Exegeta Thomas Römer discute os diversos papéis de Moisés no Pentateuco
02/09/2016 17h39
O exegeta suíço Thomas Römer foi o convidado da conferência desta quarta-feira (31) do VII Congresso Brasileiro de Pesquisa Bíblica. Promovido pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Metodista de São Paulo e pela Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB), o evento inclui diversas conferências e mesas de debate sobre o Pentateuco.
Thomas Römer, da Université de Lausanee, falou a respeito dos papéis de Moisés no Pentateuco. Nos livros, ele aparece como legislador, rei, chefe e juiz de Israel, mas de acordo com Römer, o papel mais importante de Moisés é o de legislador.
Moisés: legislador, rei e juiz
“No Antigo Oriente, o rei é o mediador tradicional entre os deuses e o povo. Na Mesopotâmia, o governante político é frequentemente também o primeiro de todos os sacerdotes, devido à sua relação especial com uma divindade particular”, diz. O rei era também considerado o pastor de seu povo, legislador e juiz, como responsável pela ordem do país.
No entanto, de acordo com as fontes, os reis de Israel e Judá não eram legisladores, pois seguiam e eram julgados diante da Lei de Moisés. “O fato de que, na Bíblia Hebraica, é Moisés quem aparece como o legislador, e não Davi ou Salomão, pode ser explicado com a situação do judaísmo emergente no período persa. A realeza judaíta não existia mais, e os intelectuais judaítas que editaram o Pentateuco e os Profetas Anteriores aceitaram o governo persa e eram contra a restauração da monarquia judaíta”, explica.
“Em Êxodo, Moisés é apresentado desde o início como um rei. A história de seu nascimento e seu enjeitamento mostra uma dependência literária da lenda sobre o nascimento de Sargão, o fundador do Império Assírio”, esclarece. “É possível que o autor de tenha recorrido à lenda sobre Sargão, tanto mais se considerarmos a possibilidade de que a figura da irmã de Moisés é um acréscimo posterior. Tanto Sargão como Moisés são enjeitados por suas mães, e ambas têm certa relação com o sacerdócio”.
Römer sustenta esse argumento dizendo que aparecem traços reais em relação a Moisés no episódio em que Javé o estabelece como aquele que deve tirar os israelitas do Egito, ele é apresentado como um pastor, um título dos reis. Nos trechos de construção do templo, Moisés pode ser comparado ainda a Salomão, o construtor do templo de Jerusalém.
Segundo Römer, antes da transmissão do primeiro código, o chamado “Código da Aliança”, Moisés foi retratado exercendo a prerrogativa de julgar o povo. “Todos os códigos de leis no Pentateuco são comunicados por Javé a Moisés e é depois responsável pela sua comunicação a Israel. A afirmação de que “toda causa importante, eles a levavam a Moisés, e toda causa menor, eles mesmos a julgavam” reflete o princípio de que toda questão ligada a uma prescrição diretamente abordada na Torá pode ser adjudicada pelas autoridades competentes; casos que parecem não ter o respaldo de prescrições da Torá precisam ser investigados diretamente por Moisés”.
Conclusão e interação
O estudioso acredita, no entanto, que “o papel de Moisés como legislador é o mais importante de suas atuações, pois devido à transferência de uma função real a Moisés, que antes da conquista da terra e da fundação da monarquia tinha transmitido todas as leis a Israel, o judaísmo tinha condições de existir como uma religião sem-terra e sem Estado”.
Confira algumas das respostas do palestrante às questões do público:
O Código ou Lei de Santidade seria apenas um tapa-buraco?
Ele não está apenas tapando buraco, inclusive se você ler a primeira parte dele, apenas os sacerdotes são santos e se você continuar a leitura, vai ver que está escrito que vocês devem ser santos como eu sou. Então há essa transferência de que apenas parte do povo seja santo, foi transferida para todo o povo.
Outra inovação é a questão da propriedade de terras, antes a terra era dada a esses patriarcas e em Levítico 25 é dito que eles são apenas usuários daquela terra, que a terra pertence a mim, que claro é uma crítica a essa visão nacionalista de posse de terra.
E se Moisés é tão importante, por que sua morte é vista no Pentateuco de forma tão simples? E não se fala mais de um possível túmulo seu?
Não se fala da tumba, do sepulcro, mas há uma menção de que ninguém sabe onde está o túmulo porque foi Javé mesmo que o enterrou. E vamos pensar o seguinte: de todas as figuras da Bíblia, só um teve o enterro feito pelo próprio Deus.
Se você vai lá na Jordânia, existem vários túmulos de Moisés, mas provavelmente essa questão de dizer que ninguém sabe onde está a tumba é para evitar essa adoração a Moisés, em um túmulo específico. E temos mais de uma explicação para essa questão também, no começo de Deuteronômio, Moisés está recontando as imagens sobre espiões e nessa narrativa de Deuteronômio ele adiciona algo que não existe nas narrativas e Deuteronômio 13 e 14, em que ele diz que Javé fica nervoso com Moisés por causa do povo e por isso ele não vai entrar na Terra Prometida. Então isso reforça essa ideia de figura real, pois Moisés teria essa responsabilidade coletiva, e porque o povo errou, ele também é responsabilidade.
Já em Números 20, a história é outra. Existe uma narrativa de que Moisés deveria pegar o cajado e falar com a rocha para que ela dê água ao povo. E Moisés não faz isso, ele golpeia a rocha e fala com o povo. E Deus diz que “já que vocês não ouviram minha voz, nem você, nem Arão entrarão na Terra Prometida”. E aqui é um conceito mais individual de responsabilidade, do porquê Moisés não entra na Terra Prometida.
Já em Deuteronômio 34 não há motivo nenhum, é simplesmente de acordo com a vontade de Deus. Mas para as pessoas da Diáspora, o fato de Moisés viver fora é importante, porque dá conta da ideia de que você não precisa viver e morrer na terra, para viver de acordo com a Torá.