. Duas vezes por semana, pratica ginástica e cooper. Foi pugilista entre seus 15 e 21 anos e exerce até hoje o esporte como hobby. Chegou inclusive a desafiar o deputado Popó em 2011 para uma luta de boxe. Por sorte, a luta nunca aconteceu.

Ainda assim, continua com seu otimismo e energia. Aos 65, aprendeu a tocar piano para acompanhar os filhos, integrantes da banda Brothers of Brazil. Engana-se quem pensa que Suplicy vai se aposentar ou descansar depois de quase duas décadas e meia em ação. Após seu último dia de mandato em janeiro, a agenda do senador inclui viagens para observar sistemas de renda – um dos pilares de sua campanha - pioneiros na Índia e o processo de legalização da maconha no Uruguai – para acompanhar o modelo usado pelo presidente José Mujica. Aceitou o convite para lecionar políticas sociais na Universidade de São Paulo no campus Leste, às quintas-feiras de noite. No mesmo lugar, antes da campanha eleitoral de 2014 começar, pôde colocar 300 estudantes e professores para aplaudi-lo de pé após lecionar uma palestra e agora, exercerá sua formação em mestrado e doutorado que realizou nos anos 70.

Suplicy manteve sua integridade e valores, de forma a ser eleito em 2012 por jornalistas para o prêmio “Congresso em Foco”, que elege o melhor senador do ano. Nas vésperas de completar seu terceiro mandato em 2015, garantirá a marca recorde de ser o senador que há mais tempo exerce seu cargo, ao lado dos jurássicos José Sarney e Pedro Símon (PMDB). Ambos se aposentam no final do mandato.

Suplicy nunca usou o carro oficial do Senado, apenas seu veículo particular - Foto: Divulgação

As propostas de que tanto se orgulha ao decorrer dos três mandatos priorizaram especialmente os jovens. Segundo Damião da Silva, seu motorista que o acompanha há 28 anos, sua principal virtude é a preocupação excessiva com as pessoas à sua volta. “Ele dá importância aos mais humildes e carentes no país”. Suplicy também fez o desafio do balde de gelo, que tinha como intenção arrecadar fundos para chamar a atenção à ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), através de uma brincadeira com personalidades de todo o mundo. O senador foi o idealizador da emenda brasileira para o Fundo Nacional de Pesquisa para Doenças Raras e Negligenciadas, mas o sucesso pelo desafio soou como uma atitude jocosa aos internautas. Outro sucesso da web foi quando citou a música “Homem na Estrada”, dos Racionais MC em uma sessão sobre maioridade penal em 2007. Atualmente, segue os mesmos rumos que o personagem citado na melodia. “Um homem na estrada recomeça sua vida. Sua finalidade: a sua liberdade que foi perdida, subtraída e quer provar a si mesmo que realmente mudou, que se recuperou e quer viver em paz”.

A juventude com que o senador tanto se identifica em causas sociais e projetos não possui conexão com a fase jovem pela qual viveu. Mesmo sendo bisneto por parte de mãe de Francesco Matarazzo, homem que um dia foi o mais rico do Brasil, e herdeiro das fazendas de café de seu pai, Suplicy adotava uma postura em prol da liberdade e dos direitos cidadãos.  Desde os 23 anos, ele assumiu a presidência do centro acadêmico da Escola de Administração de Empresas em São Paulo, na Fundação Getúlio Vargas, e começou a construir a política que sempre idealizou. Na época, se dizia preocupado com o ambiente turbulento instaurado na Marcha pela Família com Deus pela Liberdade, que representava a resposta à suposta “ameaça comunista”, liderada pelo presidente João Goulart. Crítico pela possibilidade de um golpe militar, o jovem Eduardo realizou uma assembleia na FGV, onde discutiu abertamente o posicionamento do centro acadêmico diante da ditadura. “No final, considerou-se que era importante resguardar a constituição e o presidente constitucionalmente eleito”, lembrou o senador ao declarar a importância de protestar desde 1964.

Com o intuito de se aprofundar nas questões democráticas, o adolescente não concluiu seu segundo ano de FGV. Pediu aos pais para viajar à Europa, tanto a Ocidental quanto a Oriental, em meio à guerra fria. Visitou países como França, Iugoslávia, Suíça e Tchecoslováquia, para que alguns anos depois voltasse ao Brasil com uma nova perspectiva. Concluiu a faculdade e cursou mestrado e doutorado de políticas econômicas. Ainda quando era professor de economia e articulista do jornal Folha de S. Paulo, recebeu a sugestão de amigos para ingressar na vida política em Brasília. Seus artigos eram tão comentados à época que não foi surpresa quando as urnas revelaram que ele obteve 78.000 votos para deputado estadual.

Passou em seguida pelo cargo de deputado federal e, desde 1990, é senador. Para entender o mundo de políticas, começou a seguir grandes nomes da década, como Ulysses Guimarães, Franco Motoro e Alberto Goldman. Mas suas inspirações vinham de líderes mundiais: Mahatma Gandhi, Martin Luther King Jr. e Nelson Mandela.

Suplicy - Grupo 7
O senador pratica boxe, toca piano e tem como ídolo o cantor Bob Dylan - Foto: Divulgação

Uma das inspirações mais influentes para Suplicy é o cantor Bob Dylan. A música “Blowin in the Wind”, representa para ele o que os jovens buscam: a paz e a tranquilidade que os jovens precisam. O motorista Damião conta que o porta-luvas do carro do senador é repleto de CDs do cantor. Em entrevista à TV Estadão, cantou a letra inteiro como resposta ao fim de seu mandato.

Derrota que, inclusive, o abalou no dia 5 de Outubro. Damião estava presente quando receberam a notícia: 32,56% dos votos válidos. Não fora o bastante. O motorista acredita que foi uma perda muito grande não tê-lo mais no senado a partir de 2015 e que a reação não foi dramática e muito menos teatral. “Ele sabia que isso poderia acontecer”.

Pai de três filhos, avô de seis netos e atual namorado da jornalista e ex-assessora Mônica Dallari, Suplicy contou com o apoio de sua família e amigos para contornar a situação. André Suplicy, advogado de 45 anos e filho mais “desconhecido” do Senador, conta que esteve em contato com seu pai durante toda a campanha e critica o candidato José Serra (PSDB) que venceu com 58,49 % dos votos válidos. “Primeiro, acho que o candidato que venceu não vá cumprir os oitos anos e, segundo, não priorizará os interesses daqueles que mais precisam.”

Mesmo sendo conhecido como um senador bondoso e de bom caráter, Suplicy quase colocou tudo a perder ao contrariar as regras que se aplicam à sociedade. Quando se candidatou oito anos atrás, um caso curioso poderia colocar à prova sua reputação. Ao chegar atrasado a um comício, insistiu para que Damião fizesse o caminho mais curto, mesmo que fosse seguir em um rua contra-mão. O motorista se recusou a infringir à lei de trânsito. “Já imaginou no dia seguinte os jornais estampando em suas capas: Senador Suplicy anda na contra-mão?”

Dia 31 de janeiro de 2015 será o dia da mudança para o Senador Eduardo Suplicy. Mas se engana quem acredita que esse é o fim de uma história de uma figura tão marcante no cenário político dos últimos tempos. André Suplicy garante que “independentemente de possuir um cargo, ele vai continuar perseguindo seus ideais como um mundo mais justo, mais solidário e mais fraterno.” Quando perguntado se continua na carreira política, não respondeu nem que sim ou que não, a resposta, assim como sua música preferida de Bob Dylan, está soprando no vento.

“Eu continuo na batalha pelas mesmas ideias que tenho defendido sempre”.

6 milhões de pessoas mostraram apoio por Eduardo Suplicy na última corrida ao Senado. Além desta parcela de eleitores, sua família e amigos vão ter que se acostumar. Eduardo, também sofreu com uma grande perda em 2001. Após 36 anos de casado, Marta quis o fim do casamento. Uma ferida que demorou pra se curar. Assim como o divórcio, Suplicy deverá aprender uma grande lição e tirar o melhor da situação. Afinal, a saída do Senado não é o fim do caminho. É, justamente, o contrário. É um começo de um caminho diferente que ainda há de ser trilhado.

 

Ensaio Fotográfico

Recortes de Junho

Junho de 2013 levou às ruas diversos discursos, manifestados tanto pelo grito quanto por cartazes. Agora, após mais de um ano, a Revista Ágora procurou jovens que participaram das manifestações para registrar se, nesse meio-tempo, suas opiniões mudaram ou se continuaram as mesmas.

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