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Em época de BBB, Bial sempre é assunto

Especialistas em crítica e conceito de ética jornalística discutem “o céu e o inferno” de Pedro Bial, o jornalista que marcou o Brasil nos anos 90

Por Natália Petrosky

“Esse papo de credibilidade... quem quer isso é pastor, padre. Não vou fundar igreja, não quero que acreditem em mim. Os jornalistas em geral se levam muito a sério”. Foi o que declarou Pedro Bial à revista “Rolling Stone Brasil”, em 2010. Bial, como tem sido chamado nos últimos 12 anos por comandar o reality show “Big Brother Brasil”, não mediu palavras para rebater as críticas não só dos profissionais da área de jornalismo, mas também do telespectador que estava acostumado a vê-lo atuando na cobertura de momentos históricos do jornalismo.

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Foto 2: 2010: Pedro Bial, apresentador do BBB, estampa capa da edição de março da revista “Rolling Stone Brasil”.(Fonte: Site da revista “Rolling Stone Brasil”)

Bial, durante a mesma entrevista, compara o que o jornalismo faz com os fatos para que eles se transformem em notícias ao que o BBB faz com os participantes do programa. “O jornalismo pega fatos de grande importância e dá a eles a relevância devida, com a superficialidade inevitável, e os eleva à condição de notícia. No BBB, pegamos pessoas irrelevantes, que não são notícia, e as investigamos com profundidade, em um longo documentário de três meses, e revelamos a intimidade às avessas dessas pessoas".

Para as gerações mais recentes do jornalismo, a referência de Bial como jornalista não é mais visível. Acostumados a verem o apresentador comandando o reality show, esses jovens surpreendem quando colocam em pauta o assunto. Até mesmo os meios de comunicação de massa ao questionarem Bial sobre o seu passado e presente, colocam esses dois momentos de sua carreira profissional na televisão como incompatíveis.

Pedro Bial, jornalista, documentarista e escritor, cobriu acontecimentos históricos como a Guerra do Golfo e a Queda do Muro de Berlim.  Hoje é alvo de crítica por apresentar um programa como o Big Brother Brasil. Agora a  imagem do “jornalista-intelectual”, do repórter combativo,  dá lugar ao apresentador descolado, com ares de cronista.Utilizando textos de sua autoria, ou até mesmo trechos retirados dos seus livros de cabeceira, ele narra a eliminação do participante da semana. Em dias de eliminação de participantes, sua fala é ansiosamente esperada por quem está no “paredão” e pelos telespectadores. Virou uma espécie de catarse do público.

O professor da Faculdade de Jornalismo e Relações Públicas da Metodista e também especialista em “crítica da mídia”, Jorge Tarquini, discorda das cobranças feitas ao apresentador: “São duas coisas distintas: uma coisa é ser jornalista – outra, um apresentador que tem bom texto e consegue divertir as pessoas escrevendo discursos prolixos e sentimentais para participantes do BBB”. Quando questionado sobre a possibilidade de Pedro Bial ter perdido a identidade profissional de jornalista, Tarquini deixa claro “Faz muito tempo que Bial deixou de ser jornalista, sejamos sinceros. Quantas coberturas importantes ele fez ultimamente? Por outro lado, quantos BBB’s ele já comandou? Na verdade, ele não é mais um jornalista, só isso. E trata-se de uma escolha pessoal. (...) O fato de Marília Gabriela, por exemplo, fazer novela não a torna menos jornalista – e vice-versa. Ela quis trilhar os dois caminhos e conseguiu manter as duas personas profissionais vivas.”

O diretor do curso de pós-graduação em jornalismo da Escola Superior de Propaganda e Marketing, Eugênio Bucci,  que também é professor da USP e autor de um livro sobre  ética jornalística, concorda com Tarquini. Segundo ele, o BBB não pode ser considerado área de atuação para um profissional de jornalismo, por isso está fora de questão discutir ética jornalística nesse caso: “O BBB não é jornalismo. Não pode ser compreendido quando analisado segundo o prisma da ética jornalística. Ele sobrepõe discursos distintos - a narração esportiva (como no futebol transmitido pela TV, que é uma espécie de animação de auditório à distância), o entretenimento mais convencional (com sorteios, merchandising, coisa que o jornalismo não faria jamais) e o próprio relato de reportagem. É bom levar em conta esse híbrido quando você for analisar o programa.”

Já Francisco Karam, professor de graduação e mestrado em jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenador dos grupos de pesquisa Observatório da Ética Jornalística e Fundamentos do Jornalismo, mostrou-se insatisfeito com a declaração de Bial sobre a questão da credibilidade no jornalismo, mencionada logo no início desta matéria,  e disse tê-la achado infeliz: “Se isso valer para todo o sistema de representação (e o jornalismo é um deles na forma de relatos imediatos) perdemos a referência comum de valores, de democracia, de delegação/representação. (...) A credibilidade jornalística é valor ainda defendido em todos os cantos do planeta, seja por profissionais seja por empresários da área”.

Foto 1: 1991: Pedro Bial vai Europa como“enviado especial” da Globo para cobrir Queda do Muro de Berlim e dissolução da URSS. (Fonte: site da revista “IstoÉ”)

Sobre o  BBB, Karam faz um questionamento: “Há mais de duas décadas,o psicanalista Jurandir Freire Costa, em seus livros e entrevistas, advertia que a sociedade brasileira poderia chegar a um ponto de não-retorno, com a prevalência de valores como cinismo, narcisismo, violência e delinquência. O BBB reúne todos estes ingredientes... Seria ele uma representação da atualidade brasileira ou mundial?”

Os especialistas esclareceram todos os parâmetros que rotineiramente são discutidos entre estudantes e profissionais da área. É uma questão que, como citou Eugênio Bucci, não envolve a ética jornalística, porque o que Pedro Bial está fazendo é qualquer coisa, menos jornalismo. Isso é evidente. O mote é a declaração polêmica do apresentador. Tarquini encerra o assunto declarando que o fato dele não atuar mais como jornalista não quer dizer que ele possa desmoralizar a profissão que sobrevive da credibilidade e da qualidade: “Um jornalista de verdade não pensa assim. Talvez ele não pensasse assim quando fosse jornalista. E talvez não pense assim se um dia tiver de voltar a ser sê-lo. Afinal, noblesse oblige (ou seja: são os ossos do ofício)”.

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