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“A globalização é a maior mentira do século XXI”, diz pesquisador

Para Kleber Markus, doutor em Ciências da Comunicação e professor do Póscom, não existe uma hegemonia de costumes

Por Renata Fujie

Filho de pais judeus, Kleber Markus formou-se em engenharia industrial, mas é mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo. Atua como professor na Universidade Metodista de São Paulo na graduação e pós-graduação em Comunicação, e também na USP, em curso de lato sensu na área de marketing. Está realizando o pós-doutorado em Ciências Sociais Aplicadas na Université Paris Sorbonne, sob a supervisão de Michel Maffesoli, um dos intelectuais mais respeitados no meio acadêmico.

Especialista em marketing, Kleber escreveu a tese de doutorado “Comunicação e Mercado na Federação Russa”. Nesta entrevista ele fala sobre sua trajetória, comunicação e marketing e o governo Dilma.

No Póscom da Metodista é professor colaborador na linha de pesquisa Processos de Comunicação Institucional e Mercadológica. Atualmente está orientando projetos de mestrado.

JBCC - O senhor se formou em engenharia industrial. Quando e por que decidiu partir para a área de comunicação e economia?

Kleber Markus - Podia fazer o que quisesse, desde que fosse medicina, engenharia ou direito. Com 15 anos, eu tinha que entrar em humanas, exatas ou biomédicas no colegial. Depois que eu terminei engenharia, fui buscar a minha vocação, digamos assim, o que eu gostava, que era [a área] ligada ao marketing, à comunicação. Então eu “consertei” a graduação, primeiro na minha especialização [lato sensu], no pós-lato sensu e depois no mestrado, doutorado, e agora no pós-doutorado [...] com um encontro de marketing, sociologia e comunicação, trabalhando as tribos urbanas, a comunicação “ecosófica” [comunicação ecologicamente correta, que discute o surgimento de uma nova cultura ecológica, incluindo sujeito, tecnologia e natureza em harmonia; onde empresas buscam mostrar sua verdadeira responsabilidade para e com o meio ambiente, indo além do “olha como eu sou bonzinho” e ajudo o meu planeta]. Hoje, as organizações estão cada vez mais falando de meio ambiente e de sustentabilidade, e as empresas fazem um discurso um pouco hipócrita sobre isso. No meu pós-doutorado, eu vou juntar essa tendência do ponto de vista da sociologia, do marketing e da comunicação; questionar se isso é oportunidade ou oportunismo. O que a gente está aprendendo com os indígenas, segundo os sociólogos, é que eles sempre viram a natureza como uma coisa intrínseca, eles [os indígenas] e a natureza são uma coisa só [...] Se você pegar um discurso de empresa socialmente responsável, vai ver que ele é indígena. Fecha-se um triângulo: o indígena com um conhecimento milenar chega até as universidades, vira conteúdo, e as organizações começam a aplicar.

JBCC - O senhor diria que a vocação falou mais alto?

Kleber – Achei sempre que devia ter uma visão sistêmica, global. E a comunicação e o marketing, como um todo, acabaram me proporcionando isso. Quando eu fui fazer o doutorado, tinha uma quase certeza velada, de que o mundo todo estava se encaminhando para uma globalização, uma organização de mercado, todo mundo ficando parecido com todo mundo, isso me inquietou muito. Meu trabalho foi basicamente entender as grandes diferenças étnicas, porque tem países, por exemplo, que tem 80 povos forjados artificialmente. A União Soviética era artificial, não existia um povo soviético, eram conquistas e anexações.

JBCC - Como o senhor entende o conceito de globalização? Como é aplicada em sua tese de doutorado?

Kleber - A globalização é a maior mentira do século XXI. Não existe globalização. O que existem são aldeias globais, que não são uma homogeneização dos costumes [...] A gente viaja muito mais do que os nossos pais, infinitamente mais do que os nossos avós. Não quer dizer que haja uma globalização. Existe uma facilidade de intercâmbio cultural, mas existem ainda diferenças étnicas, só não existe mais a base geográfica, porque hoje é uma coisa só, está tudo conectado [...] A minha tese era provar que não existia homogeneização de consumo, existia a tendência em alguns privilegiados pós-comunismo, o deslumbramento, a busca de algumas coisas. A partir do momento em que o país começava a se erguer, eles começam a se recuperar e a buscar a sua própria identidade. O McDonald’s (American Way of Life) não serve mais, eles têm o seu próprio McDonald’s. Há uma rejeição dos produtos ocidentais, a Sadia teve que fazer uma campanha, porque a palavra em russo significava sadismo, aí o pessoal não comia o frango porque achava que ele era de um país lá da África, chamado Brasil, cuja capital é Buenos Aires. E aí começaram a industrializar produtos artesanais, por exemplo, a coca-cola deles é feita com fermento de pão preto, é muito parecida com a nossa, com uma garrafa totalmente igual a que a gente conhece.

JBCC - Qual a sua visão do marketing? O que deveria ser feito para criar uma leitura diferenciada?

Kleber - O marketing é um processo que está desde o início da empresa até o final. Então quando eu vou escolher a matéria-prima, o design, eu tenho que pensar no marketing. Todo mundo tem que pensar no marketing, não é que é muito importante, mais que qualquer coisa. As empresas veem o marketing como um produto final, quando na verdade, tudo o que gerou o produto pode não estar ali no resultado. O marketing é reverso, não começa do resultado para a frente, ele está dali para trás também. A grande transformação do marketing é essa visão endêmica, marketing não é mais uma coisa pontual. Noventa por cento das pessoas confundem marketing com vendas e comunicação. O marketing funciona como uma área que vai equilibrar os 4 P’s (Preço, Produto, Distribuição e Comunicação; expressão do inglês – Product, Price, Place and Promotion). A ideia do marketing é equilibrar um composto para que as vendas saiam naturalmente. Venda é consequência de um bom marketing, que inclui a comunicação da empresa e a [área] mercadológica [...] Eu só sei se o que eu estou falando é correto se eu olhar a parte “Missão, Visão e Valores” e ver que tudo combina. O fato de estar integrado não quer dizer que está correto. Só está correto quando está integrado e tem a ver com Missão, Visão e Valores.

JBCC - Como poderia ser explicado o fato de uma rede de fast food tipicamente capitalista se instalar na Federação Russa, um lugar marcado pelos ideais socialistas?

Kleber - No começo havia filas enormes, o pessoal queria comer a carne mole, queriam conhecer o “American Way of Life”, tudo o que eles não podiam fazer antes. Até tem uma curiosidade: quando eles acabavam de comer, eles não levavam as coisas para o lixo, e aquilo me chamava atenção. Em uma das pesquisas que eu fiz foi com pessoas que estavam se alimentando no McDonald’s, eu perguntava: ‘por que vocês não jogam no lixo?’ E a maioria me respondia que não tinha o costume do descarte, pois na casa deles havia só um garfo, uma colher... uma escassez absoluta; então, como poderia ter tudo novinho lá e jogar? Eles não podiam levar para casa, mas não conseguiam jogar fora, deixavam tudo sobre a mesa. Agora sachê era outra coisa: se deixasse, eles levariam 30 sachês de catchup para a casa, porque eles estavam na miséria absoluta, com o país “quebrado”.

Depois do momento de recuperação econômica, eles começam a produzir o próprio “McDonald’s deles”. Eles copiam o que o McDonald’s tem de bom, segundo eles, que é a praticidade, todo aquele sistema, mas com um produto totalmente russo. Com isso, o verdadeiro McDonald’s é considerado pelas pessoas de mau gosto.

JBCC - Qual foi a maior transformação relacionada ao marketing?

Kleber - O marketing era sinônimo de pilantra; até hoje, quando o cara diz “marqueteiro” é uma ofensa. Você fala: “Isso é legal. Não! É só marketing!”. Ou quando você quer dizer que é mentira, fala que é só propaganda. Isso ocorreu por causa da Revolução Industrial, em que tudo era feito de forma persuasiva, para enganar, como na frase “o consumidor pode comprar qualquer carro desde que ele seja preto”. As coisas mudaram, a gente está vivendo hoje um processo “consumerista”: empresa responsável e cliente consciente. Essa é a grande transformação, o cliente está muito mais maduro e a empresa mais responsável, quer dizer, hoje eu sou mais exigente e a empresa toma mais cuidado comigo e com o meio ambiente. Ainda não é essa maravilha toda, mas é um processo de evolução.

JBCC - Sobre o governo Dilma, qual é o maior desafio em relação à comunicação?

Kleber - A marca “Dilma” é uma extensão da marca Lula. [O PT] É um partido que tem uma empatia muito grande com a população, assim como Fidel Castro, que tem uma representação simbólica, como um semideus. O ponto positivo do que ocorreu é a herança. Construiu-se uma onda muito favorável na Europa e nos EUA quando as coisas estavam indo bem, o Brasil se beneficiou disso. A dúvida é se o Brasil se segura ou não, porque até agora viveu de reflexos. O PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), as casas populares, são ações importantes, mas são muito pequenas. Como o dinheiro daqui é especulativo, ninguém está aqui para ajudar o Brasil, eles [investidores internacionais] põem o dinheiro para ganhar dinheiro fácil, quando a coisa começa a ficar perigosa, eles tiram. Porque nenhum estrangeiro quer dar uma força para a gente, eles vêm aqui para “rasgar o nosso couro”. Eu não tenho uma visão muito positiva do nosso país. O brasileiro pensa da seguinte forma: ‘se na minha casa tem comida, eu estou pagando minhas contas e eu tenho autoestima, eu não quero saber do futuro’. Eu vejo o Brasil sempre refém, ele não é protagonista de nada.

 

Kleber Markus dá uma verdadeira aula durante entrevista.
Foto: Renata Fujie - JBCC

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