Você está aqui: Página Inicial / Enciclopédia / Verbetes / Europa / Kaarle Nordestreng

Kaarle Nordestreng

Por Raquel Paiva (UFRJ)

Kaarle Nordestreng: em busca dos múltiplos fluxos do jornalismo

Jornalismo – Democratização – BRICS

Talvez não se possa afirmar que o jornalista finlandês seja estritamente um brazilianista. Provavelmente assim não o consideraríamos se nos limitássemos a percorrer a vasta lista de suas publicações, sem encontrar nenhum título especificamente sobre o Brasil. Do que temos certeza, logo à primeira vista, é que se trata de um teórico e um jornalista que passou a vida em busca de princípios que norteiam o ideário pelo qual luta a maioria dos teóricos e jornalistas brasileiros e dos países do Terceiro Mundo. É um ideário norteador, visto que a imprensa escrita haure o seu prestígio de uma mediação historicamente comprometida com a ética do liberalismo. Cabe-lhe, desde os começos do regime republicano europeu, assegurar ao cidadão a representatividade de sua palavra, de seus pensamentos particulares, garantindo assim um bem, que é a sua liberdade civil de exprimir-se publicamente.

Na segunda metade do século dezenove, o jornalismo foi fundamental para o aperfeiçoamento das condições liberais de discussão e persuasão, abrindo caminho para a democracia das opiniões num espaço público consentâneo com a Revolução Industrial e com o liberalismo político e econômico. O jornal era uma entidade republicana. Dentro deste escopo, seria até possível conceber o jornalismo como um projeto político maior do que o “jornal” em si mesmo. De fato, já em 1920, o educador e filósofo pragmatista John Dewey dizia que o jornalismo deveria ir além do mero relato objetivo de acontecimentos (o modelo em que a imprensa “reporta” e o leitor consome) para se tornar um meio de educação e debate públicos.

Favorecendo o diálogo mais direto entre cidadãos e jornalistas, a atividade jornalística, mais do que “reportar”, teria em seu âmago a promoção da “conversa” pública, incrementando os dogmas da “soberania do povo”. Esta função, que é a virtude intrínseca da imprensa, lastreia eticamente o pacto de comunicação implícito na relação entre os meios de informação e a sua comunidade receptora. Seja no jornalismo escrito ou eletrônico, o dever do jornalista para com seu público-leitor (portanto, seu compromisso ético) é comunicar uma verdade, reconhecida como tal pelo senso comum desde que o enunciado corresponda a um fato, selecionado por regras hierárquicas de importância.

A proposta histórica do jornalismo seria a de afinar-se eticamente (logo, com virtudes públicas) com a causa da verdade ou com ideais coletivos, tais como a visibilidade das decisões de Estado, o estabelecimento da verdade sobre questões essenciais para a coletividade, a informação isenta sobre a vida cotidiana, a livre manifestação de pensamento etc. É isto precisamente o que Kant chamava de “publicidade” e que conviria hoje melhor designarmos como “publicismo”.

A produção jornalístico-publicística de Kaarle Nordestreng tem sido, ao longo dos anos, uma referencia para a formação do jornalista no Brasil, não apenas por suas entrevistas paradigmáticas, como Carl Jung, Marshal MacLuhan ou ainda Iasser Arafat, dentre outras personalidades marcantes no contexto mundial do século passado, mas pela sua produção teórica de discussão centrada na inclusão de todos os fluxos comunicacionais, inserindo como centros de produção também o jornalismo dos países periféricos.

Falar sobre a questão da necessidade dos fluxos midiáticos atualmente parece um consenso, apesar do reconhecimento comum de que muito pouco se avançou desde o final da década de 70 quando a temática surgiu como pauta. Entretanto, é preciso ter em mente a lista dos precursores deste movimento mundial. E na primeira fila está o finlandês Kaarle Nordestreng, nascido em 9 de junho de 1941 em Helsinque. Além da produção teórica com a discussão sobre a produção dos fluxos Nordestreng atuou de 1976 a 1990 ativamente empunhando esta bandeira como presidente da Organização Internacional de Jornalistas . Também foi vice-presidente da IAMCR de 1972 até 1988.

Kaarle Nordestreng começou bastante jovem na tarefa de apurar e interpretar os fatos. Com 15 anos de idade e um gosto particular pelo rádio, ele já era considerado o mais jovem repórter da Finlândia. Com 30, em 1971, ingressou como professor na Universidade de Tampere, como professor de jornalismo. Antes disso, desde 1965, ele já havia assumido o gosto por compartilhar a vida profissional com a academia, assumindo a sala de aula, desde o final de seu mestrado em 1965. Entre 1966 e 1967, atuou como pesquisador no departamento de jornalismo na Southern Illinois University, nos Estados Unidos. Ainda sobre sua vida pessoal, em 1974 se casou com UllaMaija Kivikuru, com quem tem dois filhos, Marcus e Laura. É preciso enfatizar ainda que por ter paixão pelo rádio, o jovem Kaarle inicialmente pensou em fazer faculdade de engenharia, mas mudou de ideia e entrou para Psicologia. O mestrado foi na área de Psicologia e Fonética, e em 1967 concluiu o doutorado em Psicolinguistica.

A produção teórica de Nordestreng não é nada pequena, o censo finlandês em 2000 constatava mais de 300 trabalhos científicos, entretanto, alguns títulos merecem uma menção especial. A temática em torno da critica de produção midiática e a perspectiva democrática dos veículos e da produção são uma temática constante em toda a sua produção que iniciou em 1975 com a publicação de “Communication: Introduction to the Study of Social Communication Processes”, publicada inicialmente em finlandês e que foi traduzida para o sueco, dinamarquês e húngaro. O livro foi uma bibliografia obrigatória, principalmente ate meados da década de 90 exatamente por fazer um mapeamento do estado e das tarefas da comunicação de massa.

Porém, o projeto de pesquisa que notabilizou internacionalmente Kaarle Nordestreng foi certamente o projeoeto internacional de estudo sobre o fluxo de mídia, que já tinha sido iniciado no início da década de 1970. Um dos primeiros resultados deste estudo foi o relatório do Nordenstreng e Tapio Varis, que se tornou um best-seller da série de publicações da UNESCO sobre comunicação de massa ("Traffic Televisão - A One-Way Street?", 1974). Mais tarde, a UNESCO organizou e financiou um estudo de fluxo de notícias internacionais (relatório publicado pela UNESCO em 1985) que deu um impulso importante para as discussões sobre a Nova Ordem Mundo Informacional - NOMIC.

As consequências políticas desses achados e conceitos trouxeram à tona questões pelas quais os trabalhos de Nordestreng sempre se pautaram, ou seja forças motrizes para um jornalismo de qualidade, contribuindo para a compreensão e para a paz, alijando o racismo e apartheid social, além da preocupação para com o desenvolvimento social. Seus textos foram publicados principalmente em finlandês e inglês, mas também traduzidos para o sueco, dinamarquês, alemão, francês, espanhol, português, italiano, russo, polonês, servo-croata e húngaro.

São muitas as passagens profissionais de Kaarle Nordestreng a que se pode recorrer na tentativa de montar o seu perfil. E as inúmeras funções e associações a que pertenceu e fundou, sempre relacionadas à prática e à pesquisa do jornalismo, serviriam de parâmetro para evidenciar o seu espírito aglutinador. Mas mesmo com o olhar em todos esses títulos e funções nada é mais representativo do que perceber a complexidade da sua atividade diária, cuja energia o move em inúmeras atividades, cruzando mares, transpondo estradas e caminhos para apresentar e representar sua produção se seus projetos. Não há mesmo uma única pessoa que, tendo convivido com ele, não reconheça essa capacidade impar de trabalho, um workaholic, como é conhecido e nomeado por todos, sistematicamente trabalhando com a internet e celulares, plugado o tempo inteiro.

E é exatamente esta capacidade de aglutinação impar que o levou, já professor emérito da Universidade de Tampere, a pleitear e ganhar a aprovação, junto à Academia de Ciências da Finlandia, do projeto de mapeamento da mídia nos países Brics. Um projeto que aglutinou todo um grupo e que aos poucos foi se expandindo, na medida em que ampliava os olhares sobre as facetas da produção nos países desse bloco. Kaarle conseguiu aglutinar e coordenar todos os quinze pesquisadores iniciais e praticamente duplicar o grupo em torno da produção de três livros, de inúmeros seminários nacionais e apresentações e oficinas ao redor do mundo. A pesquisa, que iniciou em 2012, encerra-se em 2016 com um saldo positivo: a publicação de três livros, inúmeros artigos e a perspectiva de novas produções.

Por outro lado, este perfil não estaria completo se não incluísse, ainda que de passagem, uma de suas grandes paixões: a sauna. Ele é membro da Sociedade da Sauna, que opera próximo a Helsinque e que possui instalações no Mar Báltico. Uma das primeiras coisas que faz ao chegar a uma cidade, além de buscar a conexão de internet, é procurar por lugares de sauna. Tudo isso secundado por sua outra paixão, a música. Não, por acaso, seu filho Marcus é músico profissional.

Bibliografia:
1. http://www.uta.fi/cmt/en/contact/staff/kaarlenordenstreng/publications.html
2. http://www.uta.fi/cmt/en/contact/staff/kaarlenordenstreng/index.html
3. http://www.uta.fi/cmt/en/contact/staff/kaarlenordenstreng/int_jung.html
4. http://blexkom.halemverlag.de/promoting-democracy-and-equality/
5. Erkki Karvonen e Jukka Pietilä dígitos: Charles Nordenstreng: comunicação da ciência embaixador, Tampere University Press 2001

 

Comunicar erros